
Volodymyr Zelensky tornou-se no herói e no símbolo da resistência ucraniana na luta pela autodeterminação e pela liberdade. Ganhou o estatuto quando a 24 de fevereiro decidiu permanecer em Kiev, recusando abandonar o país – como lhe foi oferecido pelos Estados Unidos da América – quando os primeiros militares russos invadiram a Ucrânia.
"[Quero ser recordado] como um ser humano que amou plenamente a vida, que amava a sua família e a sua pátria. Definitivamente não como um herói"
Mas Zelensky recusa o epíteto. Em entrevista à CNN Internacional, o presidente da Ucrânia disse que quer ser recordado "como um ser humano que amou plenamente a vida, que amava a sua família e a sua pátria. Definitivamente não como um herói". "Quero que as pessoas me aceitem como sou, um tipo normal", afirmou.
Mas Zelensky não é "um tipo normal". Como diria o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, Zelensky "é o homem e as suas circunstâncias". Há 57 dias que o presidente ucraniano enverga uniforme militar, um sinal claro que está pronto para travar todas as batalhas em nome da liberdade e da democracia. Há 57 dias que Volodymyr Zelensky apela ao mundo por ajuda para travar as forças invasoras. Entre as intervenções diárias, onde denuncia as atrocidades que têm sido cometidas em território ucraniano, com a morte de milhares de civis, cidades arrasadas, crimes de guerra e acusações de genocídio, Zelensky tem sido convidado a falar nas casas da Democracia do mundo inteiro.
A REFERÊNCIA DE ZELENSKY À REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E A REAÇÃO DO PCP Volodymyr Zelensky discursou esta quinta-feira, 21, para o Parlamento português
O discurso de Volodymyr Zelensky no Assembleia da República teve uma linguagem dura, com emoção na mensagem. O líder ucraniano começou por agradecer a oportunidade, antes de listar várias das atrocidades que alega estarem a ser cometidas pelo exército russo no curso da invasão, referindo-se inicialmente ao facto de terem sido encontradas sepulturas de cidadãos ucranianos perto de Kiev: "Nem tentaram sepultá-los como deve ser, mataram para se divertir", afirmou. Referiu ainda torturas e violações.
Zelensky soube encontrar as analogias assertivas com Portugal. Com o objetivo de passar a real dimensão da destruição, referiu-se a Mariupol como uma cidade "tão grande como Lisboa" e comparou a população deportada com a população do Porto. A poucos dias das celebrações dos 48 anos do 25 de Abril, marcou o discurso a referência de Zelensky à Revolução dos Cravos: "O vosso povo celebra o aniversário da revolução que vos libertou da ditadura e sabe perfeitamente o que os outros povos estão a sentir, especialmente na nossa região, onde havia liberdade. Estamos a lutar pela nossa independência e pela sobrevivência", salientou.
PRESIDENTE UCRANIANO USA A PALAVRA "SAUDADE"
Pelo meio, Zelensky pediu para que continuasse a chegar ajuda em forma de armamento à Ucrânia, assim como o auxílio de Portugal no processo de adesão do país à União Europeia. No fim, previamente ao agradecimento final, o presidente ucraniano sacou de um último trunfo para se aproximar do afeto dos portugueses, a palavra ‘saudade’, no original lusitano: "As nossas visões são iguais: que toda a pessoa tenha o seu tempo para a felicidade e para a saudade. Glória à Ucrânia."
A sessão terminaria com o discurso de Augusto Santos Silva. O presidente da Assembleia da República mostrou-se grato a Zelensky e assegurou que o líder ucraniano pode "contar com a defesa intransigente das leis que regulam as relações internacionais e o direito à independência e soberania", sublinhando que a luta da Ucrânia pela liberdade é uma luta a que "o Portugal democrático nunca faltou, não falta e não faltará", e, por isso, recebeu também ele o aplauso dos presentes na Casa da Democracia, antes de terem soado os hinos da Ucrânia e de Portugal.
E Portugal pode ter um papel fundamental na solução do conflito e num possível acordo entre Rússia e Ucrânia para alcançar a paz. António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, pediu para ser recebido pelo presidente russo, Vladimir Putin, e pelo chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zalensky, nas respetivas capitais, para discutir "passos urgentes" para travar a guerra porque não pode haver alternativa à liberdade, nem à democracia, nem à paz.