O ano mais duro de Marcelo. Presidente sofre com dilema moral do perdão, procura confessor e é obrigado a colocar as suas convicções mais íntimas em causa
Aos 75 anos e a meio do segundo mandato, nunca o presidente da República se terá sentido tão frágil como nos dias que correm. Desamparado, agarra-se cada vez mais à Fé e procura respostas em Fátima sobre o que fazer com a mágoa em relação ao filho.
Desde que assumiu a presidência da República que Marcelo Rebelo de Sousa sempre tentou exercer um cargo com um misto de responsabilidade e leveza, tentando levar para o Palácio de Belém os valores pelos quais sempre pautou a sua vida. É católico, praticante, e tanto se senta no banco mais recatado da igreja dos Jerónimos, entre turistas, como, de boina afundada na cabeça, se mistura com os milhares de peregrinos que vão a Fátima. E não uma vez por ano. Chega a ir ao Santuário de 15 em 15 dias.
Criado no seio de uma família católica, Marcelo nunca deixou de professar a sua fé. E, na verdade, não é dos apregoam e não dá o exemplo. Sem câmara às costas ou uma fotografia, discretamente colocada nas redes sociais para todos verem quão solidário é, é certo que o presidente não tem assim tanto tempo livre, mas nas suas horas vagas, passa por hospitais, conversa com doentes terminais, oferece-lhes o seu sorriso, compaixão e conforto, e não os despacha em dez minutos: ouve os seus lamentos, põe-se no lugar do próximo, quer saber o que sentem naquele momento tão doloroso. "Ele se sabe que alguém vai morrer, chega a pedir o contacto dessa pessoa fora de horas, gosta de ir junto dela e falar-lhe", contou uma pessoa próxima ao 'Expresso', recordando que tudo está interligado à sua fé inabalável.
"Ser católico facilita a vida em relação aos medos. Sobretudo porque eu tenho um toque providencialista, que é um pouco estranho naquilo a que se chama normalmente um intelectual", chegou a dizer Marcelo Rebelo de Sousa. No entanto, para quem acredita na força da providência divina, não deve estar a ser fácil encaixar os acontecimentos do último ano, que o têm levado a dilemas morais inimagináveis e a colocar à prova aquilo que sempre foi um fio condutor na sua vida.
No entanto, para quem acredita na força da providência divina, não deve estar a ser fácil encaixar os acontecimentos do último ano, que o têm levado a dilemas morais inimagináveis e a colocar à prova aquilo que sempre foi um fio condutor na sua vida.
A sua popularidade caiu a pique e as últimas sondagens mostram que o segundo mandato tem sido arrasador para a imagem de Marcelo. Aquilo que ao início era uma espécie de imagem de marca, agora é olhado de soslaio. As selfies já não são 'cool', a leveza é vista como desresponsabilização e o 'tu cá, tu lá' faz com quem o chamem de desbocado, que digam que está velho ou 'ché ché'.
E podia dar-se o caso de Marcelo se estar nas tintas para o que os outros pensam, mas não só não pode, é presidente, como não é o caso: ele gosta de reunir consenso, de ser amado pelos seus pares e essa foi uma das razões pelas quais sempre temeu o segundo mandato, que o havia deixar perante os desafios mais inusitados.
O CASO GÉMEAS E A MÁGOA EM RELAÇÃO AO FILHO
Não deixa de ser, por isso, curioso que, de entre todos os acontecimentos, os que mais estejam a abalar a imagem pública de Marcelo Rebelo de Sousa sejam precisamente aqueles que o colocam perante dilemas morais, face a valores como a compaixão e a família.
O caso das gémeas foi o mais difícil para Marcelo porque o fragilizou perante a opinião pública, ao mesmo tempo que o colocava na situação familiar mais difícil, num golpe que fez com que virasse costas ao filho, Nuno.
"As gémeas foram um fenómeno adicional, mas não me desgastou politicamente, desgastou-me pessoalmente", disse, na célebre conversa com jornalistas internacionais, que entretanto foi tornada pública. "É imperdoável, porque sabe que tenho um cargo público e político e pago por isso", revelou ainda Marcelo Rebelo de Sousa, tentando desvalorizar o assunto garantindo que "há coisas piores". "Ele tem 51 anos. Se fosse o meu neto mais velho preferido, com 20 anos, eu iria sentir-me corresponsável. Mas, com 51 anos, é maior e vacinado". Ainda que na teoria pareça simples, o caso e as divergências com o filho beliscam Marcelo na intimidade, fazem-no questionar se está a ir pelo melhor caminho e levam-no a longos momentos de confissão.
Ainda que na teoria pareça simples, o caso e as divergências com o filho beliscam Marcelo na intimidade, fazem-no questionar se está a ir pelo melhor caminho e levam-no a longos momentos de confissão.
Uma das pessoas que desde sempre acompanhou esses momentos é o padre Vítor Melícias, cuja relação com Marcelo já tem décadas, tendo começado nos anos 60, e que ao 'Expresso' se condoeu para com o momento que não o presidente, mas o homem atravessa. "Temos falado, ele não está com a vida facilitada", afirma, acrescentando que o 'caso gémeas' tocou no ponto mais frágil de Marcelo, e por isso o magoou tanto. "É
Uma das pessoas que desde sempre acompanhou esses momentos é o padre Vítor Melícias, cuja relação com Marcelo já tem décadas, tendo começado nos anos 60, e que ao 'Expresso' se condoeu para com o momento que não o presidente, mas o homem atravessa.
O perdão está, para Marcelo, sempre em cima da mesa, mas o compromisso para com a fé e os valores católicos entram agora em choque com os deveres de Estado e o acordo que selou com os portugueses.
Pela frente, o presidente tem ainda um ano e meio de mandato, que se prevê o mais difícil.
Um assunto difícil que Marques Medes abordou no seu comentário na SIC, onde salientou a dureza que é para Marcelo ter se debater com esta situação. "É uma pessoa de família. E ser obrigado a cortar relações com o filho é uma violência. O filho não tinha o direito de colocar o pai, que é Presidente da República, nesta situação."
Nunca se terá sentido tão sozinho, numa casa que nunca considerou sua. Depois da pandemia, Marcelo lá foi acedendo a trocar o seu apartamento de Cascais pelo renovado piso no Palácio de Belém que, ainda assim, sempre achou frio e inóspito quando comparado com a antiga casa, onde guarda os seus livros, tem os seus recantos de fé e que o deixa a dois passos de um mergulho em Cascais e da conversa de circunstâncias com aqueles que conhece há anos.
Na presidência, aos 75 anos, Marcelo pode ter atingido o topo da sua carreira política, mas há quem diga que sente falta dessa vida descomplicada que era a sua em Cascais, das férias de verão na praia do Gigi, na Quinta do Lago, e do tempo em que as pessoas ainda lhe pediam selfies porque ele era simplesmente um tipo porreiro, que até dizia umas coisas acertadas na televisão.
É certo que Marcelo nunca foi dado ao descanso - é celebre a frase em que admite dormir há anos cinco horas por dia - mas se antes não cedia ao cansaço porque dormir parece um desperdício de tempo quando há tanto para fazer, agora são preocupações maiores aquelas que o afastam cada vez mais de um sono profundo.