'
THE MAG - THE WEEKLY MAGAZINE BY FLASH!

A nova 'dona disto tudo'. Mulher de Ricardo Salgado com o caso BES às costas: analisa, decide, reúne com advogados e torna-se a líder da família

Aos 78 anos, Maria João Salgado tem em mãos um trabalho inesperado: tomou o lugar do marido, passou a estudar o código penal, dossiers e contas de que pouco sabia e toma decisões a pensar naquilo que Ricardo Salgado faria. "No fundo, agora é ela quem sofre e suporta os processos, o que é uma das grandes injustiças disto tudo", conta uma fonte próxima da família, acrescentando que nos últimos tempos muitos se aproximaram da companheira do ex-banqueiro para lhe dar a mão. Descrita como forte e resiliente, ela não verga e toma agora as dores de toda uma família. Saiba o que mudou na sua vida.
Rute Lourenço
Rute Lourenço
01 de novembro de 2024 às 00:02
Ricardo Salgado, Maria João Salgado, Tribunal
Ricardo Salgado, Maria João Salgado, Tribunal Foto: Lusa

Se nos tempos áureos dos Espírito Santo lhe dissessem que, de repente, ela iria como que herdar o título de 'dono(a) disto tudo', ser o rosto mais visível da família, ter de ficar a par de contas, dossiers, reunir com advogados e tomar todas as decisões que realmente impactam a vida do clã, Maria João Salgado provavelmente diria que só podiam ter perdido o juízo.

Porque é a antítese daquilo que a companheira de Ricardo Salgado sempre foi. Apesar do brilho natural de uma mulher que junta a beleza à elegância, e que é descrita pelos mais próximas como "uma pessoa extremamente inteligente, culta e que sabe estar", podendo escolher, Maria João prefere a sombra às luzes, o seu canto aos grandes palcos e, nos tempos de ouro do BES, raramente a víamos em 'bicos dos pés' para ter mais protagonismo, era o oposto: apenas abria uma ou duas exceções para ir ver um jogo de ténis ao Estoril Open ou dar a cara no arranque da Feira da Associação Novo Futuro, no seguimento do trabalho solidário que lá fazia e que hoje, ainda que com menos tempo disponível, faz questão de manter. "Continua a fazer voluntariado", diz uma fonte, acrescentando que, perante a derrocada do império, Maria João nunca cedeu à catástrofe: ergueu o queixo e assumiu a função de ser a líder da casa, de guiar o marido, e isto mesmo antes de a doença de Alzheimer ter progredido da forma como acontece nos dias de hoje.

Logo após a queda do BES, por exemplo, José Maria Ricciardi começava a sua senda de entrevistas em que não poupava Ricardo Salgado, mas ciente do dano que as palavras podiam provocar ao antigo banqueiro, a mulher disse 'basta'. "A Maria João não me deixou ver", confidenciaria à época a alguns amigos para garantir que não tinha tido acesso às entrevistas do primo.

Era apenas o início da viragem que levaria Maria João Salgado a assumir os comandos da família, sem queixas nem lamentos. O mesmo testemunharia o padre Avelino Alves, amigo do ex-banqueiro há mais de 20 anos, para explicar que Maria João nunca virou a cara à luta. "Ele diz-me que tem sido a mulher, e Deus, o seu pilar", disse, nos primeiros anos após o escândalo do BES. "É uma mulher que não aparenta, mas é batalhadora. Ele é um homem com muita capacidade, muito inteligente, mas não resistia se não fosse a mulher."

O INÍCIO DE UMA LONGA HISTÓRIA DE AMOR

Nascida em Moçambique no seio de uma família proeminente, Maria João Leal Calçada Bastos veio para Portugal com apenas seis meses. O pai, médico dentista, abriu uma clínica na Avenida da Liberdade, e rapidamente passou a movimentar-se entre os círculos mais elitistas de Lisboa. Foi nesse contexto, ainda na juventude, que Maria João e Ricardo Salgado se apaixonaram. Ela era descrita como "uma rapariga deslumbrante, de fazer parar o trânsito", ele um miúdo giro, de olhos claros, esperto como tudo. "Conheceram-se através de amigos comuns", contou uma fonte à revista 'Sábado', acrescentando que os dois começaram a namorar nos tempos de faculdade, quando ele estudava Economia no então Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (hoje ISEG) e ela História da Arte no IADE, depois de ter feito a formação anterior no Liceu Francês.

São, por isso, namorados de toda a vida. E o casamento acabou por ser não só um passo natural, como um acontecimento social do final dos anos 60, andava o casal nos seus 20 e poucos anos. A festa teve lugar no Hotel Palácio, no Estoril, e a noiva destacou-se já pelas suas ideias vanguardistas. "Lembro-me que casaram no inverno e a Maria João tinha um vestido com um capuz lindíssimo, forrado a pele clara no rebordo" contou à mesma publicação um dos convidados que esteve no enlace, que aconteceu 1968.

