
- O que queres fazer hoje?
- ...
- Vamos ao cinema? Já não vamos há muito.
- (ombros encolhidos)
Não. Isso não.
Pelo menos reage. Pelo menos existe: mostra que estás vivo, que queres ou que não queres. Pelo menos, reage.
- Não te sinto aqui.
- Mas estou.
- Mas porque será que não te sinto aqui?
- (ombros encolhidos)
Não. Isso não.
Um amor que não reage é um amor parado. E o que está parado fica deteriorado, decomposto. A cair aos pedaços. Já todos o sabem. Menos tu.
- Não te sinto aqui.
- ...
- Tenho saudades de nós.
- (ombros encolhidos)
Não. Isso não.
Só tu pareces não saber que parar, até num amor, é mesmo morrer. Pareces continuar nesse deixa-andar, nesse mais-ou-menos que não consegues deixar de viver.
- Gostava de quando ansiavas por mim: de quando me procuravas a toda a hora.
- ...
- Preciso desse tu para voltar a ser eu. Preciso de nós em mim.
- (ombros encolhidos)
Não. Isso não.
Há uma pessoa a menos a cada mais-ou-menos que vivemos. Viver é acrescentar: sempre acrescentar. Uma vida que não acrescenta todos os dias é uma vida que se subtrai todos os dias.
- Não sei quem és. Já não sei quem és.
- Sou a mesma pessoa de sempre. A tua pessoa.
- Não és. E nem eu sei quem sou quando te vejo assim.
- (ombros encolhidos)
Não. Isso não.
Um amor sem nervo não. Um amor sem tesão não. Um amor só porque precisas de um colo não. Não quero ser só o teu colo; quero ser também o que te tira do colo e te obriga a arfar, a atrever, a pisar o risco. Um amor que não arrisca é um amor riscado: eliminado.
- Quando chegares posso muito bem não estar.
- Deixa-te de brincadeiras.
- Estava a brincar. Na verdade vou sair mesmo quando estiveres aqui. Nem preciso que vás para eu ir.
- (ombros encolhidos)
Não. Isso não.
Vou tomar as rédeas da minha vida e deixar de a agregar à tua. Amar é também, muitas vezes, desistir de um amor. Desistir é muitas vezes o maior acto de coragem que podes empreender.
- ...
- Onde estás?
- ...
- Foste mesmo?
Sim. Isto sim.
Agora apanha-me se quiseres. E sobretudo se eu quiser.