A história mirabolante da "dondoca" que mandou matar o marido, mas vivia na cadeia só ralada com maus cremes e com as brancas do cabelo
Maria das Dores queria muito ser uma das 'tias' do jet-set e por isso colou-se a José Castelo Branco e a Betty Grafstein. Deprimida e com o casamento à beira do fracasso, com o marido a chamar-lhe "Maria Gorda" e depois a ter deixado sem um braço na sequência de um acidente de viação, vingou-se nas compras compulsivas de artigos de luxo e as contas do casal entraram em colapso. Manda "pregar um susto" no pai do filho e o "susto" acaba em homicídio. Nem depois de detida desmonta o figurino e só pensa em banhos, cremes e penteados. Foi libertada cinco anos antes do fim do prazo e vai viver com o filho exótico, o único que restou.
A história de Mimi, ou de Maria das Dores, de 63 anos, como ficou conhecida no 'jet-set' nacional no início do milénio, tem todos os ingredientes de uma novela suculenta, mas daquelas com final triste pré-anunciado. Em 2008, a socialite foi condenada, com direito a parangonas nos jornais, a uma pena efetiva de prisão de 23 anos (depois reduzida para 21) pelo homicídio do marido, o empresário Paulo Pereira da Cruz. Cumpriu 16, saiu esta quarta-feira, dia 18 de outubro.
Vai viver os próximos cinco anos em liberdade condicional ao lado do filho mais velho, David Motta, o consultor de moda que, em 2018, fez duas produções com Madonna em Portugal para revista Vogue. David foi o único familiar direto que nunca a abandonou. Perdeu o marido em pânico com os ciúmes, por causa das dívidas, pelo acumular de discussões, acusações e com medo que ele, que a traía e lhe chamava "Maria Gorda", a abandonasse. Diz que mandou dois homens pregar-lhe um susto. O susto redundou numa agressão à martelada que foi longe demais e acabou em morte.
Maria das Dores perdeu a fortuna do marido por ter sido considerada indigna pela Justiça. Perdeu a liberdade e a dignidade na prisão. Perdeu o filho, Duarte, hoje médico e com 23 anos, que ficou do lado da família paterna e nunca mais a quis ver... Talvez por isso, num ato de tragédia greco-romana, termine o seu livro confessional com a frase: "Duarte, perdoa-me. A minha sentença não é a prisão, é saber que, por aquilo que fiz, não mereço voltar a ver-te".
FRANJA, BANHO E CREMES
No dia 20 de janeiro de 2007, o empresário Paulo Pereira da Cruz, conhecido como o Rei das Hortaliças do Oeste, é morto à martelada por dois homens no interior de um apartamento em obras na avenida António Augusto Aguiar, em Lisboa. A notícia fez capas de imprensa e abriu telejornais. Havia dois suspeitos em fuga. A viúva, a 'socialite' que se tinha colado a José Castelo Branco e Lady Betty Grafstein para aparecer nas festas do croquete, estava inconsolável.
A 7 de fevereiro desse ano, Maria das Dores Correia Alpalhão, então com 47 anos, é detida em casa ainda de pijama. Nesse dia, quando é presente a um juiz, a candidata a "tia" - que viria a ser condenada primeiro a 23 anos de prisão, e que depois veria a pena ser reduzida para 21 -, já na qualidade de forte suspeita de ser a mandante do assassinato do empresário, só tinha para apresentar como álibi um facto que deixou o juiz estupefacto: "Fui a Torres Vedras, à cabeleireira, cortar a franja", recorda, a páginas tantas no seu livro 'Eu, Maria das Dores me Confesso', acrescentando que o argumento parecia idiota, mas que tinha uma razão de ser: "Talvez tenha parecido um pouco fútil. Mas preferia mil vezes isso a que me considerassem uma assassina".Durante o dia em que foi detida e interrogada pelas autoridades, a única preocupação de Maria das Dores não era somente a de que a viessem a acusar de ser a co-autora da morte do marido, mas antes que só queria "voltar a casa" para "tomar um bom banho e meter um creme na cara". "Sentia-me suja e desgrenhada, naquele momento de espera era das coisas que mais me incomodavam. Mais do que ser acusada do assassínio do meu marido", conta, durante uma entrevista dada durante uma saída precária, em 2019, à jornalista Virgínia Lopez - sim, a que chegou a ser concorrente do 'Big Brother' - , que esteve na base do livro publicado.
ACUSA JOSÉ CASTELO BRANCO DE A TRAIR
Maria das Dores queria muito ir para casa, para o lado do filho Duarte, então com 7 anos, acreditando que podia esconder da criança que a queriam acusar da morte do pai. Só que o seu destino acabou por ser o estabelecimento prisional de Tires, onde o seu advogado, João Nabais, garantiu que passaria apenas sete dias e depois retomava a casa com pulseira eletrónica.
No mesmo livro, Maria das Dores, que garantia estar em sofrimento profundo na prisão, conta como se sentiu traída, e logo nos primeiros dias de reclusão, por um amigo de longa data e famosa figura do jet-set nacional, que foi o primeiro ilustre a visitá-la na prisão. "A visita do José Castelo Branco foi uma lufada de ar fresco dentro daquele pesadelo. Descobrir, pouco tempo depois, que me tinha utilizado para ganhar dinheiro destruiu-me por dentro (…) Não sei se, quando vendeu a fotografia ao '24Horas', o José Castelo Branco teve consciência do que essa publicação iria desencadear", relata.