De lá para cá, os dois já viveram várias vidas. A primeira casa onde moraram foi na Avenida Infante Santo, em Lisboa, onde nasceram os filhos mais velhos, Ricardo e Catarina. Na altura, Salgado já dava seguimento à sua formação académica no negócio de família, mas em 1975 o banco é nacionalizado e o casal é obrigado a sair de Portugal. Passaram por Madrid, Londres, até que se estabeleceriam no Rio de Janeiro, com casa em pleno Leblon (um bairro de classe alta da cidade). Nasceria aí, provavelmente, uma paixão que os levaria, mais tarde, a comprar casa no Brasil, ainda que noutro ponto, a Bahia, e a escolher este destino para, ano após ano, passarem o seu Réveillon, nos tempos em que Marcelo Rebelo de Sousa era o amigo de todas as horas dos Espírito Santo, e também companheiro de viagens para o outro lado do Altântico.

Hoje, não se sabe ao certo o que resta da ligação entre os dois. É certo que o cargo político do Presidente da República - e também o facto de o seu nome ser citado no caso BES - obriga a que se separem as águas, mas depois há o outro lado, mais privado, que certamente fará o Chefe de Estado 'abanar'. Marcelo é um católico devoto, aquele que, nos tempos livres, passa horas nos cuidados paliativos a dar algum conforto a quem, muitas vezes, já está com um pé do outro lado.

Em 2015, ao abordar o assunto, Marcelo garantia que, ainda que muito tivesse mudado na vida dos dois, continuava a privar com Salgado. "Não sou daqueles que quando vêem um amigo em desgraça e quando antes o bajulavam, passam a ignorá-lo. Aí é que se vê a categoria moral das pessoas. Estive com ele há algumas semanas. Agora não tenho tido muito tempo. Mas continuei a privar com ele, naturalmente", disse.

Mas na verdade, nem sempre foi assim tão assertivo e tanto dizia que não ia abandonar Salgado, como caía com a força toda em cima do amigo. "Se acontecesse à minha família o que aconteceu à família Espírito Santo, não só estaria cheio de mágoa, mas de vergonha. Salgado acabou e o resto da família também", foi uma das suas declarações mais polémicas, enquanto comentador, que visava atingir Ricciardi, mas que na verdade respingou para todo o clã.

Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado
Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado

À luz dos nossos dias, quase dez anos depois, será certamente mais fácil para Marcelo compreender que os assuntos de família nem sempre são assim tão lineares, com ele próprio a passar por uma situação delicada com o filho, no polémico caso das gémeas luso-brasileiras.

Uma década volvida, a 'The Mag by Flash' não consegue garantir se ainda há ou não uma réstia de ligação entre os outrora companheiros, mas a verdade é que nos últimos tempos houve amigos que voltaram a aproximar-se de Maria João, a dar-lhe a mão, a telefonarem, sobretudo depois das imagens que correram o país e que mostravam um Ricardo Salgado muito fragilizado no arranque do julgamento do caso BES. "Nos tempos recentes houve amigos que se voltaram a preocupar, em face da situação de saúde, solidários e preocupados com a Maria João", admite uma fonte, que não tem dúvidas de que a matriarca da família é um caso sério de resiliência.

"Diria que é um bom exemplo de amor entre um casal. Apesar destas tragédias, é uma história bonita de amor incondicional. Mas, no fundo, agora é ela quem sofre e suporta os processos, não o Ricardo Salgado, o que é uma das grandes injustiças disto tudo", refere a fonte.

A carregar o vídeo ...
Debilitado, ex-banqueiro Ricardo Salgado é confrontado à entrada do tribunal por lesados do BES e ânimos exaltam-se

VÃO-SE OS RELÓGIOS E AS CASAS... FICA A FAMÍLIA

Maria João Salgado e o marido sempre viveram na abundância, alheios a que as maiores provações estivessem guardadas para o final da vida. A Casa dos Pórticos, a fitar, imponente, o mar, em Cascais, era o símbolo máximo daquilo que o clã havia conquistado: o status quo, o poder, o título de 'todos-poderosos'. Uma riqueza a perder de vista, que se estendia até ao reduto de fim-de-semana, a casa construída em cima das Dunas, na Comporta, que, sem que ninguém ainda o soubesse, marcaria um antes e depois na vida daquela outrora pacata localidade. Eram tempos em que o metro quadrado ainda estava abaixo da média nacional e Comporta era sinónimo de uma vida singela, basicamente aquilo que Cristina Espírito Santo descreveria, numa frase polémica, como a terra onde os mosquitos eram impertinentes e picavam que se fartavam e eles, os ricos, podiam brincar aos pobrezinhos, fingir que viviam numa casinha modesta, a desfrutar dos ares do Alentejo e desprovidos de quaisquer luxos.

