
Se há algo que Rita Cauperes de Bragança preserva é a paz. Foi por isso que deixou Lisboa, onde trabalhava na área do audiovisual, e se mudou para Proença-a-Velha onde, acreditou, poder ser muito feliz com o companheiro, o uruguaio Leandro Fans. Ele era chef num restaurante. Já era quando chegou a Portugal para tentar dar novos rumos à vida e descobrir a Europa. Os dois apaixonaram-se ainda na capital. Partilhavam o gosto de correr mundo e acreditavam no ideal de uma vida simples, sem luxos, que podia ser escrita em rituais de subsistência em vez de sede capitalista e ganância.
Viajar e amarem-se foi o que fizeram até descobrirem Proença-a-Velha, uma aldeia no interior da Beira Baixa a meia dúzia de quilómetros de Monsanto - a "aldeia mais portuguesa de Portugal", como ficou conhecida no tempo de Salazar - onde era possível, ainda, fazer uma vida "natural". Afinal, era uma aldeia "de velhos", como a grande parte do interior do País, escondida no mapa, mas com encantos: os "barrocos" de granito e xisto, o riacho que passava perto de casa, os passeios que mereciam ser dados até à Serra de Estrela, a Alpedrinha, na Gardunha, a Penamacor.
Rita e Leandro eram forasteiros por ali mas não eram únicos. Nos últimos anos a comunidade de estrangeiros aumentou substancialmente naquelas paragens. Uns chegam atrás de uma vida com menos dificuldades, e trabalhavam na agricultura, em plantações locais, sobretudo. Outros, que descobriam aquelas paragens através de amigos, da net, do Boom Festival (que se realiza em Idanha-a-Nova, sede de concelho) chegavam em busca do sonho de uma vida em harmonia com a natureza. Os pais de Noah, Rita e Leandro, eram assim. Proença-a-Velha tornou-se a sua nova casa desde que as crianças nasceram.
Levaram família, amigos. Davam-se com muitos, como eles, que adotaram aquelas terras para se estabelecer. Falavam mais com os de fora do que com "os de dentro", que praticamente nada sabem sobre eles. Afinal "Proença não tem crianças", dizem. E no entanto, aí estão elas...
Começaram a criar galinhas, a dedicar-se ao campo. Sobreviviam do que a terra dava, vendiam produtos nas feiras biológicas da região - como a de Alpedrinha, por exemplo, que mostram nas suas redes sociais -, de troca direta, do pouco dinheiro que fazem com vendas até nas redes sociais. Rita arranjou um emprego num turismo rural em Oledo (a outra localidade, tal como Medelim, onde foi encontrado o menino, perto da aldeia em que vive), enquanto Leandro se dedicava ao campo.
Era para trabalhar na lavoura que se levantava antes do dia nascer e se fazia à estrada. Noah, o mais novo lá de casa, ficava a olhá-lo. Queria ir com o pai. Às vezes até saía para procurá-lo - o que é normal por aquelas paragens, onde as crianças têm hábitos diferentes do que acontece nas cidades e são criadas mais livremente, sem pensar em "perigos".
Na (ainda) madrugada de quarta-feira foi o que fez. Leandro saiu. Noah saiu, enquanto a mãe dormia.
Foi encontrado com vida, a andar, despido, 36 horas depois. O que aconteceu durante esse tempo ao menino está ainda por explicar. Agora cabe aos peritos analisarem. Quanto ao bebé (que se comporta como um menino crescido e cheio de vida) vai descansar, tratar as escoriações e brincar com a cadela lá de casa, Melina, que também ajudou nas buscas e que, alegadamente, esteve a seu lado algum tempo.
Afinal, há crianças em Proença-a-Velha. Traquinas e precisar de atenção e "todos os olhos em cima", como todas as crianças.