
Eu sou do tempo em que Cuba se descobria através da escrita de quem lá vivia. Sim, vivia. Leonardo Padura, Cabrera Infante (com todas as suas idas e regressos), Pedro Juan Gutiérrez…
A Cuba dos que optaram por não apanhar um bote e rumar a Miami, preferindo passar os seus manuscritos e tornarem-se conhecidos além-fronteiras, na velha Europa, deslumbrada com a riqueza sensual do mais rebelde entre os trópicos, sempre foi especial.
Em tempos conversei com alguns deles. Gutiérrez, de passagem por Lisboa para promovera sua 'Trilogia Suja de Havana' ou 'Animal Tropical' – já não me recordo qual deles pois li todos – explicou-me, no seu despojamento meio-real-meio-estudado para agradar à intelectualidade europeia deslumbrada pela simplicidade sensual do Caribe, as razões do seu retorno.
Ou melhor, nunca abandono. Explicava o escritor que em Paris, onde era tratado como um príncipe (e não um animal movido a instintos), ou em Madrid, não conseguia nunca sentir-se enquadrado, em casa. Do que sentia falta? Quis saber. "Do cheiro da pele", respondeu.
Dando o devido desconto ao discurso "para gringo", acho que percebi o que dizia. Aliás, basta ler os seus muitos escritos sobre a podridão viciante de Havana para chegar lá.
Em Havana, Gutiérrez e seus pares (escritores, médicos, calceteiros, empregados de um qualquer hotel, adivinhadores que leem o destino na palma das mãos, prostitutas, cantoras, professoras… todos…) podem não ter o que comer. Podem dividir um porco, galinha, chupar cana que tem açúcar e alimenta. Podem dividir cubículos com outras famílias filhas e fruto da Revolução, mas têm algo que no mundo "civilizado", elitizado, colonizador, não se sente: vida. Pode até ser uma vida difícil, dura, injusta, suada, feita de nada. Mas vida.
Afinal, não foi por acaso que os europeus chegaram, viram e ficaram. E foram ficando… e não quiseram sair. O feitiço dos trópicos. Cuba voltou a ser falada nos últimos tempos. "Abertura", gritou-se mundo fora. "O fim de uma era", das balsas que naufragavam tentando chegar à terra prometida. Multiplicaram-se as visitas, a do Papa Francisco e Obama entre as mais aplaudidas e emblemáticas.
Esta semana foi a vez da Chanel de Karl Lagerfeld tomar conta do Malecón e fazer com que as criações ‘girly’ da conceituada marca se tornassem mais sexy do que nunca. Havana foi invadida por estrelas. Mas nenhuma brilhou tanto como a própria cidade.
Faço figas para que o "cheiro a pele" nunca desapareça dali e a cidade caribeña não se transforme numa qualquer Santo Domingo. Deixaria de ser 'sabrosa' e 'caliente'. Perderia a alma, afinal, a razão que nos faz continuar a acreditar que estamos vivos e que isso é maravilhoso.