Carlão e os amigos estão de volta! A história dos Da Weasel, os dois irmãos, filhos de "retornados", que venceram estigmas e mudaram a face da música
Quebraram com a tradição rock da Margem Sul do Tejo e deram uma nova "voz" a Almada no início dos anos 90. Surgiram da mente criativa de João e Carlos Nobre com a ideia de serem incómodos na militância contra preconceitos e injustiças sociais. Terminaram em 2010, mas estão agora de volta, com "mais força" dizem... mas também “com mais barriga”.Quando se lembra que o dia 9 de Julho está perto (é este sábado!) e que o palco do Nos Alive já está esgotado há muito tempo, Carlos Nobre é tomado pelo nervosismo: "Epá nem me digam isso, que só aumenta ainda mais a pressão", desabafa à The Mag o músico que se, em 2010 - depois do fim dos Da Weasel - adoptou o nome de Carlão, agora vai voltar a ser Pacman, pelo menos por mais uma noite. Numa recente entrevista, já o seu irmão João Nobre (Jay-Jay) admitia a ansiedade: "Estamos em pânico!".
NOTA: Esta entrevista foi publicada em julho 2022
É já este sábado que a "doninha" volta a reencontrar-se com os fãs, doze anos depois de todos os seus elementos se terem separado e três anos após a pandemia ter adiado o regresso. Os ensaios tinham começado em 2019, na Incrível Almadense, para a edição do Nos Alive de 2020, mas a Covid-19 trocou as voltas ao grupo. O reencontro acontece agora, finalmente este sábado, no Passeio Marítimo de Algés.
"Sei que há uma enorme expectativa e que provavelmente a fome para nos ver até aumentou, mas ao mesmo tempo a nossa vontade também cresceu. Acho que é proporcional", diz Carlão. Os dois anos de adiamento por causa da pandemia, "intensificaram os níveis de ansiedade" é verdade, mas o raper até prefere ver o lado positivo da coisa. "Claro que foi complicado adiar, até porque a máquina é grande e há toda uma logística muito pesada, mas vendo as coisas pelo lado bom, há dois filhos dos Da Weasel que vão agora poder ver o concerto, nomeadamente a minha filha mais nova e o filho do Glu, uma vez que em 2020 eles ainda não tinham a idade mínima para ir a um festival", lembra.
Com cerca de "seis meses de ensaios", juntando todas as sessões ao longo destes três últimos anos, Carlão garante que "a energia está no ponto" e antecipa uma noite "histórica e memorável". Para ouvir estão os grandes sucessos do grupo, que foram lançados à média de três singles por álbum, mas não haverá músicas novas, ao contrário do que muitos fãs poderiam desejar. Esperadas amanhã, no Passeio Marítimo de Algés, são cerca de 60 mil pessoas.
Mas quando os Da Weasel subirem ao palco do Nos Alive (antes dos Imagine Dragons), não são apenas as canções de uma geração que o grupo carregará consigo. Para ver estão também seis amigos que ajudaram a rescrever, da forma mais original, inicialmente até muito experimental, um novo capitulo, não só do hip-hop nacional, mas também da história da música moderna portuguesa. Em 1993, quando o grupo apareceu, ainda nem sequer a imprensa especializada, sabia como classificá-lo: rap rock, rapcore, nu metal, hip-hop...
COMO TUDO COMEÇOU...
O início da história dos Da Weasel leva-nos a recuar até aos primeiros anos da década de 90, à Margem Sul do Tejo, a Cacilhas (Almada), mais precisamente até casa dos irmãos João e Carlos Nobre, dois filhos da guerra em Angola, cujos pais (de origem cabo-verdiana) vieram fugidos para Portugal, deixando para trás tudo o que tinham. Carlão, por exemplo, havia mesmo nascido em casa entre o barulho dos tiros que vinham da rua. Chegaram a Portugal com dois rótulos, o de "retornados" e o de "africanos" e instalaram-se na Margem Sul numa altura em que a "periferia" da grande cidade também tinha os seus estigmas. Carlos Nobre (o futuro Pacman), que tinha traços fisionómicos africanos, mas o cabelo bem mais claro do que o irmão, era então chamado de "preto russo", "muito escuro para banco e muito claro para preto", como viria a cantar mais tarde no tema 'Comité Central', já da sua carreira a solo. Foi vítima de racismo e até, conforme chegou confessar, os próprios pais chegaram a não aceitar algumas namoradas que teve.
