
Condenado a quatro anos de prisão, com pena suspensa, por abuso de vulnerabilidade de uma idosa multimilionária, François-Marie Banier não tem intenções de viver escondido de todos com os milhões que ganhou da herdeira da L’Oréal. Pelo contrário, "o amigo de mil milhões de euros" voltou às páginas de jornais no ano passado depois da estreia do documentário ‘O Caso Bettencourt: Escândalo Com a Mulher Mais Rica do Mundo’, da Netflix, que recorda a sua relação polémica com Liliane Bettencourt, e, apesar da onda de indignação contra o seu nome, Banier está prestes a lançar um novo livro, ‘Dialogues Interrompus’.
Ainda sem título em português, o livro chega às livrarias francesas a 14 de fevereiro (isso mesmo, dia dos namorados), editado pela Flammarion, e é o primeiro volume da biografia de Banier, no qual fala da sua relação com os conhecidos escritores Louis Aragon, Lili Brik e Nathalie Sarraute, assim como com o visconde Charles de Noailles, um conhecido mecenas.
"Muito cedo, senti-me oprimido por mil perguntas. Aragon, Lili Brik, Charles de Noailles, Nathalie Sarraute iluminaram, cada um à sua maneira, o meu caminho e ainda o iluminam. Aragão encontrei-o com Elsa, uma noite, debaixo de um guarda-chuva. Lili Brik chegou da Rússia a Paris para acompanhar a exposição das obras de Mayakovsky. Charles de Noailles ensinou-me sobre o mundo de ontem e o que a modernidade traz. Nathalie Sarraute abre barreiras e caminhos onde ninguém antes dela aventurou-se. Tive a sorte de ter longas conversas com eles ao longo dos anos, interrompidas apenas pela sua morte", diz o autor na apresentação do livro.
O AMIGO DOS IDOSOS MILIONÁRIOS
O círculo de amigos famosos de François-Marie Banier, de 76 anos, é tema de vários artigos ao longo de décadas. O fotógrafo, pintor e escritor aproximou-se de Salvador Dalí aos 16 anos, os dois tinham uma diferença de idades de 43 anos, mas isso não impedia os encontros frequentes. Foi também neste período que o adolescente, homossexual assumido na década de 1960, afastou-se dos pais. "Quando era criança, era completamente incompreendido pelos meus pais", disse numa entrevista antiga à ‘Paris Match’, citada pelo ‘The New York Times’. O pai batia-lhe e a mãe tinha a habilidade de evitar responder perguntas. Com os amigos mais velhos podia conversar, explicou.
Aos 19 anos, Banier tornou-se íntimo do conde e da condessa de Noailles, Marie-Laure e Charles, ambos com mais de 60 anos, que o incentivaram a publicar o primeiro romance, aos 22 anos.
Seguiu-se a milionária Madeleine Castaing, então com 75 anos, que viu o seu talento para a fotografia e ajudou-o ao longo de anos com presentes valiosos, incluindo obras de arte. Madeleine sofreu um acidente aos 85 anos ao cair das escadas e o seu neto, Frederic Castaing, disse à revista ‘Marianne’ que a família estava convencida de que Banier a tinha "empurrado escada abaixo quando ela se recusou a lhe dar algo". Acusações que ele negou.
Banier também foi próximo da viúva de Pablo Picasso, Jacqueline, de Yves Saint Laurent – orgulhando-se de ter dado o nome do perfume Opium ao amigo -, da princesa Carolina do Mónaco, e do ex-casal Johnny Depp e Vanessa Paradis. Aliás, Banier é padrinho da filha mais velha de Johnny Depp, Lily-Rose Depp.
Todas estas histórias envolvem François-Marie Banier levar alguma espécie de alegria a estes amigos famosos, em muitos dos casos ele aparece num período de depressão. "Ele abre as pessoas a novas experiências", contou John Richardson, biógrafo de Pablo Picasso e amigo de Banier ao ‘The New York Times’, recordando como ele foi um conforto para Jaqueline Picasso após a morte do pintor. "A vida delas passa a ser divertida e ele é uma enorme diversão. Ele é particularmente bom a estimular idosos", explicou. "Ele aparece e muda a vida delas. Tudo bem se algum dinheiro passa por ele. Merece cada cêntimo".
