
Sara Correia
Foi "ainda na barriga da mãe" que Sara Correia começou a ir aos fados. Em 1997, ainda muito pequenina, com apenas quatro anos, assistiu à vitoria da tia Joana Correia na Grande Noite do Fado (essa edição consagrou também Ricardo Ribeiro, nome que hoje dispensa apresentações). "Eu ouvia as cassetes dela e depois imitava-a em casa" conta. Uma coisa leva à outra e aos oito anos, Sara começou a cantar numa casa de fados chamado Ferreiras, "ao pé do Hospital de S.José", lembra (a tia também cantava por lá). As memórias daqueles tempos ainda estão bem vivas: "Lembro-me de estar a tremer por todo o lado e de não abrir os olhos para cantar porque tinha um medo enorme de me esquecer das letras e de fazer disparates".
Acabou por abandonar os estudos por causa do fado e assim que conseguiu sair debaixo das asas da mãe que só a "deixava cantar à sexta e ao sábado", Sara arranjou uma casa sua e entregou-se definitivamente ao fado, de corpo e alma. Hoje, aos 28 anos, é apelidada por alguns como "o furacão do fado", sendo muito provavelmente a voz mais poderosa da nova geração de fadistas. O seu último disco, esteve nomeado para os Grammy latinos, entre outros importantes prémios internacionais e o seu título diz quase tudo: ‘Do Coração’. "É do coração porque fala inteiramente de todas as formas de amor", explica. Em palco faz-se também acompanhar pelos melhores: Diogo Clemente, Ângelo Freire (guitarra portuguesa) e Frederico Gato (baixo).
É de Sara Correia a voz que se ouve atualmente no genérico da telenovela ‘Quero É Viver’ - numa versão de um original de António Variações - e é ela que se ouve naquela que será muito provavelmente uma das canções do ano, um dueto ao vivo com Pedro Abrunhosa para o tema ‘Que Amor te Salve nesta Noite Escura’, que ambos concordaram em fazer reverter todas as receitas para a organização ‘We Help Ukraine’.
Luis Trigacheiro
Chamam-lhe "o orgulho do Alentejo" e a sua voz e o seu timbre são tão raros e pouco convencionais quanto o seu nome. Luis Trigacheiro, de 23 anos, até diz que não é fadista e que só sabe "quatro ou cinco fados" mas a alma está lá toda. "O que eu posso dizer e que não tenho dúvida alguma é que o fado é algo que me toca e que eu amo", começa por dizer, "pela variedade de emoções que gera, não só entre nós portugueses, mas em todo o mundo". É sobretudo no cante que Trigacheiro encontra a sua praia, mas reconhece que inconscientemente "o fado está presente" na sua "forma de cantar e de interpretar", ou não fosse o cante, o fado do Alentejo. "Sou a mistura de tanta coisa diferente…vindo de tanto lado, o meu fado é castiço, é mestiço" canta no tema ‘Saudade’.
Nas provas cegas do ‘The Voice’, programa que venceu em 2020, Luis Trigacheiro pôs Diogo Piçarra a chorar, deixou Aurea arrepiada ("isto que fizeste não é de um menino de 23 anos"), Marisa rendida ("esta foi a melhor prova cega a que já assisti em sete anos") e António Zambujo de queixo caído ("o que fizeste aqui foi inacreditável"). De lá para cá tudo mudou e até a vida académica que levava teve de ir para a gaveta "Trocaram-me as voltas" diz entre risos. "Eu estava a tirar agronomia e de repente tive que congelar o curso e ir estudar música para Lisboa", lembra o cantor que frequenta, atualmente, ‘Jazz e Música Moderna’ na Universidade Lusíada de Lisboa, um dos prémios do concurso. "Saí completamente da minha zona de conforto para entrar num mundo desconhecido", desabafa.
O disco de estreia 'Fado do meu Cante', é um hino ao bom gosto, à boa música, às tradições, uma carta de apresentação cheia de nuances que o próprio Luís Trigacheiro desconhecia, mas que também recupera muito do seu passado quando entrou para um grupo coral em Beja com a avó. "Comecei a cantar umas modas alentejanas quase na desportiva, mas gostei tanto que depois comecei a querer aprender mais sobre o porquê do cante alentejano e sua origem. As coisas foram surgindo e até criei um grupo com amigos, mas as coisas foram sempre encaradas como um hobby", recorda. Na última edição dos prémios Play da música portuguesa esteve nomeado para Artista Revelação.
Beatriz Rosário
Menos tradicional, mas não menos fadista do que outros, Beatriz Rosário, de 23 anos, decidiu despir o xaile ao fado e vesti-lo com novas sonoridades mais pop e modernas, entre as quais a eletrónica, quando há dois anos decidiu deixar a sua terra natal, Coimbra, e vir para Lisboa. "Vinha com a ideia de fazer o meu próprio disco, mas não me apeteceu fazer um álbum só de fados tradicionais. Por isso, juntei-me a alguma juventude da música portuguesa como o Agir e o Ivo Lucas e decidi fazer um caminho meu, muito próprio, misturando sons urbanos com fado", diz.
Foi com os fados "mais alegres e popularuchos" como ‘Cheira Bem, Cheira a Lisboa’ ou ‘Nem às paredes Confesso’ que Beatriz Rosário começou a trautear Amália Rodrigues com apenas cinco anos. Os discos (do avô) andavam lá por casa e cedo suscitaram a sua curiosidade. "A voz da Amália foi algo de fantástico que me aconteceu", reconhece. A mãe ainda a inscreveu em aulas de piano, mas aos 12 anos Beatriz Rosário lá disse à professora que "queria era cantar fado". Conheceu depois uma promotora de espetáculos que a convidou para fazer alguns concertos e foi assim que começou a andar pelos palcos do país. Hoje, diz que está a fazer uma espécie de viagem à sua personalidade, mas não foge àquilo que o fado lhe exige, até porque, como diz, "para cantar o fado é preciso quase sofrer para se entrar na frequência certa".
Apadrinhada pelos D.A.M.A, Beatriz já lançou o seu disco de estreia, um EP, intitulado ‘Rosário’ em Março deste ano, uma homenagem à avó Rosário "uma mulher que tinha um timbre lindissimo, mas que, por timidez, nunca cantou". Morreu no ano passado em plena pandemia e por causa disso, Beatriz quase não conseguia despedir-se de uma das grandes referências da sua vida."Não me deixavam entrar no hospital por causa do Covid mas lá consegui cinco minutos". Para sempre ficará um conselho: "Vê lá os teus estudos e cuidado com os rapazes". Para quem não conhece Beatriz Rosário torna-se obrigatória a audição dos temas ‘Ficamos Por Aqui’, ‘O Que É feito de Ti’ ou ‘Obra de Deus’.
Rodrigo Lourenço
Antes de vencer o ‘The Voice Portugal’, Rodrigo Lourenço partilhava, no Youtube, versões de temas dos mais variados artistas, de Harrt Styles a Rui Veloso, de Sia a Carlos do Carmo. Diz que chegou a andar pela música sertaneja, francesa e espanhola, mas foi com o fado ‘Maldição’ de Amália Rodrigues que venceu o programa, com apenas 16 anos. Nas provas cegas, António Zambujo, que acabou seu mentor, já lhe dizia que ele era um miúdo novo com alma velha, pela forma como cantava e saboreava cada palavra.
Sagrou-se o mais jovem vencedor de sempre do ‘The Voice Portugal’ (reuniu 70% dos votos numa final a quatro) e está hoje perfilado como uma das maiores promessas do fado. Rodrigo Lourenço assinou contrato com a editora Universal, para a qual gravava, por exemplo, Carlos do Carmo, e para a qual gravam António Zambujo, Dulce Pontes, Gisela João, Marco Rodrigues ou a própria Sara Correia. Faz parte do cartaz deste ano do Festival Santa Casa Alfama, onde irá cantar, no palco principal a 23 de Setembro. Estudante de canto no Conservatório de Castelo Branco, soube criar já um estilo muito próprio, acompanhando o seu fado não pelo trinado da guitarra, mas pelas teclas de um piano.
Teresinha Landeiro
Foi Carminho quem convenceu Pedro de Castro, guitarrista e dono da casa de fados Mesa de Frades, em Alfama, a ouvir uma miúda de nome Teresa, que por causa dos seus 1,56cm, já era carinhosamente chamada de Teresinha, Landeiro de apelido. Na noite da estreia, também por lá andava Rui Veloso para a escutar, e a coisa correu tão bem, que a jovem Teresa saiu da Mesa de Frades sem dúvida do caminho a seguir. "O fado é uma história sobre vida", diz. E ela decidiu que estava na hora de cantar a sua.
Entre os estudos na área da gestão (falhou medicina por duas décimas) e o fado, foi fazendo a sua vida, Teresa de dia e Teresinha à noite. De calças de ganga e ténis Allstar rompeu com clichés fadistas como o xaile ou as cores escuras, fugindo também do "bullying" de que foi alvo nas casas de fado, quando os mais velhos lhe diziam como é que ela se devia apresentar (começou a cantar aos 12 anos). Foi aceite por uns, mas fez torcer o nariz a outros. "Uma vez, no final de um concerto, um senhor veio ter comigo e disse-me: "gostei muito de a ouvir cantar, mas não lhe perdoo a roupa". A verdade é que já João Braga lhe dizia: "Não há nada que não possas fazer, tu nasceste para o fado"
Foi-se construindo artista entre o primeiro disco, saído em 2018, e mais recente ‘Agora’, lançado em 2021, e com o fado, como amor primeiro, começou ainda assim, a piscar o olho a outras sonoridades. "O fado será de ontem, de hoje e de sempre, mas também trago outras sonoridades pelas quais me apaixonei pela forma como me tocam. Afinal de contas, o fado é exatamente isso, sobre sentir e fazer sentir. Neste meu coração fadista houve espaço para um bocadinho de jazz, um leve ritmo de samba e até algumas canções", dizia. Este ano, Teresinha Landeiro até cantou no Nos Alive.
Gaspar Varela
Foi por causa de Madonna que começámos a ouvir falar mais em Gaspar Varela. Na altura em que ainda vivia em Portugal, a rainha da pop ouvi-o tocar num serão musical em Lisboa e nunca mais o largou, tendo-o levado consigo para gravar o disco ‘Madame X’ e para a acompanhar na digressão mundial de apresentação do álbum. Gaspar Varela não tem o fado na voz, mas carrega-o na ponta dos dedos como um dos mais virtuosos guitarrista da atualidade. Filho do realizador Diogo Varela Silva, é bisneto de Celeste Rodrigues e sobrinho-neto de Amália Rodrigues, e começou a aprender a tocar ainda criança só porque queria, um dia, acompanhar a bisavó em palco. Esse sonho conseguiu concretizá-lo logo aos sete anos num concerto na Voz do Operário e reza a história que o instrumento era maior do que ele próprio.
Recebeu o primeiro convite para fazer um disco aos 13 anos (o desafio foi lançado pelo Museu do Fado), gravou-o aos 14 e aos 15 já tocava no Centro Cultural de Belém (CBB), sagrando-se como o mais jovem guitarrista a apresentar-se num concerto próprio naquela sala. Para além de Madonna, entre as personalidades internacionais que já se renderam ao talento do jovem português estão também o realizador Spike Lee (chegou a gravar um vídeo para o elogiar), o músico e produtor discográfico Mike Dean e o apresentador de televisão Jimmy Fallon.
Começou cedo a ser acarinhado pelo meio fadista e também já acompanhou ao vivo Ana Moura, Ana Ana Sofia Varela, Ricardo Ribeiro ou Camané, que o conhece desde bebé. Quando Amália morreu, Gaspar Varela, ainda estava a quatro anos da data do seu nascimento. Faz 19 anos em setembro próximo e o presente e o futuro do fado já passam obrigatoriamente por si.