
A vida é isto,
pensava André, enquanto ouvia a mulher da sua vida
("a mulher de todas as minhas vidas; tenho a certeza de que se nascesse mais dez vezes mais dez vezes iria tê-la como a pessoa que me falta, a pessoa que me faz mais eu, mais pessoa")
dizer-lhe que não, que não dava mais, que não podia dar mais, que estava tudo feito e desfeito entre eles.
Fazer amor é o céu; desfazer amor é o inferno.
Mas, mas, mas,
dizia André, tentava dizer André, perante a inflexibilidade dela que só o vergava ainda mais, cada vez mais
("que vai ser de mim sem ti para me dizeres o que sou? O que vai ser de mim sem ti para me mostrares que estou a ir longe demais ou que estou a ir longe de menos? O que vai ser de mim sem as tuas palavras quando me dói, sem as tuas palavras quando não me dói? O que vai ser de mim sem ti para festejares comigo, sem ti para chorares comigo? O que vai ser de mim?"),
e cada palavra dele era cada silêncio dela, tão decidida estava em terminar com aquilo que começou também assim, com a inflexibilidade dela
("amo-te e quero que sejas o meu homem")
e com a facilidade dele em vergar
("e vou ser o teu homem, e só quero ser o teu homem").
Os apaixonados são o céu; os desapaixonados são o inferno.
Temos de decidir o que fazer com o que sobra de nós,
indagava ela, e com isso queria falar de dinheiros, de casas, de carros, até de animais domésticos, enquanto ele ao ouvir o que ouviu só pensava que o que sobrava deles era outra coisa, que o sobrava deles era outra coisa que não coisas propriamente ditas
("o que sobra de mim quando não te tenho é uma espécie de lixo, é uma espécie de nada, é uma espécie de vazio, um espaço que nunca conseguirei preencher, é certo que irei ter quem tente ocupar o espaço, quem me beije e me ame o corpo e a vida, mas esse espaço que é teu nunca será preenchido, porque é um espaço inventado por ti e ao qual só tu acedes, depois de ficar com o teu espaço vazio tudo o que sobra de mim é isso, só isso, um imenso espaço ocupado de nada"),
soubesse ela do que ele falava e talvez pudessem unir os vazios para criar uma ocupação qualquer.
O momento em que o amor acontece ocupa-nos por inteiro; e é por isso mesmo que o instante em que o amor deixa de acontecer nos desocupa por inteiro.
Amar é por isso o céu; e amar é por isso o inferno — venha daí quem saiba decidir qual é o quê na hora certa.
Rebeldia: s.f.: Acto de coragem com substância; um rebelde sem causa não é rebelde nenhum — é só um idiota.