A AMIZADE QUE RENDEU MIL MILHÕES DE EUROS EM PRESENTES
A relação mais famosa de François-Marie Banier foi com a mulher mais rica de França e dona de uma das maiores fortunas do mundo, Liliane Bettencourt, que morreu em 2017, aos 94 anos, depois de quase uma década de polémicas e batalhas judiciais contra a única filha, Françoise Bettencourt-Meyers.
Em 2007, Françoise acusou François-Marie Banier de abusar da fragilidade e senilidade da mãe, para beneficiar do dinheiro dela – na altura uma fortuna de 39 mil milhões de euros. Foi o início de um dos maiores escândalos em França, com repercussões muito maiores do que uma disputa familiar. Uma série de gravações feitas na mansão de Liliane Bettencourt, supostamente para provar as tentativas de extorsão de Banier, acabaram por mostrar um esquema de fuga ao fisco da empresária e ainda políticos a beneficiar de doações milionárias. Foi a morte da carreira política do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, cujo crime nunca foi provado.
Ao longo de quase duas décadas de amizade, Banier terá recebido quase mil milhões de euros em doações de bens de Liliane Bettencourt, além de ter jantares, viagens, várias despesas pagas pela mulher mais rica de França e dois seguros de vida. Em tribunal, Françoise Bettencourt-Meyers mostrou que entre 2002 e 2007 Banier recebeu pinturas de Matisse, Mondrian, Léger, Man Ray e Chirico; também recebeu uma série de transferências de dinheiro, incluindo duas transferências de 250 milhões de euros, em 2003 e em 2006; e houve a tentativa de Liliane Bettencourt de dar uma ilha no arquipélago de Seicheles para François-Marie Banier, o que não conseguiu concluir.
Em várias entrevistas que deu nos primeiros anos da polémica, Liliane Bettencourt argumentava que a filha estava a agir por ciúmes da sua relação próxima com François-Marie Banier. "É um artista que me motiva", disse Liliane ao ‘Journal du Dimanche’. "Foi graças a ele que não fiquei fechada no meio convencional ao qual me destinava a minha situação de fortuna".
Mãe e filha acabaram por assinar um acordo de tutela em 2010 em que Françoise passava a controlar as decisões do dia-a-dia de Liliane, Banier podia ficar com 300 milhões de euros em presentes mas a batalha do fotógrafo com a nova mulher forte da L’Oréal estava só a começar.
Cinco anos depois, Banier ouviu a primeira sentença do caso: foi condenado a três anos de prisão e a pagar 158 milhões de euros à família Bettencourt. A decisão foi anulada no ano seguinte, quando Banier recorreu e acabou por escapar da prisão. Em 2016, um tribunal decidiu que o fotógrafo seria condenado a quatro anos de prisão, com pena suspensa, e a pagar uma multa de 375 mil euros.
As disputas com a filha de Liliane Bettencourt arrastaram-se até 2019, quando um juiz rejeitou as acusações de Banier contra Françoise, de que ela teria subornado testemunhas para dizer que ele se tinha aproveitado da fragilidade da amiga idosa.
Banier tinha assumido um perfil mais discreto ao longo dos vários anos de processos judiciais, deixou de dar entrevistas até para os jornais com os quais trabalhou no passado, mas em 2020 quebrou o silêncio numa entrevista ao programa em francês ‘L'Invité’, da TV5Monde. "É bom vê-lo novamente na televisão a falar sobre as suas duas exposições quando até agora o seu nome esteve associado ao 'caso Bettencourt'. Isso ficou para trás de si?", questionou o apresentador Patrick Simonin.
"Não ficou atrás de mim, está em mim", respondeu Banier. "Porque ela é uma mulher extraordinária e tenho muita sorte de ter vivido anos de amizade com ela. O resto será julgado quando a história ficar mais clara."
Apesar do afastamento da vida pública, Banier continuou a pintar e a fotografar, a viver entre França e os Estados Unidos, nos últimos anos. As suas obras estão expostas na Galeria Miguel Abreu, em Nova Iorque. Em 2020 ele lançou um livro com centenas de fotografias de Marchas de Orgulho LGBTQIA+ realizadas em Londres, Nova Iorque, Bruxelas, Paris e Roma na década de 1990.
O novo livro, 'Dialogues Interrompus', parece deixar de fora as conversas interrompidas com Liliane Bettencourt, mas, como diz o seu perfil na galeria nova-iorquina, este é só o primeiro volume da biografia.