
Quando o restaurante O Frade abriu portas há dois anos, numa esquina da Calçada da Ajuda, em Lisboa, fronteira ao antigo picadeiro do Palácio de Belém, que já foi acanhado Museu Nacional de Coches, os seus proprietários foram "abençoados" pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um homem sempre atento às novidades.
Carlos Duarte Afonso, 35 anos, um dos donos deste bar restaurante, conta a sorrir que um dia, de surpresa, "apareceu-nos aqui à porta o Senhor Presidente, que nos disse que viu que tinha aberto um espaço novo, mesmo ao lado do seu palácio, teve curiosidade e veio visitar-nos e desejar-nos muita sorte".
E tiveram, apesar da malvada pandemia. O Chefe de Estado ainda não é cliente da casa, é um facto, o vírus atrapalha um pouco o seu regresso, mas os mentores do projeto não perderam a fé de o conquistar, sentando-o à mesa e enchendo-o de petiscos. Em especial porque Marcelo Rebelo de Sousa gosta de comer bem, e os primos Carlos Afonso e Sérgio Frade apostaram todas as fichas numa gastronomia tradicional portuguesa, com produtos frescos, de origem, de denominação e com uma pitada, ligeira, de inovação e sofisticação. "Um dia apareceu-nos aqui à porta o Senhor Presidente, que nos disse que viu que tinha aberto um espaço novo, mesmo ao lado do seu palácio (...)"
"Um dia apareceu-nos aqui à porta o Senhor Presidente, que nos disse que viu que tinha aberto um espaço novo, mesmo ao lado do seu palácio (...)"
Com uma raiz claramente alentejana, mas não só, onde se usa e abusa de cítrinos. E de coentros. E de cominhos, entre muitas outras ervas do campo… e agora de algas do mar, o chef Carlos Afonso prova, ao confecionar umas lapas frescas - apanhadas nessa manhã, bem cedo, na Costa Alentejana - que também poderemos ter uma dose de sabor dos Açores, em especial da ilha do Pico, no prato.
"Viajei por alguns destinos nacionais à procura de pratos diferentes e formas diversas de os confecionar. Estive no Pico e vi o carinho e o cuidado como tratam as lapas e o peixe e tentei trazer para O Frade essa forma de cozinhar, sempre com os cheiros e os sabores do mar", confessa o alentejano, que foi parar à cozinha porque em jovem tinha um défice de atenção, encontrou foco entre tachos e fogões e brilhou em restaurantes como o Azurmendi, no País Basco, ou o Ocean, no Vila Vita, em Armação de Pêra, Algarve. HERANÇA ALENTEJANA, SUBLIME E 100 MANEIRAS
Quando a FLASH! visitou a cozinha deste pequeno, mas acolhedor, restaurante - onde cada metro quadrado conta para acomodar com conforto os clientes, que foi buscar a pedra de lioz em memória dos balcões e mesas das ancestrais típicas tascas da capital -, só ficou por confirmar que as refeições são cozinhadas ao som de muito rock & roll, dando gás à frenética dança de tachos e panelas, que voam durante o mise en place (a preparação) dos pratos que poderão alimentar, em simultâneo, e para já, um máximo de 30 clientes.
Os donos nasceram e foram criados no Alentejo, onde em 1966 nasceu, em Beja, a tasca de O Frade original, mas a agilidade com que o chef Carlos passa os ingredientes cozinhados ao Sub chef Daniel Ferreira, de 32 anos, que tem na pele "a escola" dos exigentes espaços de restauração do Sublime Comporta Country House Retreat e guarda nos ouvidos a memória dos gritos do chef Ljubomir no Bistrô 100 Maneiras, em Lisboa, mostra que as tradicionais anedotas, sobre a parca velocidade dos alentejanos, precisam de uma urgente revisão.
Ao balcão, Daniel recebe os ingredientes base acabados de confecionar e faz as combinações, em pratos que finaliza com uma explosão de cores… e sabores, com molhos frescos feitos na casa, toques cítricos, ervas de sabores intensos ou algas do mar, uma tendência que introduziram. Por norma, os responsáveis máximos pela cozinha de O Frade invertem papéis e alternam entre a ciência dos fogões e o toque final de magia ao balcão, num compasso de dança de jalecas.
CADA UM MELHOR DO QUE O OUTRO E depois é sempre a aviar, com pratos a variar ao sabor das estações: o malandrinho Arroz de Pato sai como pãezinhos mas rivaliza com o Arroz de Cogumelos ou o Arroz à Caçador, com molhinhos onde só apetece mergulhar o pão, também ele 100% alentejano. O Xerém de berbigão com carne de porco frita, então, é um consolo para o estômago.
A Feijoada de Polvo de O Frade é especial e única. Na infância, os donos do restaurante viam-nos ser caçados nas agitadas águas da costa alentejana, mas os segredos no tacho foram as avós de Afonso e Sérgio que passaram às mães destes. E estas aos filhos restaurateurs, agora na capital. Ah, e quando é a época delas, não faltam as famosas túberas, ou batatas ‘atubaras’, um produto genuíno alentejano, que os maestros desta cozinha gostam de acompanhar com ovos. Uma delícia.
A lista de comida nunca mais acaba, mas o olhar dos petisqueiros, que se sentem ao balcão interior em forma de U - a alternar entre entradas de ostras ou carnes maturadas do conceituado talho/restaurante galego Bodega El Capricho -, não descola da pequena mas vibrante garrafeira.
E AQUELA GARRAFEIRA FANTÁSTICA Os vinhos estão expostos em prateleiras até ao tecto. Os preços estão marcados à mão com caneta branca de acetato. Mas o que chama à atenção é a variedade de néctares de Baco, quase uma volta a Portugal em vinhos ou uma Adega dos Pequenitos. Não apenas de regiões, mas de produtores, alguns descaradamente de nicho.
Thales Carvalho tem 29 anos, é o sommelier que veio do outro lado do Atlântico, mas está rendido à pinga lusitana. N’ O Frade é ele quem sugere aos clientes, de uma faixa etária que vai essencialmente dos 20 aos 50 anos, embora haja surpresas para cima, quais serão as melhores harmonizações.
O "vinho da casa" vem da Vidigueira e é, como os próprios descrevem nas suas redes sociais, "um vinho com pegada histórica, seguindo a tradição romana, elaborado em ânforas de barro". Ora aí está, um vinho da talha, ecológico, feito à moda ancestral. Uma moda europeia que terá vindo para ficar?
N’O Frade o tinto chama-se Peculiar Mangancha DOC, reside cinco meses na talha e tem 16% de volume alcoólico (também se vende ao copo para condutores responsáveis). E o branco é rotulado com o nome ACV, sendo que o ‘A’ é de Alice, em homenagem à avó Frade.