
Antes de se tornar primeiro-ministro, Luís Montenegro tinha já uma longa carreira como deputado, mas conseguiu quase sempre separar a vida política da pessoal. Da mulher e dos filhos pouco se ouvia falar e as grandes polémicas nunca o incluíam, com o político a gozar de uma espécie de reputação imaculada, que agora cai por terra, da forma mais violenta e a afetar todos os elementos da família, com a investigação em torno da empresa familiar Spinumviva, e os alegados conflitos de interesse na sua gestão, a resultar na queda do Governo.
De repente, não foi só Montengro que ficou exposto, mas também a mulher e os dois filhos. E Carla, que pela primeira vez mudou toda a sua vida para acompanhar o marido, começa agora a sentir o reverso da medalha e o arrependimento, pois não só a mudança de Espinho para Lisboa, como o facto de ter deixado o trabalho de uma vida poderão ter sido em vão.
Para percebermos o contexto familiar, temos de regressar ao início do casamento e ao nascimento dos dois filhos de Luís Montenegro. Por essa altura, o agora primeiro-ministro em gestão começava, também, a conquistar destaque político com o cargo de deputado na Assembleia da República a levá-lo a deixar Espinho e a fazer as malas para Lisboa. Com os filhos pequenos e toda a gestão familiar, Carla optou por permanecer no Norte do País, onde contava com o apoio da família, tendo sido mãe e pai na maior parte dos anos.
Foi muito duro. A minha mulher fez um esforço enorme nos primeiros anos de vida dos nossos filhos porque eu passava metade da semana fora de casa, mas era preciso conciliar o emprego dela com todas as tarefas subjacentes ao período em que os meus filhos estavam fora da escola, portanto tinham de fazer os trabalhos", explicou Luís Montenegro, que durante 17 anos viveu um casamento à distância.
"Uma das razões pelas quais não mudámos toda a vida familiar para Lisboa foi porque o meu filho mais velho foi o primeiro neto dos meus pais e dos meus sogros e a ajuda dos avós acabou por ser determinante para poder complementar a minha ausência. Se nos tivéssemos mudado para Lisboa perderíamos esse apoio de retaguarda. Foram períodos difíceis. Na altura vivíamos num terceiro andar sem elevador e a minha mulher muitas vezes levava os filhos ao colo quatro vãos de escadas até chegar a casa. Do ponto de vista mental e físico era duro. E era duro para mim estar a perceber isso à distância, mesmo que às vezes não expressasse esse incómodo."
O PONTO DE VIRAGEM
Foi, por isso, um ponto de viragem na vida da família o momento em que Carla decidiu, pela primeira vez, deixar tudo para trás para acompanhar o marido. Quando Montenegro foi indigitado primeiro-ministro, a companheira concordou em acompanhá-lo, tomando a difícil decisão de deixar o seu trabalho de uma vida na ADCE – Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho, onde trabalhava desde 1997 e desenvolve o seu serviço junto de crianças desfavorecidas, depois de ter tirado o curso de Educadora de Infância.
Em Lisboa, Carla começou a aparecer em compromissos institucionais ao lado de Luís Montenegro, passou a estar mais exposta, não imaginando, no entanto, a grande polémica que estava a um ponto de estoirar, que fez cair o Governo e a deixa a um ponto de poder voltar à sua antiga vida no Norte do País.
No meio do processo, sofreu ainda com os filhos envolvidos na polémica, num drama que já tinha vivido no passado quando, ainda na escola, as crianças, num meio mais pequeno como Espinho, a sofrerem represálias pela vida pública do pai. "Eles sofreram muito. Um nasceu um ano antes de seu ter sido eleito deputado e outro quando eu ja estava na Assembleia da República, foram acompanhando a crescente exposição pública, com tudo aquilo que isso acarreta. Tiveram várias episódios na escola que foram muito duros, ao ouvir comentários sobre o pai. Tive uma fase de os proteger e de os tirar do meio escolar onde estavam, nomeadamente o meu filho mais velho, por causa da perturbação que, colegas, pais de colegas, funcionários e até professores da escola, lhe estavam a provocar", disse, adiantando que nessa altura Hugo era confrontado com comentários desagradáveis. "Diziam: o teu pai não está porque anda a passear com o nosso dinheiro. Havia a predisposição para cobrar a um miúdo aquilo que eram as frustrações das pessoas."
Nestas últimas semanas, Carla Montenegro voltou a sentir essa apreensão de mãe, perante a exposição pública de Hugo e Diogo. Agora é tempo de voltar a fazer as malas e regressar para junto dos filhos, em Matosinhos, para a casa de família que chegou a ser a sede da Spinumviva.