
Volto a respirar se me deres a máscara do Homem-Aranha,
a criança no meio da festa,
ó senhor de Matosinhos, ó senhora da Boa Hora,
e parece que não respira, está no meio do chão, como se não pudesse respirar,
a mãe com as mãos no coração, o pai com as mãos na cabeça,
respira, filho, respira,
e a criança alguns segundos de nada, de vazio,
acorda, filho,
acorda, filho,
e de repente as palavras mágicas, os olhos abertos,
volto a respirar se me deres a máscara do Homem-Aranha,
o alívio da mãe,
ai, meu amor, que me matas do coração,
o alívio do pai,
ai, meu desgraçado, que acabas comigo,
e a pergunta do menino continua viva,
dão-me a máscara do Homem-Aranha ou não?,
e ao pai apetece rir mas não ri,
não voltes a fazer-nos isso, ouviste bem?,
e à mãe apetece chorar e depois rir mas não chora nem depois ri,
que seja a última vez, Luís Gustavo, que seja a última vez,
a criança não percebe,
só quis passar uma mensagem, fazer passar um ponto de vista,
dás-me ou não a máscara do Homem-Aranha?,
o pai corre-o com a ameaça de uma palmada,
a mãe dá um berro,
não, que é para aprenderes,
e quando regressam a casa não há máscara nenhuma nem festa nenhuma,
é a máscara mais espectacular de sempre, não é, pai?,
é a máscara mais espectacular de sempre, não é, mãe?,
passaram uns dias e finalmente a máscara,
volto a respirar se me deres um beijo,
disse-me ele agora,
e é claro que vou dizer que não,
vai-me apetecer rir e depois chorar,
ou chorar e depois rir,
não vou fazer nada disso,
vou continuar séria,
sou uma rapariga séria, ora essa,
e dizer-lhe que não, era o que faltava agora, um beijo assim, sem mais nem menos,
e talvez amanhã,
ou no máximo depois de amanhã,
sim,
o beijo,
sim,
só não garanto que depois do beijo que te vou dar a tua respiração volte,
e muito menos a minha,
lamento.
Razão: s.f.: Aquilo que, por mais que os intelectuais o procurem pateticamente mascarar, não é, nunca é, a nossa razão de viver.