"Juan Carlos matou o próprio irmão". Chocante? Então leia a entrevista Pilar Eyre, a maior cronista social de Espanha, e pasme com os "podres" escondidos dos Bourbon

Antes de mais, gostava de saber como começou o seu interesse pelos assuntos da realeza?

Na verdade, foi um pouco por acaso. Quando comecei no jornalismo, há muitos anos, fazia um pouco de tudo até ao dia em que os reis vieram a Barcelona.  Naquela altura, a maioria dos colegas usava calças de ganga, cabelo comprido... enfim, não andavam bem vestidos. A minha chefe perguntou quem é tinha um vestido bonito e saltos altos para ir a um evento com o casal real. Fui eu, que sempre gostei muito de moda e de roupa. E foi desde então que, como jornalista, me especializei em temas da realeza.

Pilar Eyre Flash

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Juan Carlos é, em sua opinião, a figura mais interessante da família real de Espanha?

A meu ver, Juan Carlos é como que um protagonista de uma tragédia grega e a sua vida, que já deu para tantos livros, daria para muitos mais e para muitas tragédias porque realmente é uma pessoa sem infância, uma pessoa que não teve afetos familiares, que casou com uma mulher que não amava, que matou o seu próprio irmão… como vê, muitos elementos de uma verdadeira tragédia grega. Contudo, também fez muitas coisas boas. Não nos podemos esquecer, por exemplo, que ajudou a modernizar este país. Nesse sentido, podemos dizer que sim, é uma figura muito interessante. Mas atenção, se olharmos para a família real com parâmetros modernos considero que Letizia também é uma personagem muito interessante. Passar de uma pessoa normal, uma jornalista como todas as outras, a rainha de Espanha e entrar nesta família com tudo o que esta família representa e ter de se calar, é uma outra tragédia.

Juan Carlos é, em sua opinião, a figura mais interessante da família real de Espanha?

Neste livro, a Pilar tenta perceber as razões que levaram Juan Carlos a ser a pessoa que é hoje. Acredita que ele chegou a ser perdoado pelo pai pelo acidente em que matou o irmão?

Estou convencida de que aquele incidente destruiu a família. Doña Maria, a mãe de Juan Carlos, caiu no alcoolismo e esteve internada em várias clínicas de desintoxicação, na Suíça. E também por depressão. Acho que nunca se chegou a recuperar completamente. Praticamente, houve uma separação dos pais a partir dessa altura. Dom Juan e Doña Maria deixaram de ser um casal, levavam vidas separadas. Quanto às duas irmãs de Juan Carlos, tiveram que ir embora para estudar. Uma foi viver para Madrid e a outra para Lisboa. Depois daquele acidente, nunca mais voltaram a ser os mesmos, nem como família. Quanto ao pai de Juan Carlos, como conto no livro, era um homem alegre, que ria muito, era um otimista, que gostava muito de conviver. Um dia, disse-lhe um amigo: ‘Nota-se que Dom Juan é um homem feliz e que está sempre contente’. O semblante do pai de Juan Carlos mudou. Agarrou a mão do seu interlocutor, apertou-a com força e respondeu: ‘Isso nunca. Não se esqueça que está a falar com um homem que perdeu um filho’. Disse isto já muitos anos depois da morte de Alfonso. Penso que no fundo, no fundo, lhe custava muito perdoar ao filho pelo que aconteceu.

"Doña Maria, a mãe de Juan Carlos, caiu no alcoolismo e esteve internada em várias clínicas de desintoxicação, na Suíça"

Esse é o episódio mais doloroso e determinante da vida de Juan Carlos?

É sem dúvida o episódio mais doloroso da vida dele. Um grande amigo do rei emérito, António Aroso, uma pessoa que também viveu muitos anos em Portugal, contou-me que, ainda não há muitos anos, entrou no escritório de Juan Carlos e encontrou-o com uma fotografia do seu irmão na mão e com os olhos cheios de lágrimas. Essa fotografia esteve sempre num local de destaque no escritório do rei.

Esse é o episódio mais doloroso e determinante da vida de Juan Carlos?

Neste livro, a Pilar revela que o general Franco gostava muito da rainha Sofia. Diz até que 50 por cento do trono se deve a ela.

É verdade… Doña Sofia encantava-o. Até a mulher do general Franco costumava dizer que Sofia tinha roubado o coração do marido. Ele gostava daquele ar de menina e, além disso, ela era muito carinhosa e dizia sim a tudo. Além disso, Sofia, que não é tola e sabia que era conveniente conquistar o general, até pedia conselhos a Doña Carmen para educar as filhas. Nessa altura, o casal real, que ainda constituía uma boa "equipa" e sabia que dependiam de Franco, fizeram de tudo para o agradar. Mas atenção, Franco tinha amor pela sua mulher e nenhuma mais. Isto para dizer que não havia outras intenções para além de um carinho puramente paternal por Doña Sofia. Era como um avô…

"Juan Carlos é como que um protagonista de uma tragédia grega"

Como é que descobriu tantos segredos da família real, alguns com tantos pormenores que só eles poderiam saber?

