
Para quem ainda se recorda de Axl Rose como um "príncipe rebelde", de cabelos compridos loiros, calções justos e curtos, lenço na cabeça estilo ‘Karaté Kid’, porte atlético e abdominais definidos, que às vezes subia ao palco em tronco nu ou de camisa aberta para fazer suspirar qualquer uma, esqueçam! Esse ícone sexual do rock dos anos 80/90 já não existe. Tem hoje 60 anos (feitos no passado dia 6 de Fevereiro) e se é verdade que, de vez em quando, o tempo até sabe ser generoso com alguns, o facto é que não o foi com Axl Rose. A saúde, física e mental, pregou-lhe algumas rasteiras, fruto de anos de excessos é certo, mas não só. O cantor sofre de várias doenças do foro respiratório, ao que consta como resultado de anos de ar condicionado de hotéis e aviões, mas sofre também de psicose maníaco depressiva, o que o leva a ter oscilações de humor e atos de agressividade.
No início dos anos 90, em sessões de terapia regressiva, Axl Rose já havia descoberto que tinha sido abusado sexualmente pelo pai biológico e pelo padrasto, e que isso afinal lhe tinha moldado a vida. As drogas também estiveram sempre presentes, mas quando os Guns N’ Roses atingiriam o seu auge, Axl começou a moderar o seu consumo, se bem que nunca as tenha postos de lado por completo. "Não me abstenho de usar drogas, mas não me vou permitir ter um hábito de merda", chegou a dizer. Hoje, também o seu timbre já não é o mesmo. Por ter usado e abusado da voz "rasgada" (uma técnica conhecida por ‘drive’), que se tornou a sua imagem de marca, Axl acabou por adquirir nódulos na garganta que teve de remover através de cirurgia. Esse facto acabou por lhe reduzir a extensão vocal e alterar-lhe a voz que hoje é mais limpa e menos grave (os anti-Axl aproveitaram-se logo do facto para compararem o seu timbre ao do Mickey Mouse).
Não se pense, contudo, que os Guns N’ Roses se resumem apenas a um sexagenário que já teve melhores dias. Sabendo que não havia como evitar que os anos passassem por si, Axl soube, na última década, e depois de alguns tropeções, voltar a tornar-se relevante para o mundo da música. Depois de se ter zangado com os velhos companheiros em 1994 (o grupo passou por um hiato e por várias formações), conseguiu, por exemplo, em 2016, fazer as pazes com o passado, nomeadamente com o baixista Duff MacKagan e com o guitarrista Slash (aí está outro bom motivo para ver os Gun N’ Roses ao vivo).
Axl voltou à estrada com a formação clássica do grupo e conseguiu logo em 2018, com o espetáculo ‘Not In This Lifeitme... Tour’, a segunda digressão mais rentável do ano faturando qualquer coisa como 520 milhões de euros (só perdeu para a digressão ‘360º’ dos U2). Também ganhou pontos na sua recuperação de ‘rock star’ quando aceitou substituir o vocalista Brian Johnson (por problemas auditivos teve de se afastar dos palcos) na digressão ‘Rock or Bust World Tour’ dos AC/DC (passou por Lisboa em 2016).
A sua performance surpreendeu mesmo os mais céticos e voltou a dar-lhe um novo élan. E depois há quem teorize que Axl Rose conseguiu recuperar parte da sua imagem interventiva quando se colocou, desde o início, contra a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, tendo desde então sido um dos seus grandes críticos. Chegou a chamá-lo de "fake new", "repulsivo" e "doentio".
Finalmente e para quem acredita que o rock não morreu (nem nunca morrerá) e que as grandes canções são intemporais, os Guns N’ Roses continuam donos e senhores de algumas dos mais importantes "malhas" (era assim que se dizia nos anos 80 e 90) da história do rock. ‘Paradise City’, ‘Welcome to The Jungle’, ‘November Rain’, ‘Patience’, ‘Sweet Child O’Mine’, ‘Don’t Cry’, ‘You Could Be Mine’, ‘Civil War’ ou mesmo a versão de ‘Knockin On Heavens Door’ (provavelmente até mais popular do que o original escrito por Bob Dylan, em 1973) são apenas algumas delas. Ora, as canções têm de ser sempre o primeiro grande motivo de peso, se não houver outro, para ver Guns N’ Roses ao vivo. O grupo continua a representar aquilo que de mais genuíno e conservador (no bom sentido) existe no rock, símbolo ainda vivo de uma outra era da indústria da música. E que mal há quando a tradição continua a ser o que era?
