Preparar o futuro: Cristina Ferreira diz-se pronta para deixar a televisão e sonha com uma vida discreta: "Magoaram-me"
Se pudesse escolher como seria a vida perfeita, Cristina Ferreira continuaria a entrevistar pessoas e a fazer diretos, mas, garante, retirava toda a parte da pupurinas e do brilho, porque já saboreou o travo amargo da fama. Em conversa com a empresária Rita Nabeiro, a apresentadora admite que ficou magoada com o que lhe disseram quando saiu da SIC para a TVI, num momento de viragem que a fez valorizar, cada vez mais, a vida na sua essência. "É muito fácil nesta profissão andares a planar e sentires-te maior do que os outros."
Muitos daqueles que idolatram Cristina Ferreira e a acompanham diariamente nos ecrãs, provavelmente sonham com uma vida idêntica à da estrela. Quem não quereria, afinal, ter 1 milhão de euros por ano a cair na conta bancária, poder marcar uma viagem sem olhar ao plafond do cartão ou fazer contas de cabeça, conduzir carros de luxo e comer aqueles pratos de nome pomposo que ela publica nas redes sociais e que gritam cifrões?
Pois saiba que, em muitos dias, a apresentadora dava um dedinho para estar do outro lado da barricada. Não a contar os trocos, entenda-se, que isso também não tem lá grande piada, mas a desfrutar de uma vida anónima, sem sair de casa e ter pessoas a apontar-lhe o dedo, a dizerem, olha a Cristina, a quererem uma selfie quando tudo o que menos lhe apetecerá a ela, que passa a vida diante de uma câmara de filmar, é sorrir para outra lente.
"Gosto muito de viajar: deixo de ser a Cristina que toda a gente conhece. Há quem não entenda o porquê de ter de sair. Se estivessem no meu lugar, percebiam. Aquilo que mais quero é estar num sítio… Onde não me conheçam nem tenham um juízo preconcebido em relação a mim."
As revelações estão inseridas numa conversa que a estrela manteve com a empresária Rita Nabeiro para o site 'D de Delta', na qual conta que esses sentimentos começaram a crescer dentro de si por volta da altura em que voltou à TVI. Até então amada pelo público, de repente Cristina começou a sentir os dedos apontados na sua direção, a crítica fácil do 'ah, afinal ela só quer é dinheiro', os insultos e os julgamentos públicos permanentes.
"Fui amada por um país durante muitos anos, e quando decido voltar para a TVI, eu não estava a fazer mal a ninguém… Só queria voltar a um sítio onde estava bem. Porque já não estava feliz onde estava e tinha tido uma proposta irrecusável. Mas as pessoas não perceberam, e magoaram-me. Eu não estava todos os dias no ar, as pessoas não me viam. Lá está: não me sentiam. Só quando voltei a estar diariamente com elas é que perceberam que a Cristina continuava ali, igual, como sempre."
Acusada por muitos de ter perdido o chão, de se ter deslumbrado com o estatuto de toda-poderosa dos ecrãs, de ter passado a ostentar, Cristina Ferreira admite que para essas pessoas a melhor resposta que pode dar é o seu trabalho no ar, que mostra precisamente o contrário: uma Cristina que fala alto, que às vezes diz uma ou outra piada brejeira, que não tem medo de usar um português tu cá, tu lá, provavelmente o mesmo que emprega quando, nas férias em Vila Nova de Milfontes, pede à tia para ver se o peixe já está assado já está pronto.
"Só consegues ganhar se fores verdadeira. O filtro da televisão é muito mais ténue do que as pessoas possam imaginar. Quem está do outro lado percebe-te, conhece-te, sente-te. Se não fores verdadeira, eles vão desiludir-se contigo e deixam-te. Sou motivo de meme desde que cheguei, porque falo alto, porque sou meio 'esparvoeirada', porque eu e o Goucha fizemos as coisas mais inacreditáveis. Nunca tive vergonha do ridículo, por isso, às vezes, ultrapasso limites. Sei disso", explicou na mesma entrevista a Rita Nabeiro, administradora Executiva do Grupo Nabeiro e neta do falecido Comendador Rui Nabeiro.
