
"Agora és tu", escreveu-me ela. "Tu planeias, marcas e decides. I’ts you call." E depois saiu do whatsapp. Não posso ver a última vez que esteve on-line porque configurei o meu para ninguém saber de minha vida. Na verdade, não foi bem por causa disso, foi assim que percebi que algo de muito errado se passava na minha vida quando reparei que a Cláudia falava com outras pessoas de madrugada quando vivíamos juntos.
Estive quatro meses na dúvida. Ela andava fria e distante, o sexo entre nós era cada vez mais raro e desinteressante. A mulher divertida, dedicada e fogosa que eu conhecera quatro anos antes desaparecera. A rotina tinha minado tudo. Nunca fui o tipo mais extrovertido do mundo, não me tornei amigo dos amigos dela, achava-os vazio e fúteis e não fiz nenhum esforço em relação às amigas. A Cláudia gostava de ir a festivais de verão e eu gosto de comprar temporadas na Gulbenkian. Para mim um fim de semana perfeito inclui passeio a pé, exposições e feiras de velharias, para ela bastava uma jantarada num restaurante da moda desde que metesse champanhe e muitos amigos.
Quando olho para trás, nem sei ao certo que me juntou a ela quase cinco anos da minha vida. Só sei que desde que estou só, sinto uma nova paz da qual não quero abdicar. Fechei o coração e um dia, num casamento em Sintra, apareceu a Maria, caída do céu, 50 quilos de gente, um pescoço comprido e um sorriso enorme, tão atraente e adorável, e de repente senti o coração a abrir-se outra vez.
Nunca vou esquecer o momento em que a vi, tão elegante e leve, de calças estampadas e camisa de seda branca e três fios de prata ao pescoço, um com um coração, outro com pequenos brilhantes e o terceiro com uma libelinha. Nesse fim de semana mágico explicou-me o significado de todos, mas já não me lembro, ela falava debruçada sobre mim e eu só conseguia imaginá-la a voar nos meus braços.
O seu dom de adivinhar o mundo e os outros manifestou-se assim que começámos a conversar e vi nela uma fada, com o seu andar flutuante e a pele muito clara, o riso cristalino e a voz de menina. Apesar de saber que era mais velha do que eu, nunca quis saber a sua idade. Para quê? Quando uma mulher é bela e conserva a sua beleza, a idade deixa de se ver e de se sentir, é só sabedoria.
Sintra é a cidade mais romântica do mundo, desde os passeios de charrete às queijadas, pela serra escondem-se os mais belos palácios, hotéis de luxo e casas senhoriais abertas a hóspedes. O Palácio da Pena é o sonho de todas as princesas e lá fomos passear no dia seguinte de mão dada, como se fossemos namorados. E fomos mesmo durante três dias, mas depois voltei ao sossego, ao silêncio do apartamento vazio, à minha vida como a tinha programado.
A Maria ficou comigo duas vezes, mas depois fechei-me, sem saber bem porquê. Os homens não têm a mesma capacidade das mulheres para aguentar um desgosto de amor. Elas renascem das cinzas, nós ficamos partidos para sempre. A Maria não desarmou: foi sempre enviando mensagens, links interessantes de temas que temos em comum, posts divertidos. Era a sua forma de me dizer: "estou interessada, isto pode valer a pena, não desistas".
Ao fim de alguns meses cansou-se. Era inevitável. Quando o final do ano se aproxima toda a gente faz balanços, o nosso não era positivo: uma entrada de leão com um fim de semana de sonho, passeios de mãos dadas e presentes comprados na Feira de Colares seguido de vários meses comigo escondido na toca. Quando voltei a procurá-la, senti-a distante e cansada. "Um coração partido é como um bule de chá rachado, se o encheres, esvazia sozinho, é incapaz de guardar o que seja lá dentro", escreveu-me. Fiquei sem resposta. E agora não sabia o que fazer. Pensei em marcar um quarto em Seteais para a passagem de ano, mas já era tarde. Estava tudo cheio. Queria tanto surpreende-la e dar-lhe o mundo, mas tenho medo de falhar. E é sempre o medo de falhar nos homens que os faz falhar com as mulheres.