Sei muitas coisas e sei muitas mais que nunca poderei publicar porque, mesmo sabendo que são verdade, não deixam de ser rumores e não tenho como os comprovar através de provas concretas. Como é que chego lá? Convém lembrar que tenho uma carreira já muito longa. Comecei em 1977 e continuo a trabalhar.  Ao longo de todos estes anos que já falei com centenas de pessoas que se davam e dão com Juan Carlos, com pessoas que trabalharam com ele e para ele, ou seja, funcionários do palácio. Não posso dizer que tenha falado com amigas de Doña Sofia, porque ela não tem amigas. Escrevi muito, investiguei muito, há muitas memórias, e, inclusivamente memórias não publicadas de pessoas próximas a Dom Juan Carlos a que tive acesso. Por fim, e sem modéstias, sou uma das pessoas que em Espanha mais sabe do assunto.

Quanto tempo é que demorou a escrever este livro?

Escrever este livro demorou 40 anos que o tempo que demorou a recolher toda a informação que lá está contida. Mas bem, escrever, escrever, pondo-me frente ao computador, organizar todo o material e dar-lhe a forma de um romance, pois não se trata de um ensaio sobre a monarquia, nem sobre Dom Juan Carlos. É antes uma forma das pessoas ficarem com vontade de ler para saber o que acontece na página seguinte, com se fosse uma novela.

Conhece pessoalmente o rei emérito?

Já nos cruzamos em várias cerimónias e eventos, mas evidentemente não faço parte do seu círculo de amigos. Uma das minhas regras é mesmo isso, não ser amiga dos famosos nem das pessoas sobre quem falo/escrevo. Quero falar deles com a maior das liberdades. Se alguma vez cometi o erro de algumas personagens famosas, acabei por pagar muito caro porque tive de guardar segredos e confidências. Ou, se por outro lado, acabei por contar alguma coisa, fui acusada de traição. A experiência ensinou-me que é muito melhor manter-me longe deste tipo de pessoas que, no fundo, são a minha matéria de trabalho.

Ainda há mais segredos da família real de Espanha para publicar?

Claro que sim (risos)! Há muitas coisas que ainda estão por publicar e outras, tal como já disse, não tenho provas para as poder contar. Estou convencida que Doña Letizia dará um grande livro, uma grande biografia, que um dia escreverei, pois como também já disse, é uma personagem ímpar com uma carga de tragédia. Mas, pronto, há que deixar "amadurecer" a personagem. Um dia escreverei a biografia da rainha.

"Doña Letizia dará um grande livro, uma grande biografia, que um dia escreverei"

Acredita que a monarquia em Espanha ainda tem futuro?

Vou falar com toda a sinceridade. Letizia e Felipe estão a fazer um bom trabalho, não são corruptos, não receberam dinheiro, são pessoas austeras, mas acho que a monarquia está muito tocada por todos os escândalos de Dom Juan Carlos. É muito difícil que se passe a coroa a Leonor. Neste momento, acho que não se vai tocar no tema da monarquia, ou seja, nenhum partido vai avançar com a questão de se acabar com a monarquia. É um processo complicadíssimo, pois teriam que fazer uma reforma constitucional, teriam que dissolver as câmaras… e no meio de uma crise económica e da pandemia, percebe-se que há assuntos muito mais importantes para discutir. Mas voltando ao assunto, os espanhóis perderam o sentimento monárquico que se via antes. As pessoas eram "juan carlistas", viam Juan Carlos como o artífice da democracia em Espanha e, agora, sabemos que além disso também foi outras coisas que não nos agrada. Por tudo isto, a monarquia está muito ferida. Não direi de morte, mas sim, está ferida.

felipe, letizia, casamento Flash

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Significa que se perdeu o respeito por Juan Carlos?

A imagem de Dom Juan Carlos está tocada. Bem, haverá uns quatro monárquicos acérrimos que continuam a defendê-lo, mas até o seu próprio filho, com os comunicados, abominou o pai recusando a herança e afastando-se totalmente do comportamento do seu pai. Os espanhóis não gostam tanto de Felipe como gostaram de Juan Carlos, mas a figura dele nestes tempos modernos também não iria agradar tanto como agradou no passado. O país evoluiu, nós evoluímos só para se ter uma ideia: o comportamento de Dom Juan Carlos face às mulheres era absolutamente machista. Hoje, isso já não seria tolerado e naquela época até se achava graça ao facto de ele ser o Julio Iglésias da monarquia, como chegou a ser apelidado. Hoje, seria completamente inadmissível. Felipe, pode não despertar entusiasmo, mas é visto como uma pessoa honesta e honrada.