Vila Nova de Milfontes e a 'sua' Malveira da Serra são dois dos últimos redutos dessa autenticudade. Com o ordenado que ganha, Cristina Ferreira poderia estar, neste momento, a viver numa Quinta Patiño da vida, vizinha de endinheirados, ou numa torre no centro de Lisboa com vista para a Avenida da Liberdade, mas não há mais nenhum lugar onde prefira estar do que na terra onde nasceu.
"Estou no sítio onde cresci, é [para] lá que volto todos os dias. É muito fácil nesta profissão andares a planar e sentires-te maior do que os outros. Quando voltas ao teu sítio, percebes que não mudou nada. Isso foi crucial para eu nunca virar parva. Estar naquele sítio é muito melhor do que estar na televisão. Ninguém compreende isso… Sei o que é o reconhecimento dos outros quando na rua me abordam, quando tenho um lugar no restaurante que outra pessoa não teria porque digo que é para a Cristina Ferreira… Há milhares de vantagens. Mas adorava que, quando saio da televisão, ninguém soubesse quem sou. Era aquilo de que eu mais gostava, porque preciso tanto de ser, só ser. Tento manter sempre essa distância, entre a Cristina da televisão e a Cristina da vida real. A da televisão é a mesma, só que está numa situação de purpurinas."
"É muito fácil nesta profissão andares a planar e sentires-te maior do que os outros. Quando voltas ao teu sítio, percebes que não mudou nada. Isso foi crucial para eu nunca virar parva. Estar naquele sítio é muito melhor do que estar na televisão. Ninguém compreende isso…"
PRONTA PARA UMA VIA NOS BASTIDORES
O percurso, as reviravoltas da vida e o facto de ter crescido numa família humilde, que nunca teve medo de deitar mãos ao trabalho - fosse ele fazer rissóis ou cortinados - para garantir o seu sustento, fizeram com que Cristina Ferreira tivesse conseguido, apesar de tudo, manter pelo menos um dos pés no chão. E é essa a razão pelo qual afirma não ter medo do dia em que já não estiver diante de um ecrã. Mais, está pronta para esse momento.
"Gosto genuinamente de criar, de fazer acontecer, muito para lá de ser apresentadora. As pessoas perguntam-me: no dia em que eu deixar a televisão, como é que vai ser? Eu adoro o que faço, acho que teria muitas saudades de entrevistar pessoas. Mas estou preparadíssima para trabalhar só em bastidores. É tão bonito ver nascer projetos e entregá-los a outros", diz aquela que garante ser escrupulosamente organizada e diz não precisar de agenda para saber como será o seu dia, muitas vezes sem pausas.
No entanto, nada foge à rotina, àquilo que planeou e há coisas que não abdica, como fazer o jantar para o filho ou ter aquele tempo para se encostar no sofá e colocar o dia que passou em perspetiva.
"Sou profundamente organizada. Sei que saio àquela hora e depois está tudo certo: não há cinco minutos de intervalo. Está tudo contabilizado. E faço jantar para o meu filho, vou às reuniões… Faço questão de ter horários. Preciso de chegar a casa a determinada hora e de desligar."
Com a condução de um programa diário e um reality show que faz com que as suas horas de trabalho tripliquem, sobra pouco tempo livre a Cristina, e esse é, provavelmente, o único luxo que o seu ordenado galáctico não consegue comprar.
"Adoro não fazer nada! Que é uma coisa tão difícil de fazer. [risos] Tenho a sorte de viver no campo. O silêncio acalma-me muito. A minha mãe e a minha tia vivem à minha volta, somos muito de convívios. É só chegar, vestir a roupa – que ainda bem que ninguém vê, que é a roupa prática de casa – e jantar com elas. E é só isso."
Sobre o que lhe reserva o futuro, garante não ter medo, bola para a frente. "Tenho zero medo de andar para a frente porque tenho essa facilidade: se não corre bem, ‘bora, o que é que vem a seguir? Fui sempre assim, em tudo."
Mas será que foi mesmo em tudo. Quando questionada sobre se também no amor consegue ser tão desprendida, aquela que demorou vários anos para assumir uma relação depois de António Casinhas, vacilou. "Demorou um bocadinho mais tempo, mas também resolvi", acabou por dizer.