'Sim, Chef!', por Michele Marques - episódio 3

Estremoz fica a pouco mais de uma hora de Lisboa. É uma viagem que me dá particular prazer. Não sei quantas vezes a fiz. Muitas. Desde os tempos de criança, no banco de trás do carro dos meus pais. A alegria de vislumbrar o castelo e o casario branco, depois de passar, primeiro Arraiolos e depois o Vimieiro, enquanto nos aproximamos pela EN4, continua a fazer-me sorrir, como sempre fez.

Estremoz tem o encanto das "cidades brancas" alentejanas: do casario, das ruas estreitas e empedradas; do castelo que tudo avista; do Rossio Marquês de Pombal, que se abre amplo para receber os visitantes, principalmente aos sábados, para o mercado – recomendam-se os queijos de ovelha –, ou, simplesmente, para um café e uma queijada na pastelaria Aliança ou no carismático Águias d'Ouro.

Mas Estremoz guarda outros tesouros mais cosmopolitas que merecem ser partilhados. Um desses tesouros fica junto ao Lago do Gadanha, onde há muito as crianças mergulhavam para afastar o braseiro do pico do verão – a cidade é tão quente no verão, quanto fria no inverno –, não sem alguns incidentes.

O lago emprestou o nome à mercearia. Em 2009 nasceu A Mercearia do Gadanha. Começou por ser isso mesmo, uma mercearia. Um projeto de Michele Marques e Mário Vieira. O espaço cresceu e, em 2013, tornou-se restaurante. Muito por culpa dos clientes que, com frequência, pediam para provar ali mesmo as iguarias que compravam das prateleiras. Na sua maioria produtos regionais, desde chás, a compotas, chocolates, enchidos e queijos. Sabores do Alentejo, pois então.

A cozinha está sob a responsabilidade de Michele Marques, uma brasileira nascida no Rio de Janeiro que encontrou em Estremoz a sua casa de coração. Apaixonou-se pela tranquilidade da cidade e pelas suas gentes. "É um luxo poder ir buscar a minha filha a pé e agora estamos à espera de mais um. Não nos imaginamos a criar família em nenhum outro sítio", garante.

Descobriu Estremoz quase por um acaso, da mesma forma que descobriu que era a cozinhar que se sentia feliz. Michele começou por querer ser jornalista mas foi numa viagem a Itália que percebeu que estava no caminho errado. Um curso de cozinha básico foi quanto bastou para convencê-la daquilo que ela já sabia: a gastronomia passaria a ser a sua vida.

No regresso, inscreveu-se na escola de Hotelaria de Portalegre. Concluiu o curso em 2012 para, no ano seguinte, realizar o sonho de ter um restaurante próprio. O gosto pela cozinha partilha-o com o marido, natural de Lisboa mas com raízes em Portalegre. Michele não tem pretensões de oferecer cozinha tradicional alentejana na Mercearia do Gadanha, para isso "há muitos sítios aqui no Alentejo, não precisava de mais um". "O objetivo é dar ênfase aos produtos tentando não fazer uma cozinha muito tradicional."

Michele Marques gosta, acima de tudo, de fazer cozinha, experimentar pratos novos, mas as sobremesas têm um lugar especial. O prato Maçã e Poejo é uma das mais bonitas e refrescantes que se podem encontrar por estas paragens e mesmo por terras mais distantes.

Entre a entrada, onde se encontra a zona de mercearia, e a sala de refeições mais formal, encontramos a garrafeira. Rica em referências e néctares, com o melhor do Alentejo, em particular da região de Estremoz, onde existem cerca de duas dezenas de adegas. Uma descoberta que foi crescendo em Michele, influenciada pelo sócio Mário Vieira.

A Mercearia do Gadanha apresenta de uma forma diferenciada o melhor do Alentejo, com sotaque carioca. "É isso que eu quero fazer para a vida, é o que me move e não me imagino a fazer outra coisa", assegura Michele Marques.

A Mercearia do Gadanha é uma boa desculpa para continuar as viagens a Estremoz. E, cada vez que avistar a torre do castelo, ao longe, pela N4, tenho a certeza de ficar com água na boca em antecipação.

Reportagem: Hélder Ramalho

Imagem: Dionísio Silveira

Edição: Nuno Santos/Statement

Produção: Statement 

Uma ideia de: Luísa Jeremias para a Cofina Media

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