
No mês em que o movimento Me Too celebra cinco anos de uma avalanche de escândalos sexuais, Kevin Spacey começa a ser julgado pelas acusações feitas por Anthony Rapp de comportamento sexual impróprio quando eles tinham 26 e 14 anos.
O caso de Kevin Spacey tornou-se num dos mais mediáticos naquela altura, atrás das acusações de dezenas de mulheres contra o magnata de Hollywood Harvey Weinstein. Em entrevista ao 'Buzz Feed', Anthony Rapp, de 51 anos, contou que foi convidado para uma festa no apartamento de Kevin, em que ele era o único adolescente presente. O ator terá ficado distraído na festa a ver televisão antes de perceber que todos tinham ido embora. Terá sido aí que Kevin Spacey aproximou-se do jovem, atirou-o na cama e subiu em cima "a apertar" os seus braços. "Estava certo de que ele estava a tentar algo sexual", declarou.
Anthony Rapp afirmou ter conseguido escapar e depois dizer que ia para casa. Enquanto caminhava, a "minha cabeça estava a girar", relatou. "Tenho uma memória de virar e [pensar], 'o que foi isso? O que devo fazer? O que isto significa?'". "Quanto mais velho fico, e quanto mais sei, sinto-me muito afortunado de algo pior não ter acontecido [...] "E, ao mesmo tempo, quanto mais velho fico, mais não consigo acreditar. Nunca podia imaginar que alguém que conheço fizesse algo assim com um miúdo de 14 anos", relatou, três anos antes de apresentar queixa.
Após o artigo do 'Buzz Feed', Kevin Spacey respondeu no Twitter afirmando não lembrar do encontro com Anthony Rapp. "Mas se me comportei como ele descreve, devo-lhe as mais sinceras desculpas pelo que teria sido um comportamento bêbado profundamente inapropriado", escreveu antes de revelar que era gay.
No seu depoimento num tribunal de Nova Iorque esta semana, Kevin Spacey retirou aquele pedido de desculpas e fez mais uma confissão pessoal que não está relacionada com o caso. "Aprendi a lição: nunca peça desculpa por algo que não fez", disse. "Fui acusado de tentar mudar de assunto, tentar distrair ou confundir uma acusação com ser gay, o que nunca foi minha intenção", continuou e acrescentou que o seu pai era um "supremacista branco" e um "neo-nazi" que não gostava de homossexuais nem do seu interesse pelo teatro.
Esta não é a única batalha de Kevin Spacey por suspeitas de comportamentos sexuais inapropriados. Ainda nos Estados Unidos, o ator foi acusado de atentado ao pudor e agressão sexual depois de supostamente ter obrigado um jovem de 18 anos a beber bebidas alcoólicas, em 2016. Estas acusações foram retiradas em 2019 por a suposta vítima se ter recusado a testemunhar. No Reino Unido, o vencedor de dois Óscares enfrenta acusações por cinco crimes sexuais cometidos contra três homens entre 2005 e 2013. Este julgamento deve acontecer em junho do próximo ano.
Kevin Spacey declara-se inocente de todas as acusações, mas tornou-se persona non grata em Hollywood. Desde as primeiras declarações de Anthony Rapp que o ator foi banido de um dos maiores sucessos da Netflix, 'House of Cards', e foi substituído por Christopher Plummer no filme 'Todo dinheiro do mundo' depois que todas as cenas já estavam gravadas.
O ator de 63 anos não desapareceu completamente de cena. Desde o escândalo fez quatro filmes que ainda estão por estrear, interpretando três protagonistas: 'L'uomo che disegnò Dio', do ator e realizador Franco Nero, 'Gore', de Michael Hoffman, 'Peter Five Eight', de Michael Zaiko Hall, e 'Bilo jednom u Hrvatskoj', de Jakov Sedlar, sobre o primeiro presidente da Croácia.
O QUE ACONTECEU DEPOIS DO 'ME TOO'?
A investigação do 'New York Times' (que já valeu um filme, 'She Said', sem data de estreia em Portugal) resultou em acusações contra centenas de pessoas - 201 homens e três mulheres - entre 2017 e 2018. O jornal parou de atualizar a lista um ano depois da primeira reportagem. O 'Vox' contou 262 acusações até janeiro de 2019, com figuras de alto escalão de vários setores.
Harvey Weinstein
O nome que mudou tudo ao longo dos anos Me Too foi o do magnata Harvey Weinstein, que está a cumprir pena de 23 anos de prisão em Nova Iorque por violação sexual de duas mulheres. Mas o seu caso envolvia as acusações de mais de 80 mulheres por assédio sexual, agressão sexual, violação, entre outros crimes. O ex-produtor está mais uma vez a ser julgado por 11 outros casos que terão acontecido entre 2004 e 2013. Se for condenado, Harvey Weinstein arrisca-se a mais 140 anos de prisão. Ele nega todas as acusações.
Antes um dos homens mais poderosos de Hollywood, Harvey Weinstein perdeu toda a reputação ao longo das acusações das dezenas de mulheres. A mulher do ex-produtor, Georgina Chapman, anunciou a separação um mês depois do escândalo. A sua empresa, a Weinstein Company, afastou-o das funções para evitar uma crise... sem sucesso. A produtora abriu falência cinco meses depois das primeiras acusações contra o magnata. E ele foi expulso da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que atribui os Óscares.