O QUE MUDOU NA VIDA DE AXL
Nascido William Bruce Rose Jr, em Lafayette (Indiana, EUA), a 6 de fevereiro de 1962, fruto de uma gravidez não planeada entre Sharon E.Lintner e William Bruce, Axl Rose é hoje o resultado daquilo que foi a sua infância e juventude no seio de uma família disfuncional. Foi abusado sexualmente até aos dois anos pelo pai biológico, um delinquente de descendência irlandesa que acabaria por abandonar a família (foi assassinado uns anos mais tarde em Illinois) e cresceu com o padrasto Stephen L.Bailey convencido de que era o seu pai verdadeiro (só aos 17 anos soube da verdade). Deste também sofreu abusos sexuais. Na sua terra natal, Axl foi detido mais de vinte vezes por atos de delinquência, tendo chegado a cumprir três meses de prisão. Com o cadastro manchado e marcado pelas autoridades locais, acabaria por mudar-se para Los Angeles em 1982.
Foi na música que Axl cedo encontrou o seu escape. Começou a cantar num coro de igreja aos cinco anos e estudou piano ainda na infância. Mais tarde formou a sua primeira banda com os amigos, os Hollywood Rose, a que se seguiram os LA Guns e finalmente aos Guns n’ Roses. O grupo contava então com Slash e Izzy Stradlin nas guitarras, Duff McKagan no baixo e Steven Adler na bateria.
Do disco de estreia ‘Appetiti For Destruction’ sobressaía o single ‘Sweet Child O’Mine’, escrita por Axl à namorada de então, Erin Everly (filha de Don Everly, dos Everly Brothers). Começava aí a carreira de uma banda que viria a ser tão controversa e atribulada quanto a vida do seu vocalista. Muitas das canções ainda hoje dão que falar, como ‘One In A Million’ que levou a banda a ser acusada de xenofobia, homofobia e racismo por causa da letra muito pouco simpática para com polícias, negros, gays e estrangeiros ou ‘Get In The Ring’ onde o grupo criticava a imprensa que falava mal de si, citando mesmo nomes de jornalistas ‘non gratos’.
Entre os temas malditos que fazem parte da história da banda contam-se ainda, por exemplo, ‘Rocket Queen’ (nele ouvem-se gemidos captados durante um ato sexual, em pleno estúdio, entre Axl Rose e a stripper Adriana Smith), ‘It’s So Easy’ no qual Axl canta "vi a tua irmã de vestido, ela está aí para agradar, ela faz o melhor beicinho, está aí para ser possuída, nem é precisa tentar, ela está pronta, é tão fácil" ou ‘I Used To Love Her’ com esse verso polémico (e que por pouco dava investigação): "eu costumava amá-la, mas tive que matá-la". McKegan chegou a justificar que estas duas músicas eram precisamente uma crítica a atos sexistas e machistas, mas a banda nunca se livrou de ficar com a fama.
Incorrigível, intratável, bipolar, provocador, chauvinista, tóxico, narcisista, drogado, louco, de tudo um pouco Axl Rose já foi chamado. Os episódios e as histórias perseguem-no, da vida pessoal à vida profissional.
Na véspera do seu primeiro casamento com Erin Everly, a 28 de Abril de 1990, em Las Vegas, Axl foi até casa da namorada com uma arma e disse que se matava ali mesmo se ele não se casasse consigo. A relação, no entanto, não iria durar muito (pelo meio houve uma gravidez que acabou em aborto e que terá afetado psicologicamente Axl) e um ano depois o cantor dava novo nó então com a modelo Stephanie Seymour (é ela que aparece no videoclip de ‘November Rain’). Os dois casamentos, no entanto, viriam a sair-lhe caros. Acusado de violência doméstica e abusos sexuais pelas suas ex-mulheres, Axl teve de desembolsar uns largos milhares de indemnizações para resolver os processos fora dos tribunais.
Entre os episódios insólitos da vida de Axl Rose, contam-se o dia em que foi preso em Estocolmo por morder a canela de um segurança de hotel ou a noite em St.Louis, durante a digressão de ‘Use Your Illusion’, quando parou de cantar e saltou para o público para agredir um fã que estava a tirar fotos (o concerto acabou em tumulto). Chegou até a fazer uma cena de ciúmes a David Bowie, com direito a troca de "galhardetes" e tudo, quando, um certo dia, apanhou o cantor à conversa com Erin Everly. Para a historia fica também o dia em que Axl foi devolvido à vida por três médicos depois de ter estado meio-morto por causa de uma overdose (a música ‘Coma’ é uma homenagem a esses médicos).E para finalizar, fica esse episódio mítico na estreia dos Guns N’ Roses em Portugal, a 2 de Julho de 1992, no Estádio de Alvalade, quando Axl caiu em palco depois de escorregar numa garrafa, fez birra e abandonou o concerto. Regressaria pouco depois, para voltar a sair, não sem antes insultar o público português por, entretanto, ter acendido os isqueiros (sim, não havia telemóveis) no tema ‘Civil War’. Mas isso já foi há 30 anos e é tempo de atirar as mágoas para trás das costas e curtir rock à moda antiga!