
Sim, eu só namoro e então?
Se calhar estou a ser antiquada, ando de barco a remos em vez de uma embarcação de corrida. Cruzo as águas devagar, respeito o ciclo das marés, não corro contra o tempo, não tenho pressa para nada.
O meu bote é de madeira, nele só cabem duas pessoas. Posso remar sozinha, ou em sintonia com o meu par. Sei que estou a remar contra a maré, e então? Posso içar velas se for preciso. Posso lançar foguetes de presença se me perder, se ficar sem bússola, ou mesmo que a tenha, se horizonte for tão vasto e indecifrável que me deixe sem norte. Posso fundear-me onde a minha alma quiser, dormir ao relento e pedir às estrelas e planetas que me guiem até um porto seguro, tenho as minhas defesas, os meus truques, os meus recursos.
Não tenho medo de fazer travessias em solidão, há muito que abracei o silêncio, o meu barco é arrumado e tranquilo, não tem fissuras no casco, o meu barco sou eu e eu só namoro.
Eu só namoro porque não sei ser feliz de outra forma. Não sei, nem quero aprender. Gosto de conversar, de ver séries em casa debaixo de uma manta, de ir acarinhando o serão com uma lareira aconchegante e aconchegada, de saborear um chá de limão com mel antes de dormir. Gosto de ir ao supermercado comprar os iogurtes que o meu amor mais gosta. Gregos, se for o caso. E o sumo de cenoura que ele usa para misturar com aveia e outras frutas no liqueficador. Gosto de o ver na cozinha, na sala, na cama. Gosto de o ouvir a chegar a casa todas as noites. Os sons mais belos da vida são o riso dos nossos filhos e a chave a rodar na porta ao final do dia. Ou a respiração silenciosa que embala o sono dos justos até à manhã seguinte.
Eu só namoro e então? Se não houver romance, paixão, entrega, envolvimento e compromisso, ninguém constrói nada. E eu quero uma vida construída, sólida, adulta, crescida. Eu quero uma casa que seja um lar, um homem que seja meu, quero fins de semana a dois e férias em família. Eu quero uma vida. Não quero migalhas, intervalos, distrações, não quero incertezas, dúvidas, imprecisões. Quero escolhas, ação e decisão. Quero alguém que saiba onde joga, que aguente os 90 minutos, que vista a camisola. Eu quero um capitão de equipa para a minha vida e para o meu coração. Não pode ser uma pessoa qualquer. Não me basta que seja interessante, bem parecido, inteligente, civilizado, que acerte no corte do fato e na qualidade dos sapatos. Preciso que também acerte nos abraços. Que me oiça e me acolha. Que me agarre quando tropeço. Que ponha sempre o coração em cima da mesa. Sempre.
Eu só namoro e então? O que pode haver de errado nisso? Cresci a ver os meus pais num namoro permanente. Vivi rodeado de casais estáveis que nunca deixaram de andar de mão dada na rua e na vida. Esta é a minha realidade. Ela existe. É construída em bases sólidas. Não quero mais nenhuma.
Quero um amor que seja uma casa e uma casa cheia de amor. Quero este amor e não outro. Um lugar de paz e de riso, de prazer e de conforto, de confiança e de segurança. Quero lançar-me das alturas com pára-quedas. Quero voar no trapézio com rede. Quero subir a montanha sem ser apanhada por uma avalanche. Quero aquele abraço do final do dia e aquele sorriso que eu sei que foi inventado só para mim. Quero enviar músicas a meio do dia pelo whatsapp só porque sim. Quero nunca desligar o fio daqueles que amo.
As pessoas deviam parar para pensar porque é tão bom namorar. E voltar aos treinos. Recuperar os rituais, os pequenos gestos de grande significado: comprar uma flor, um cartão, um caderninho, um livro, um disco.
Namorar nunca foi tão preciso. Precisamos de namorar para salvar o mundo.
Pensem nisso.