Os Da Weasel começaram a tomar forma quando João Nobre (que já tinha tido uma experiência a sério de banda com os Braindead) começou, ainda de forma muito doméstica, "a fazer uns beats de improviso". A isso juntou-se algo que serviu de ignição: uma cassete dos Public Enemy (grupo norte-americano de hip-hop alternativo), que lhe chegou às mãos por intermédio de um primo que vivia em França. "Aquilo foi um murro no estômago" recorda João no recém-estreado documentário 'Da Weasel - Agora e para Sempre' que será exibido amanhã nos ecrãs do Nos Alive, antes do grupo subir ao palco.
O som dos 'Public Enemy' dava a ouvir um hip-hop muito próximo do metal e João Nobre nem hesitou em lançar o desafio ao irmão caçula, apesar deste ser quatro anos mais novo: "Embora lá fazer uma cena destas", disse. Na altura, Carlos (o futuro Pacman), já influenciado por aquilo que via o irmão mais velho fazer, ainda "andava à procura da voz que não tinha" e para fazer as primeiras letras lá ia 'sacando' frases soltas daqui e dali. A primeira maqueta foi paga com o dinheiro de uma mesada e o nome do projeto surgiria já com uma ideia muito conceptual agarrada ao facto de João ser um jovem muito atento e ativo na denúncia das injustiças sociais que via à sua volta: "E uma doninha [Weasel] pode ser sempre incómoda", explica.
Juntando o hardcore punk ao rap, misturando várias sonoridades e apostando numa formação de banda, os Da Weasel nem sequer começaram por ser muito bem aceites pela comunidade hip-hop mais purista. A verdade é que quebraram com a tradição rock da Margem Sul e deram uma nova voz a Almada. Foi, no entanto, com a entrada de Virgul (Bruno Silva), então um puto de 16 anos também de um bairro da Margem Sul, que "as regras do jogo" mudaram e os Da Weasel ganharam uma musicalidade que não tinham até então, mais mainstream, mais comercial. "Eu estava habituado a fazer rimas com o pessoal do bairro e dizia à minha mãe que, um dia, havia de ter uma banda", recorda Virgul. O primeiro encontro deu-se em casa dos irmãos Nobre. "A mãe deles como sabia que eu vinha do bairro, no final deu-me umas bolachas e uma nota", recorda, entre risos. Os Da Weasel ganhavam então um formato mais canção. E tudo mudou.
Lançaram o primeiro disco 'More Than 30 Motherf***s', em 1994, a que se seguiram mais cinco discos de estúdio. Em 2004, os Da Weasel venceram o prémio Best Portuguese Act nos MTV Europe Music Awards e conquistaram também dois Globos de Ouro, um para Melhor Grupo e outro para Melhor Canção, atribuído a 'Re-tratamento', o tal que colocou um país inteiro, incluindo crianças, a cantar "Olá Nina, quero tratar de ti!". Depois de terem editado 'Amor, Escárnio e Maldizer', em 2007, decidiram fazer um hiato de dois anos que acabou por ser transformar num ponto final, em 2010. As razões nunca foram bem explicadas e ainda hoje permanecem no segredo dos deuses, mas a verdade é que os elementos da banda nunca deixaram de se dar, o que sempre afastou qualquer ideia de um conflito insanável.
Depois disso, andaram por outros caminhos. Carlos Nobre despiu a pele de Pacman e passou a adotar o nome de Carlão (pelo qual, de resto, já era tratado em criança por familiares e amigos) abraçando vários projetos (‘5:30’, ‘Dias de raiva’, ‘Algodão’) e uma carreira solo que dispensa grandes apresentações. João Nobre chegou a fundar com Pedro Quaresma, também dos Da Weasel, uma nova banda, os Teratron, mas os dois acabariam por seguir outros projetos. João viveu vários anos em Cabo Verde onde esteve à frente de uma empresa de publicidade e Quaresma desenvolveu vários trabalhos como técnico de som, inclusive na área do teatro. Virgul fundou os Nu Soul Family, andou por Angola, mas um desgosto de amor fê-lo regressar a Portugal, onde iniciou uma profícua carreira a solo. Já Guilherme Silva mudou-se para o Algarve onde abriu uma loja de roupa streetwear. Finalmente Glu (Miguel Negretti) nunca deixou de fazer trabalhos como DJ.
Aceitaram regressar em 2019, cedendo a um desafio que já lhes tinha sido lançado por várias vezes. Não querem encará-lo, no entanto, como um regresso profissional, mas antes como uma coisa mais emocional, como "voltar a reencontrar a primeira namorada sem saber se a coisa vai funcionar", dizem. Sobem ao palco do Nos Alive às 21h00. Dizem que voltam "com mais força", mas reconhecem também... com "mais barriga".