
Nunca tive filhos. Se calhar por egoísmo. Porque não queria sofrer. Troquei as alegrias de ensinar o mundo pelo escudo de não assistir ao que jamais estaria pronta para ver. Nunca dei a desculpa de que o planeta não está "para pôr crianças aqui". Isso eu já sei. Que está tudo lixado. E é já na minha (nossa) geração. Não na deles. As minhas desculpas foram pessoais, se calhar cobardes, mas minhas. Por isso nunca saberei o que é passar pela perda de quem deveria ir embora depois de nós. Só imagino. E isso, ouvir relatos, presenciar... já é suficientemente terrível.
Conheci mal a Sara. Quase nada. Meia dúzia de palavras trocadas nos bastidores de um espetáculo do pai ,Tony. Foi pouco antes dela subir ao palco pela primeira vez e começar a crescer como cantora, por ela própria. A memória que guardo dela é de uma menina de uma doçura rara. Agarrada aos avós, inventando brincadeiras com eles, fazendo-os rir. Depois colada aos irmãos que a mimavam como uma bebé grande e linda, e sempre ao lado da mãe, companheira, amiga, confidente, "mana" mais velha. A Sara era daquelas meninas a quem só apetecia dar beijinhos e miminhos e contar histórias de encantar. Porque, de facto, ela era uma princesinha.
A Sara cresceu e continuou igual. Angelical. Era vê-la nos clips, nas stories do Instagram onde era quase uma exceção entre a loucura das miúdas da sua idade. A Sara era como a sua voz: limpa.
De forma que, quando soube o que aconteceu, na noite de sábado, quando as informações foram chegando, a conta-gotas, o frio que sentia na pele naquela noite fria – fria em casa, gelada lá fora – teimava em não passar. Aumentava. Não conseguia acreditar que fosse verdade. O que poderiam estar a sentir aqueles pais, sem saberem da filha, sem ela atender o telefone.
Dizem que Deus leva primeiro os que mais ama. Eu diria antes: aqueles que são belos demais para este mundo. E a Sara já era um anjo, não uma menina. À Fernanda, ao Tony, aos avós, ao Mickael e ao David, um abraço apertado. Ela está em paz.