Clara Pinto Correia morreu aos 65 anos, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas. A escritora, bióloga e professora universitária foi encontrada sem vida pela empregada na sua casa de Estremoz, esta terça-feira, mas já estaria morta há vários dias. A autópsia irá agora apurar as causas da morte.
No entanto, dias antes de morrer, no dia 25 de novembro, uma crónica publicada no jornal digital 'Página Um', onde era colunista, levanta uma dúvida sobre a saúde mental da escritora e um episódio que alegadamente terá vivido, há cinco anos: uma violação.
Segundo o diretor do jornal digital explica, numa crónica assinada por si na noite de terça-feira - dia em que Clara foi encontrada - o texto da escritora foi enviado para a publicação em agosto mas só publicado meses depois, depois de reescrito e revisto pela própria. No mesmo, intitulado '#metoo', sem receios, Clara Pinto Correia, faz um relato inédito sobre a fatídica noite de Natal de 2020 - portanto, há apenas cinco anos - em que foi violada por um homem que lhe dera boleia, confessando ter ficado "traumatizada até ao mais fundo" do coração e ter-se refugiado ainda mais na solidão, longe da família e dos amigos.
"Há cinco anos atrás, (...) foram os dois tarados que juntaram esforços para tornar possível a minha violação. E depois, como fazem todas as mulheres violadas, falei com a minha médica, mas não falei com mais ninguém", começou por escrever.
E por que só tornou público o episódio anos depois? Clara responde: "Pensei que, envolvendo-me bem no meu silêncio em torno deste nojo, estaria a proteger todos os familiares e amigos, todos os filhos e netos que estão longe, os muitos que costumavam juntar-se regularmente comigo e que não haviam de querer andar a ter de aturar histórias porcas de foi assim ou assado".
"Vejo agora, passados mais cinco anos, que o meu desaparecimento das nossas festas, das nossas conversas, e das nossas intimidades mais profundas, magoou de certeza toda a gente que esperava de mim a pessoa que eu era dantes, e agora vou tarde para dizer 'queridas manas e mais família, queridas amigas e amigos, queridos filhos e netos, só posso pedir-vos desculpa mas não dei por isso, fiquei traumatizada até ao mais fundo do meu coração por um janado que me violou na Malorada, numa noite de chuva", escreveu ainda.
COMO TUDO ACONTECEU NAQUELA NOITE DE NATAL
Clara contou como tudo aconteceu: depois de uma festa de Natal, em plena pandemia (2020), tentou apanhar um autocarro para Estremoz [onde vivia] mas, confusa pelas indicações de um guarda, acabou por perder todas as camionetas. Um homem ofereceu-se para lhe dar boleia e foi aplaudido por este guarda. "Muito bem, Tiago. Muito bem", disse o profissional da Rodoviária para este aparente bom samaritano, que o guarda conhecia.
Contudo, a história ter-se-á tornado num terror, como fica evidente pela descrição do que aconteceu.
"Só agora é que reparo (...) que fiquei mal, mas mesmo muito mal, depois do que aconteceu. Diga-se que fiquei traumatizada, por que não – a palavra existe para uso em casos como este. Por exemplo, nunca mais passei nenhum Natal com aqueles ajuntamentos ciclópicos de família de que, no entanto, gosto tanto. Tem sido sempre por motivos de saúde – mas, e se não fosse? Instintivamente, é como se me acontecesse alguma coisa horrível", admitiu.
O GRITO DE ALERTA QUE NINGUÉM OUVIU
A questão relativamente a esta crónica, publicada há duas semanas, é que, apesar da brutalidade de acontecimentos que relata - esta terá passado despercebida. A serem confirmados estes acontecidos - embora dos mesmos não haja, que se saiba até agora, qualquer queixa formal nas autoridades competentes -a denúncia dos mesmos pode significar um grito de alerta por parte da escritora... não escutado.
Até ao momento, além do diretor do 'Página Um', que num texto assinado pelo próprio, vem contextualizar esta crónica, não há qualquer reação a este relato dramático e chocante, nem por parte das autoridades nem dos mais próximos a Clara Pinto Correia.
Recorde-se que a escritora vivia sozinha em Estremoz, acompanhada apenas do seu cão, Sebastião. Foi aí, em casa, que foi encontrada morta.