
Ao longo dos últimos anos, o tema tornou-se recorrente, nomeadamente desde o arranque do caso BES, quando vimos Ricardo Salgado de passo titubeante, de braço dado com a mulher e olhar perdido à chegada ao tribunal. Estaria, afinal, o ex-banqueiro capaz de responder judicialmente face ao agravamento da sua doença de Alzheimer? E quem determinaria se esta era real e grave o suficiente para o manter à margem dos processos ou, como muitos sugeriam, que se tratava de um "golpe de teatro" com a demência a ser exacerbada como forma de fugir às suas responsabilidades?
Há vários meses que a defesa de Salgado, de 81 anos, pedia para que este passasse a ter um estatuto de maior acompanhado, o que significa que alguém passaria a responder em seu nome em todas as questões oficiais, e o tribunal deliberou a favor do antigo dono do BES, que a partir de agora fica, assim, isento de ter de se apresentar perante os tribunais, uma vez que o seu estado cognitivo atual não permite que entenda ou tenha consciência daquilo que lá se passa. Face a esta situação, todos os bens passam a ser geridos pela mulher, Maria João Bastos Salgado, bem como qualquer decisão relativamente à vida de Ricardo Salgado.
A decisão foi decretada pelo juiz Nuno Tomás Cardoso na sequência de uma série de avaliações neurológicas realizadas por especialistas em saúde mental independentes, e que registaram um agravamento substancial do estado de saúde do ex-banqueiro, especialmente desde 2023. Neste momento, e segundo consta da decisão judicial, Salgado tornou-se incapaz de responder às tarefas mais básicas, como as de higiene, expressar necessidades do dia a dia, como se tem fome ou sede, frio ou calor, tendo pouca noção temporal e espacial, razão pela qual se encontra, na maior parte do tempo, confinado à sua própria casa, em Cascais, e mais especificamente ao piso térreo, onde foi instalado um quarto para evitar acidentes nas escadas.
“Na sequência de observação médica, registou novamente agravamento significativo do estado de saúde global, nomeadamente, agravamento da memória e outras funções cognitivas, alteração do comportamento, da marcha e desequilíbrio com risco de quedas, episódios de incontinência, perda progressiva de autonomia para realização de atividades básicas da vida diária (ex: higiene pessoal, alimentação, administração da medicação)”, pode ler-se na deliberação, que expõe, desta forma, a vulnerabilidade de saúde de um homem que já foi dono de uma das maiores instituições bancárias em Portugal e aos dias de hoje dependerá da mulher para tudo.
“Em consequência da doença que sofre, o beneficiário mostra-se impossibilitado de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos pessoais de administrar a sua pessoa ou os seus bens, casar, procriar, perfilhar ou adotar; e cuidar e educar os filhos ou os adotados. Bem como de deslocar-se no país ou no estrangeiro, estabelecer relações com quem entender, elaborar testamento ou elaborar diretiva antecipada de vontade ou procuração de cuidados de saúde", pode ainda ler-se.
No documento assinado pelo juiz, é ainda descrito que Ricardo Salgado já não conhece "o valor do dinheiro", pelo que se encontra impedido até das transações mais básicas, que não tem noção daquilo que possui em termos de património, pelo que o acesso às contas bancárias lhe está vetado. Com Alzheimer diagnosticado, o antigo banqueiro já terá também chegado a uma fase em que não reconhece familiares diretos ou, por vezes, o próprio nome.
"Não sabe por vezes dizer o seu nome, nem o de familiares diretos, não consegue descrever o que faz durante o dia" e "não consegue expressar qualquer necessidade básica, como fome, frio ou calor". Salgado também não "sabe onde vive e não pode "andar sozinho na rua". "Frequentemente", "encontra-se desorientado na sua pessoa" e não "sabe dizer a sua idade atual, nem data de nascimento" nem "assinar". Ainda assim, "sabe escrever o nome". "O examinado é possuidor do diagnóstico de demência, em estádio grave e apresenta-se incapaz de governar os seus bens".
A decisão vem agora confirmar aquilo para que Maria João Salgado há muito já alertava, quando disse que tinha agora um bebé grande para cuidar. Dia e noite ao lado do marido, a antiga socialite admite que tudo teve de ser readaptado em função desta nova condição do marido, de quem ela é a principal cuidadora, com os filhos a viverem quase todos fora do país.
O PESO PARA MARIA JOÃO
Discreta, reservada, avessa aos holofotes mediáticos, Maria João Salgado sempre preferiu uma vida mais recatada, que é a antítese da exposição mediática que agora é obrigada a enfrentar. Durante todos os anos em que o marido se manteve à frente do BES, sempre se manteve na sombra e quem a conhece não tem dúvidas de que a vida que agora é obrigada a assumir é um fardo pesado para quem sempre cultivou uma vida simples, dentro da riqueza a que tinha acesso.
Além de ser a cuidadora número 1 de Salgado, com todo o peso que isso acarreta, Maria João tem ainda a responsabilidade de se reunir com advogados, discutir questões estruturais, que podem impactar a vida de todos os envolvidos. No meio desta nova vida, em que mal se reconhecerá, o período que passa, anualmente, com autorização do tribunal em casa da filha Catarina, casada com o milionário Philippe Amon, afigura-se como uma lufada de ar fresco, dentro da monotonia que a sua vida se tornou, longe do brilho de outrora.
Ainda no mês passado, por ocasião do 82º aniversário de Ricardo Salgado, o casal rumou à Suíça para estar com a filha e os netos, num contexto de luxo em que se insere o castelo onde vive a família Amon. Uma realidade que a colocará diante