CULPADA DE SER "FÚTIL E AMBICIOSA"
Sentiu-se traída por amigos e conhecidos, foi afastada da família, impedida de ver o filho mais novo, impossibilitada de ser salva pelo advogado, que, depois da referida publicação, nada mais de substancial pôde fazer pela cliente enclausurada. Tudo porque a bomba mediática, provocada pela visita do amigo Castelo Branco que tirou uma fotografia com um telemóvel que nunca podia ter entrado na cadeia, rebentou em cima da diretora da prisão, exonerada na hora, e levou ao empolamento do escândalo do homicídio nas primeiras páginas dos jornais e revistas.
Só restou a Maria das Dores virar-se para o filho mais velho, David Motta, que estava e trabalhar com as mais conceituadas revistas de moda mundial em Nova Iorque. Nas cartas que lhe dirige da prisão, Maria das Dores escreve: "De porto seguro para porto seguro, da mãe que te adora". Era assim que terminava sempre as palavras que enviava ao primogénito. Tendo por vezes acrescentado: "És o único que tenho" ou a frase: "David, obrigada. Sem ti, hoje não estaria viva"
Nas suas múltiplas reflexões na prisão, Maria das Dores teve tempo para tudo, até para arrependimentos: "Eu era a Mimi, a alegre e sedutora algarvia que estava disposta a conquistar o mundo! Mas fui condenada a ser a Maria das Dores, por ser a mandatária do assassínio do próprio marido. A mulher fútil e centrada nos bens materiais que fez tudo para ascender na vida e que sonhava pertencer ao jet-set (…) Depois de todos estes anos na prisão chego à conclusão de que sou apenas Maria. Culpada de mandar matar o marido, sim, mas tremendamente arrependida".
OS ABORTOS, OS TRATAMENTOS, AS TRAIÇÕES
A assassina de Paulo Pereira da Cruz vivia num desassossego constante nos últimos anos de matrimónio. Ela e o marido submeteram-se a tratamentos de fertilidade para que Maria das Dores pudesse ser mãe de Duarte, o jovem que hoje é médico e que nunca mais quis ver a mãe que lhe matou o pai. Teve, antes de conseguir ser mãe, cinco abortos, e a culpa, revela no livro, era do "esperma fraco" do marido. E depois de aos 40 anos dar à luz o filho, estava irreconhecível por causa dos tratamentos hormonais. O marido chamou-lhe "Maria Gorda" e o que restava de autoestima dela foi pelo cano abaixo.
Poucos meses depois de ser mãe foi também vítima de um acidente de viação que a fez perder o braço esquerdo, e culpava o marido, o condutor, pela tragédia. Como se tudo isto não bastasse, Maria das Dores desconfiava que o marido a traía. As discussões constantes, o seu descontrolo financeiro, com compras compulsivas de malas, sapatos e outros itens de luxo, provocam guerras constantes com o marido.
Em pânico de perder as regalias financeiras que lhe davam uma vida rica, e sabendo que a empresa do marido, a Campitec, tinha contratualizado um seguro de vida milionário depois do acidente que ambos tiveram e que lhes podia ter ceifado a vida, contrata dois homens, a quem oferece uma quantia para acabarem com a vida do homem que lhe estava a fugir por entre os dedos, levando com ele os anéis. Os homens garantem em tribunal que Maria das Dores falou em dar-lhes 150 mil euros, ela jura que lhes pagou 1500 euros e que era o combinado por um serviço com a instalação de umas torneiras no apartamento do centro de Lisboa onde se deu a tragédia.
'CÔ HORROR', NUNCA NA ÓPERA COM AS RAíZES À MOSTRA
Numa das cartas que envia ao filho David Motta a partir da prisão, as preocupações da ex-socialite Maria das Dores continuam a ser as da imagem, negando sempre em tribunal que tivesse matado o marido, apesar dos autores materiais a terem acusado de imediato, assim que foram detidos.
"Os jornais disseram que naquela primeira sessão de tribunal me tinha vestido como se estivesse a ver um espetáculo de ópera no Teatro Nacional de São Carlos. Os que escreveram aquelas notícias conheciam-me muito mal, pois se me conhecessem minimamente saberiam que jamais teria ido à ópera com aquelas raízes no cabelo. Eu, que era uma mulher tão cuidada. Não passava uma semana sem ir ao cabeleireiro. E, para o rosto, usava a melhor cosmética do mercado", relembra, recordando que na prisão se tem de contentar "com uma loção corporal barata".
Na fase final do casamento com Paulo Pereira da Cruz, Maria das Dores e o marido entraram numa espiral de gastos que culminou em discussões, compras compulsivas de malas e sapatos por parte da socialite e da raiva do marido por esta lhe esvaziar as contas bancárias.
Deprimida, culpava o marido alegadamente traidor por a ter feito perder o antebraço e decide vingar-se dele. Contrata João Paulo Silva e Paulo Jorge Horta para, alegadamente, lhe pregarem um susto, mas o suposto susto correu mal e acabou na morte do empresário. PERDE TUDO, ATÉ A DIGNIDADE NA CADEIA
Condenada na barra do tribunal a 23 anos de pena de prisão. Considerada indigna de ser herdeira do marido depois de os sogros interporem um processo judicial para salvaguardar o neto, Duarte Pereira da Cruz, na qualidade de herdeiro universal de Paulo Pereira da Cruz, Maria das Dores confessa que ainda sofreu a condenação entre os seus pares, as 200 camaradas do Estabelecimento Prisional de Tires.
Segundo revela no livro onde conta a sua versão dos facto, as outras reclusas também a condenaram, a uma pena de humilhações: "Chamavam-me jet-set e dondoca", atiravam-lhe no refeitório maçãs e água e gozavam com ela pedindo-lhe que batesse palmas, sabendo que não tinha uma mão.