
Eu sei: a culpa é minha. A culpa é minha e desta minha cabeça que não pára de pensar. Que não pára de questionar. Que não pára de querer entender tudo e mais alguma coisa. E depois entra em espiral. E depois fica à beira da falência.
Um amor que tem de ser explicado é um amor falido.
Mas sou assim. Não consigo deixar de ser assim. De ser esta pessoa. Este homem inseguro. Incapaz de entender que é assim. Que o amor é assim. Que nós somos assim. Que por vezes a razão nos foge, e com toda a razão.
Não há qualquer razão para quem ama não perder por vezes a razão.
Porque quando se ama tudo é aquilo: tudo aquilo nos consome. E não há que travar, não há que moderar.
Nunca o moderado foi inesquecível.
Nunca o moderado mudou o mundo, ou uma parte do mundo. Ou uma vida que fosse. Nunca o moderado foi mais do que moderadamente feliz, ou moderadamente eufórico, ou moderadamente apaixonado.
Quem está moderadamente apaixonado está completamente morto.
Nunca aquilo que faz com a que a vida aconteça é moderado. Nunca o orgasmo é moderado, nunca o abraço é moderado, nunca o beijo é moderado. Porque quando estamos temos de estar: não simplesmente permanecer.
Amar é estar — e estar é muito mais do que permanecer.
É estar com tudo. É estar sem pensar em nada senão no que é melhor para o amor. Quem ama ama. E pensa muito pouco.
Quem ama está demasiado entretido a sentir para ter tempo para pensar.
Amar é sentir. Apenas sentir. Deixar ir. Deixares-te ir. E eu não vou. Não consigo. Continuo a querer explicar tudo, entender tudinho. Que estupidez. Que estupidez. Quando aprendo a amar? Quando? Será que só vou aprender a amar quando já não estiveres? Será que só vou amar-te como queres ser amada quando já não quiseres ser amada?
Há tantos amores que se perdem não por falta de amor, mas por maneiras diferentes de amar.
E um ama com tudo, sem amarras. E o outro contém-se, equilibra-se. E depois um não é feliz e o outro não é feliz. E amam-se tanto, tanto. E perdem-se tanto, tanto, assim, nesta forma absurda de pensar sobre o que não tem de ser pensado.
O amor não se pensa; faz-se.
Faz-se. E faz-se com todo o material de que tem de ser feito: com paixão, com resiliência, com paciência, com tolerância, com tesão, com entrega, com admiração, com frustração aqui e ali, e falhas aqui e ali, e insuficiências aqui e ali, e no fim disto tudo ele sobrevém, ele resiste, ele impera, ele governa, ele reina: o amor reina por mais que queiram dividi-lo.
O amor não é tudo: o amor é mais do que tudo.
O amor pega no nosso tudo e faz-nos mais do que isso: quando amamos não somos apenas tudo o que somos; somos muito mais do que aquilo que somos. Do que aquilo que algum dia fomos. Porque a nós se somam os outros, os que amamos, e assim o nosso tudo amplia: vai-se ampliando, ficando maior.
O amor torna-nos maiores a cada vez que amamos.
E o meu é racional: a razão encolhe o amor. Torna-o previsível, como se amar fosse um tratado, como se fosse possível ensaiar o amor, torná-lo perfeitinho, arrumadinho, aprumadinho. Os amores perfeitinhos que se vão encher de moscas. Amar é o cabelo despenteado, a cabeça despenteada, as ideias despenteadas.
Nunca algo perfeito foi apaixonante.
O que apaixona é o que foge do controlo, o que derrota as teorias, o que humilha as explicações. Perdoa-me ser assim, sempre a querer mais um porquê, mais um como, mais um de que modo. Perdoa-me chatear-te com perguntas, com birras de quem não entende e por isso recusa viver.
O amor é o que por mais que não entendas não consegues recusar viver.
Deixa-me ser capaz de não entender. Dá-me tempo. Deixa-me perceber que nada há em nós para ser entendido. Apenas que te amo como um louco e me amas como uma louca. Que tem isto de tão difícil de perceber?
O amor é tão simples quando ninguém o complica, não é?