
Entre as 18h08 e as 18h11, um enorme estrondo foi ouvido no coração da cidade de Lisboa, sem que fosse imediatamente identificado. Alguns acharam que poderia ter tratar-se de uma explosão, outros ficaram simplesmente alerta, mas para aqueles que se encontravam nas imediações, na Calçada da Glória, o cenário de horror que se desenrolou diante dos olhos deu imediatamente a dimensão da tragédia.
As circunstâncias exatas do acidente que provocou o descarrilamento do Elevador da Glória, com 140 anos de História, ainda estão a ser apuradas, com várias investigações a terem sido abertas de imediato, mas até agora as informações conhecidas dão conta de que o cabo que sustentava o elevador se terá quebrado, com o ascensor, que subia dos Restauradores para o Jardim de São Pedro de Alcântara, a ter recuado e a seguir desenfredado até à curva onde acabaria por embater num edifício, um hotel, pouco antes de uma cadeia de fast food.
Ao estrondo e à enorme nuvem de poeira que se formou, a sensação de caos e tragédia foi imperial. Locais dão conta de turistas a correrem em todas as direções, do desnorte no rosto das pessoas, e dos muitos que se acercaram dos destroços do elevador na tentativa de salvar vidas. Dos gritos e choro que se misturavam com o silêncio sepulcral daqueles para quem já nada havia a fazer. "Percebi que nenhuma das vítimas pedia ajuda. Não se ouvia nada”, contou ao 'Expresso' Farid Shovro, de 32 anos, que foi um dos primeiros a chegar ao local. Mais tarde, deparou-se com um bebé num choro convulsivo, num cenário de horror que jamais conseguirá esquecer. “De repente, um bebé começou a chorar. O meu amigo pegou nele. Naquele momento, pensámos que aquela criança provavelmente estava órfã. Até agora, não sabemos se estava ou não”.
Na manhã desta quinta-feira, dia 4 de setembro, o balanço era ainda mais trágico do que aquele que havia sido feito ao final da noite, quando muitos não conseguiam desligar dos principais canais noticiosos, a acompanhar a dor de uma das maiores tragédias na cidade de Lisboa, que ficará gravada na sua história. De acordo com as últimas informações oficiais fornecidas, 16 pessoas perderam a vida, sendo que duas faleceram durante a noite, já no hospital: as contas assinalam que entre os que morreram na Tragédia da Glória, há oito mulheres, sete homens, e duas vítimas por identificar.
A primeira vítima mortal já identificada é André Jorge Gonçalves Marques, o guarda-freio da Carris, que tinha 40 anos e deixa dois filhos. Fazia há anos aquele percurso, estava confortável com o trajeto e, na hora do adeus, é descrito por muitos como alguém afável, sempre pronto para brindar os turistas com um sorriso. A segunda será um homem de nacionalidade alemã, pai de uma criança de 3 anos, que protagonizou um dos momentos mais dolorosos da tragédia. Entre o pânico generalizado, o choro desta criança não passou despercebido a um dos primeiros polícias a chegar ao local. Conta-se que este homem, de 45 anos, não largaria mais a criança, cujo pai não resistiria aos ferimentos, sendo que a mãe, grávida, se encontra hospitalizada.
Soube-se, entretanto, que quatro das vítimas mortais eram funcionários da Santa Casa da Misericórdia. Há ainda três feridos e desaparecidos entre elementos da instituição. Ao todo, encontravam-se 38 pessoas de várias nacionalidades, entre portugueses, alemães, espanhóis, um sul-coreano, cabo-verdiano, canadiano, italiano, francês, suíço e marroquino. Os feridos foram transportados para cinco diferentes hospitais da Grande Lisboa, sendo que é no Hospital de São José que se encontram os mais graves, cinco. Os feridos têm entre os 24 e os 65 anos.
Depois da tragédia, o Governo decretou um dia de Luto Nacional e o presidente da Câmara de Lisboa três. Na sequência, foi também suspensa a circulação dos elevadores da Bica, da Lavra e da Graça, enquanto se apura o que terá acontecido para o cabo se ter quebrado, sendo que já muitos apontam o dedo à frágil manutenção do Elevador da Glória.
Ao 'Observador', Manuel Leal, dirigente sindical da Fectrans e do STRUP, garantia que funcionários da Carris já haviam reportado à empresa a “falta de tensão do cabo de sustentação do elevador”, o que provocaria “dificuldade no próprio sistema de travagem”. No entanto, o presidente da empresa de transportes, Pedro Bogas, assegurava, ao final da noite de quarta-feira, dia 2, que o protocolo de manutenção deste elevador tinha sido “escrupulosamente cumprido”.
Sabe-se também que desde domingo que houve uma alteração nos contratos de manutenção dos elevadores de Lisboa, uma vez que o contrato que a Carris tinha com a Main (MNTC), iniciado em 2022, havia terminado e o concurso, que tinha sido lançado em abril, foi cancelado no passado mês de agosto. A polémica está a ser investigada, mas a Carris assegura que não houve "qualquer interrupção no serviço de manutenção a estes equipamentos".
Muito terá de ser agora apurado para verificar o que provocou a tragédia e durante a manhã desta quinta-feira, o perímetro de segurança na zona do acidente ainda se mantinha, com todas as informações a serem recolhidas para apurar as causas e o que falhou para que uma tragédia desta dimensão tivesse ocorrido.
Lisboa acordou com uma sensação de vazio e horror que tão cedo não se irá dissipar, mas que levanta questões prementes que exigem respostas