Essa realidade tem mais em comum com os dias de hoje do que os Espírito Santo alguma vez puderam imaginar. Desde o colapso do BES, foram perdendo as casas, uma a uma, os quadros que adornavam as paredes e em 2015, quando os bens da casa de Cascais foram arrestados, até os relógios que tinham no pulso, Maria João e Ricardo Salgado tiveram de entregar para que fossem inventariados.

A vida, inegavelmente, já não é o que era, mas, ainda assim, seria hipócrita dizermos que o casal leva agora uma existência modesta, pois não é propriamente como se os dois andassem a contar os trocos para o café. A propósito do caso EDP, Maria João admitiria em tribunal que hoje quem os sustenta é a filha Catarina, casada com o milionário Philippe Amon, que lhes disponibiliza uma generosa mesada de 40 mil euros para cobrir despesas, pagar ao jardineiro e a um par de empregados e manter a casa, em Cascais, com as devidas alterações que agora exige o estado de saúde cada vez mais frágil de Ricardo Salgado, aos 80 anos.

QUAL É O REAL ESTADO DE SAÚDE DE RICARDO SALGADO?

Uma das dúvidas que persistem após a última aparição pública de Ricardo Salgado prende-se com a questão da doença de Alzheimer. Será possível determinar exatamente, aos dias de hoje, qual é o verdadeiro estado de saúde do antigo 'dono disto tudo'. Nas conversas de café, diz-se que ele merece um óscar, que está a fingir, até que o olho negro com que apareceu foi pintado, mas as perícias médicas demonstram o contrário e Ricardo Salgado será ainda sujeito a novos exames neurológicos para fazer a averiguação do seu real estado clínico.

Mas quem viu o ex-banqueiro a andar, de passinhos titubeantes, e de olhar perdido, guiado como uma criança insegura pela mão da mulher, não deixou de ficar indiferente àquela imagem, porque, sem estarmos a analisar as fraudes, os crimes, sem ignorarmos a dor de quem perdeu tudo, uma vida de trabalho, e merece ser ressarcido, aquela imagem mostra a fragilidade do ser humano em todo o seu explendor.

De acordo com uma fonte próxima do clã Salgado e de todo o processo, ouvida pela nossa publicação, não há laivos de atuação, não há um 'vamos lá armarmo-nos em tontinhos para ver se nos safamos disso'. A doença é real e, como qualquer quadro degenerativo, tem progredido ao longo dos últimos anos. "No caso dele, o estádio da doença é o segundo mais grave. Tem dependência geral para atividades básicas. Mas não está acamado, esse é o estádio seguinte, ainda que tudo esteja a ser feito para o retardar", explica a fonte, acrescentando que os diálogos que é possível manter com o antigo banqueiro estão longe de ser aqueles que um homem com uma capacidade intelectual acima da média era capaz de manter no passado. "Pode-se ter conversas simples, sem grande conteúdo. Continua a ser uma pessoa agradável e afável. Mas é outra pessoa."

A carregar o vídeo ...
Emocionada, mulher de Ricardo Salgado conta drama do Alzheimer : 'É um filho de que estou a tratar. Sou a cuidadora dele'

Sobre o facto de haver ou não uma tentativa de o colocar a par daquilo que acontece dentro do tribunal, a fonte ouvida pela nossa publicação desmistifica o assunto, garantindo que esse não é um tema que se aborde com o ex-banqueiro. 

"Não há qualquer preocupação em colocá-lo a par. Os médicos entendem que os doentes com estas patologias devem ser preservados", explicou.

O mesmo é dizer que aquele que em tempos não tinha mãos a medir para tantos apontamentos de agenda passa agora os dias em casa, num mundo próprio, a ver os ponteiros do relógio a andar, alheio ao facto de os crimes de que é acusado estarem a ser discutidos, analisados e debatidos. A mulher, Maria João, é a sua principal cuidadora e já contou que antes "tinha um marido fantástico" e agora tem um "bebé" ao seu encargo. Diz que Salgado já se perdeu na mansão de Cascais, que muitas vezes não reconhece aqueles que outrora sabia de cor e salteado e que não pode ficar sozinho no andar de cima, porque os seus comportamentos são já uma incógnita, não seguem uma coerência. Todos os que o conhecem dizem que este é um outro Ricardo, não o Ricardo Salgado do BES.

O fardo, esse, passou para as mãos de Maria João que, aos 78 anos, pensaria certamente estar a gozar de dias tranquilos com filhos e netos a encherem o palacete rosa, em Cascais, de alegria e é agora, pela primeira vez, obrigada a deitar mãos à obra para um trabalho inesperado e, por vezes desesperado, de quem passou a carregar às costas o peso que atualmente acarreta o nome da família.

 

você vai gostar de...


Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável