
O Papa Francisco mantém-se internado com uma pneumonia bilateral, que causa grande ansiedade no seio da Igreja Católica, que acompanha em permanência a evolução do quadro clínico do pontífice, de 88 anos, ao mesmo tempo que, inevitavelmente, começa a abordar o tema da sucessão.
No hospital Policlínico Gemelli, em Roma, Francisco debate-se com a sua saúde frágil e, fontes ligadas ao Vaticano, terão dito que o papa acredita que dificilmente sobreviverá a esta batalha, tendo dado indicações para que se comece a preparar os novos tempos após a sua morte, acionando os mecanismos legais para que se comece a tratar do novo homem que irá estar à frente da Igreja Católica. Pragmático, o argentino foi o primeiro dos seus pares a falar abertamente sobre a morte para garantir que deixar esta vida não o assusta. "Não tenho medo da morte e imagino-a em Roma", admitiu Francisco, que falou sempre abertamente sobre as suas questões de saúde, internamentos e até sobre um tema nunca antes abordado no Vaticano: a saúde mental, com o papa a revelar que chegou a fazer psicoterapia para 'arrumar gavetas' e encaixar algumas questões.
Quando chegou a São Pedro, não quis, aliás, que nada ficasse escondido, entre dentes, por dizer e a sua condição foi exposta como num raio-x, com o Vaticano a revelar então que o novo Papa não tinha parte de um pulmão, como resultado de uma cirurgia realizada quando este tinha apenas 21 anos, e foi hospitalizado na sequência de uma gripe asiática.
Na sua biografia 'Esperança', que antecipou para que saísse ainda em vida, Francisco descreve esse momento como um dos mais desafiantes da sua existência, um ponto de viragem até, uma vez que aquilo que viveria no hospital pôs à prova a sua resiliência, a sua fé, com o papa a garantir que foi apenas depois desse momento, que o colocou, pela primeira vez diante da perspetiva da morte, que tomou a decisão de entrar como noviço na Companhia de Jesus.
"Os médicos disseram que tinha três grandes quistos no pulmão e que era necessário intervir cirurgicamente e o mais depressa possível. Operaram-me. Foi um forte sofrimento. Muito forte. Naquele tempo, procedia-se fazendo uma incisão no tórax e separando depois as costelas com um instrumento específico, e isso já era um trauma que deixava marca. Removeram-me o lobo superior direito, mas o tempo da dor não acabara", conta o Santo padre, revelando que o pós-operatório foi igualmente difícil devido aos tratamentos invasivos.
"O sofrimento não desaparecera, mas assumia um valor diferente, um significado", explicou o argentino que nos últimos anos tem sofrido muito com quadros infecciosos respiratórios, que o debilitam na terceira idade.
Enquanto Papa, sempre revelou que considerava o papado um "papel para a vida" e daí preservar ao máximo a sua saúde, mas fez questão de acautelar a sua morte, definindo como queria que fossem as suas cerimónias fúnebres e onde desejaria ser enterrado, algo em que, mais uma vez, Francisco rompe convenções. Tratou de mudar tudo o que estava estabelecido, simplificando em primeiro lugar as cerimónias fúnebres, que considerava com protocolo em excesso. "Simplificámos bastante todo o processo. Na verdade, isto tinha de ser feito e serei o primeiro a exemplificá-lo", disse, não especificando ao certo todas as mudanças. No entanto, acredita-se que uma das principais se prenda com a duração das exéquias, conhecidas por serem celebradas ao longo de nove dias. Um tempo considerado excessivo, principalmente por causa da decomposição do cadáver, até mesmo com as técnicas inovadoras dos nossos dias, e do odor que este liberta.
Depois do funeral, Francisco revelou também que, ao contrário da maioria dos seus antecessores, não pretende ser enterrado no interior do Vaticano, tendo escolhido a Basílica de Santa María Maggiore como sítio onde quer que sejam acolhidos os seus restos mortais, confirmando assim a sua devoção àquele que é conhecida como a Virgem dos romanos. Tudo isto foi revelado numa das últimas grandes entrevistas dadas pelo Papa, que fica na história como um homem peculiar, aberto e que nunca teve medo de abordar questões que antes eram tabu para a Igreja. Talvez a sua história de vida assim o tenha ditado. Francisco cresceu na Argentina, num bairro onde tanto esfolava os joelhos a jogar à bola com os amigos como se debatia com os problemas das vizinhas, muitas delas prostitutas, com as quais soube manter uma amizade até quando já tinha sido confirmado como Santo Padre. Porque para ele, o que o envergonha são outras coisas, faltas de respeito que em nada se prendem com escolhas ideológicas e questões que colocou em cima na mesa de uma Igreja, que precisava deste abanão.