
A novela é longa, vai tendo diferentes protagonistas, mas o desfecho, até agora, não varia muito: apesar do alarido, das ações em tribunal, das propostas para mudar a lei, continua a haver praias só para ricos em Portugal, com a zona da Comporta a atrair atenções por concentrar nela a maioria.
O caso voltou aos escaparates nos últimos meses por via da denúncia de Paula Amorim. O Grupo Vanguard Proprerties tinha instalado uma cancela que impedia o livre acesso à praia que, desta forma, passava a ser apenas do uso exclusivo do condomínio 'Casas da Encosta', a 2 quilómetros da Praia do Pêgo, que poderiam desfrutar do areal em clima de total reserva. Face ao exposto, o Tribunal foi perentório: a cancela tinha de ser levantada imediatamente. Foi apenas menos uma no eixo que liga Troia a Melides, onde uma inspeção recente mostrou que continua a haver muitas praias de acesso restrito ou condicionado, seja por cancelas ou outras vias, porque há muitas formas de erguê-las, mesmo que não sejam físicas.
Nos Brejos, por exemplo, uma placa a avisar que se trata de uma propriedade privada, desencoraja a passagem, e na praia de Galé-Fontainhas, precisamente onde está a ser concluído o famoso resort Costa Terra, que tem atraído cada vez mais estrelas de Hollywood, é necessário deixar o cartão do cidadão com o segurança do espaço do antigo parque de campismo, com a promessa de que este será devolvido no final. Tudo isto embrulhado numa desculpa de excesso de zelo, que segundo os responsáveis tem a ver com questões de segurança, ainda que nada faça tão pouco sentido como delegar a identificação pessoal para aceder a um espaço que é público, logo de todos.
AS PRAIAS PROIBIDAS
As praias de Troia-Galé, Torre, Duna Cinzenta, Camarinhas, Golfinhos, Raposa, Garças e Pinheirinho são outras que têm ainda os seus acessos de alguma forma condicionados. Na primeira, por exemplo, um segurança indaga-o à entrada para onde pretende ir: só depois de explicar que, sim, a ideia é passar o dia na praia, recebe indicações de como chegar à mesma, onde o espera um parque de estacionamento privativo, não sendo possível deixar o carro nas imediações de outra forma, sem pagar. Não há, também, outro acesso para a Praia de Tróia-Galé, com vigilância balnear.
Depois de ter identificado várias praias de acesso condicionado e controlado e uma de acesso interdito, o Governo tomou medidas, responsabilizando os operadores turísticos pela sinalética de acesso às praias nos seus espaços, que tem de ser clara. "Em todos os empreendimentos que dão acesso a praias concessionadas, é devidamente assinalada, através de placas, a existência de acessos e estacionamento públicos”, foi deliberado. No entanto, ainda é cedo para dizer se as novas regras estão a ser cumpridas ou durante quanto tempo o vão ser, uma vez que este é um problema recorrente na zona.
QUANTO CUSTA IR À PRAIA?
A Comporta é 'vendida' a quem a pretende visitar como o último reduto do luxo, mas num conceito de calma e conexão com a natureza, o que significa que os operadores turísticos querem garantir a quem paga uma fortuna pela estadia pode, depois, desfrutar de um ambiente seleto, e de praias em que não há gritaria nem colunas a passar reggaeton em cada dois chapéus de sol. E se as cancelas foram a primeira forma que encontraram de vedar o acesso a quem não pode pagar uma estadia que no Sublime, um dos espaços mais badalados na zona, nesta altura do ano custa cerca de dois mil euros por noite, essa situação teve de ser contornada face à vigilância apertada. Mas claro, há formas e formas de erguer cancelas, nem todas precisam de ser físicas.
O que nos leva à seguinte questão. É possível a quem ganha o ordenado mínimo incluir no seu orçamento uma ida à praia que pode custar até 100 euros? Dificilmente. É que os custos de uma dia na Comporta atingem facilmente estes valores. Se tivermos em conta o ferry (o preço para um carro e o condutor é de 21 euros), o estacionamento na praia, que começa nos 4,5 euros e um toldo ou cabana de praia, com valores médios entre os 40 e os 150 euros, rapidamente chegamos a um valor elevado, e tudo isto sem contar com a alimentação, que também não será económica, uma vez que os preços estão nivelados muito por cima, mesmo que a ideia seja comer um snack rápido.
Fora isso, os supermercados têm preçários próprios, mesmo que dentro das grandes cadeias, bem como minimercados, cafés e lojas de roupa, que se adaptaram aos novos ares que se respiram na região, que continua a privatizar as praias da única forma constitucional possível: afastando-as da carteira da maioria.