Bill Cosby
As acusações de má conduta sexual de Bill Cosby começaram no início dos anos 2000, mas o Me Too deu impulso ao caso de mais de 50 mulheres, que falam em violação, agressão sexual, assédio sexual e abuso de menores desde a década de 1960. O ator de 85 anos, antes acarinhado pelo público, foi condenado e preso em 2018 por ter drogado e abusado da ex-jogadora de basquetebol Andrea Constand, em 2004. Mas no ano passado Bill Cosby saiu em liberdade depois de o processo ser anulado. Este ano, ele voltou a ser condenado por abuso sexual de uma menor na mansão da Playboy. O ator foi obrigado pelo júri a pagar meio milhão de dólares à vítima, Judy Huth.
R. Kelly
O cantor R. Kelly está numa prisão federal em Chicago desde junho depois de ter sido condenado a 30 anos de prisão por liderar uma rede de exploração sexual de mulheres e meninas. No mês passado, o cantor de 55 anos voltou a ser condenado, agora a pagar 300 mil dólares de indemnizações a duas de suas vítimas, pelos custos de terapia e tratamento de herpes. Aquele valor ainda pode aumentar.
QUEM FEZ BARULHO
Apesar da onda de acusações, o calor do momento Me Too foi desaparecendo aos poucos. Muitos dos nomes dos acusados na polémica mantiveram-se discretos durante alguns meses antes de retomarem as suas carreiras. É o caso de Asia Argento.
A ex-namorada de Anthony Bourdain foi uma das primeiras mulheres a denunciar Harvey Weinstein, tornando-se numa das mais fortes ativistas do Me Too. Um ano depois, era a própria estrela italiana quem era envolvida num escândalo de assédio de um menor. De acordo com o 'New York Times', Jimmy Bennett terá recebido 380 mil dólares num acordo em abril de 2018 para não dar início a um processo. O caso ficou por aí. Asia Argento foi afastada daquele movimento e voltou a atuar em nove filmes, de acordo com o IMDB.
Chris Brown
Desde que foi preso por agredir a ex-namorada Rihanna, Chris Brown enfrentou outros dois casos de agressão e foi acusado de violação sexual em 2019 e 2022, já na era Me Too. A primeira acusação não chegou ao tribunal por falta de provas e o segundo diz respeito a uma mulher que alega ter sido drogada e violada pelo cantor durante uma festa. O caso ainda vai ser julgado. Chris Brown nega as acusações e acredita num "padrão": quando ele está a lançar um novo trabalho, surgem acusações, diz ele.
Morgan Freeman
O ator foi acusado em 2018 de assédio sexual no ambiente de trabalho por oito mulheres. As acusações envolviam toques inapropriados e comentários sobre os corpos das mulheres. Morgan Freeman respondeu na altura que não era "certo equiparar incidentes horríveis de agressão sexual com elogios ou humor mal colocados". O ator participou de 15 projetos desde então, entre séries e filmes.
Cristiano Ronaldo
O craque português também entrou na lista do escândalo nos Estados Unidos ao ser acusado em 2018 pela professora norte-americana Kathryn Mayorga de violação sexual. O caso cruza-se com o Football Leaks e, por os documentos (incluindo um acordo de confidencialidade) não serem oficiais, um juiz decidiu o seu arquivamento em junho. Mas os advogados de Kathryn Mayorga querem recurso.
AS 'RELAÇÕES PÚBLICAS' QUE DERAM CERTO
Dustin Hoffman
Dustin Hoffman
A estrela de Hollywood foi acusada de assédio e agressão sexual por três mulheres e fez uma pausa na carreira entre novembro de 2017 e 2019. Mas desde então fez quatro filmes e deu voz a uma animação. Na altura, o ator disse que se sentia "terrível" pelas acusações. "Lamento, não reflete quem eu sou", afirmou.
James Franco
O ator foi acusado de assédio sexual no ambiente de trabalho e abuso de poder por cinco mulheres. Após as denúncias, James Franco continuou a agenda de trabalhos como protagonista da série 'The Deuce' e filmou outros quatros filmes que estão agora em pós-produção. Na altura, James Franco disse em entrevista Stephen Colbert: "Olha, na minha vida, orgulho-me de assumir responsabilidade pelo que faço... Se fiz algo errado, vou resolver. Tenho de fazer isso".
Louis C.K.
O humorista foi acusado em 2017 por cinco mulheres de comportamento impróprio, depois de ter se masturbado na frente delas. No dia seguinte, Louis C.K. fez um longo pedido de desculpas. "Deixei essas mulheres que me admiravam sentindo-se mal consigo mesmas e cautelosas com outros homens que nunca as colocariam nessa posição", admitiu. O ator foi castigado naquele ano com os números de bilheteira de um novo filme, mas continuou nos palcos internacionais e no ano passado recebeu um Grammy de melhor comédia.
Aziz Ansari
Outro humorista que adotou a mesma técnica. Depois de ser acusado de tentar forçar uma mulher a fazer sexo depois de ela ter dito "não", Aziz Ansari disse que ficou "surpreso e preocupado". "Levei as suas palavras de forma muito séria e respondi em privado depois de levar um tempo a processar o que ela disse." O ator pode ser visto numa série de sucesso da Netflix e num stand up comedy na mesma plataforma.