"O comportamento de Juan Carlos face às mulheres era absolutamente machista. Chegou a ser apelidado como o Julio Iglesias da monarquia"

Juan Carlos é verdadeiramente afável e simpático ou tem "duas caras"?

Simpático é, mas também tem um comportamento que já não aceitaríamos hoje. É aquele tipo de homem que te pegava pelo braço, que dizia "és muito bonita" que se punha com piropos... Contou-me uma amiga que quando o conheceu, nos anos 90, que ele começou logo a atira-lhe piropos, a perguntar se era casada e quando ela lhe respondeu que era solteira ele virou-se e disse: "Como é possível seres solteira, sendo tão bonita. Os homens estão loucos?". Todas estas coisas que no passado se definia como simpatia do rei, hoje não seriam possíveis.

Quando é que Juan Carlos passou a ser corrupto? Ou ele sempre foi menos honesto?

Neste livro explico que o facto de ele ser mulherengo se explica por ser Borbón e pelo que aconteceu na sua infância, a tal falta de afetos. Mas o seu amor pelo dinheiro também se explica pelo que viveu no passado. O seu pai não tinha dinheiro e a família vivia daquilo que lhes davam os "grandes" de Espanha. Bem, quando digo que não tinham dinheiro, não estou a dizer que viviam na miséria, mas não era fácil manter a casa. Pelas dificuldades e apertos que viveu na infância, explica-se este afã e ânsia pelo dinheiro.  As pessoas questionam-se sobre a necessidade que teve em se deixar corromper e sujar a sua imagem. Estou convencida de que a explicação pode estar aí, neste seu gosto pelo dinheiro.

Continua convencida de que Juan Carlos não regressará mais a Espanha?

Digo desde o início que ele não volta mais e os factos estão a dar-me razão. Acredito que morrerá no estrangeiro. Não vive mal, pois é tratado como um rei nos países árabes, tem a sua privacidade e, pela primeira vez na sua vida, não tem responsabilidades. Não nos podemos esquecer que desde os seus oito anos, tinha responsabilidades. Agora, pode fazer o que quiser, está longe de Sofia, algo que lhe deve agradar. Uma vinda a Espanha seria muito prejudicial para o filho e, por isso, penso que não voltará.

"Acredito que Juan Carlos morrerá no estrangeiro. Não vive mal, pois é tratado como um rei nos países árabes"

É verdade que existiu um pacto entre a família real e a imprensa? Foi por isso que durante muitos anos nunca ninguém escreveu algo de negativo sobre os Borbón?

Sim, é verdade. Os presidentes do Governo, em concreto Felipe Gonzaléz, nos anos 80, reuniu todos os diretores da imprensa de então e disse: "Dom Juan Carlos salvou a Democracia, fez o que tinha que fazer, e a nós, agora, cabe-nos corresponder deixando-o em paz e deixando de lado os temas da vida privada da família real. Sabia-se muta coisa, como as suas aventuras extraconjugais e, realmente, nunca se publicou nada. No livro que escrevi sobre a rainha, e que também foi publicado em Portugal, ‘A Solidão da Rainha’ (2010), foi quando falei pela primeira vez das suas amantes e de Corinna [zu Sayn-Wittgentsein, agora Larsen] e expliquei que o casamento dos reis não existia há já muitos anos.

É verdade que existiu um pacto entre a família real e a imprensa? Foi por isso que durante muitos anos nunca ninguém escreveu algo de negativo sobre os Borbón?

Juan Carlos e Sofia preparam anúncio da separação Foto: Getty Images

Juan Carlos e Sofia vão divorciar-se Foto: EPA

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Rei João Carlos, Rainha Sofia Flash

Rei João Carlos, Rainha Sofia Flash

Divulgar tudo isso trouxe consequências para si?

Foi um escândalo. Fui despedida dos meus empregos, enfrentei auditorias económicas e Sofia ameaçou-me de todo o tipo… estou a falar de 2010, que nem sequer foi assim há tanto tempo. Bem, mas posso dizer que a partir daí e, sobretudo desde a sua abdicação que se tornou possível falar de Juan Carlos com total liberdade. Mas diga-se que muitas das coisas de Dom Juan Carlos vieram a público através da imprensa estrangeira.

E já agora, quem é a rainha Sofia? É uma mulher sofrida e submissa?

É uma pessoa que nos manteve bastantes confundidos, não digo enganados, por ser uma palavra bastante forte. É uma pessoa que aguentou tudo, uma pessoa sobre quem se dizia ser uma grande profissional, que tinha uma grande dignidade, mas para mim, dignidade não é aguentar as infidelidades públicas do marido. Já a vi mentir, ou seja, contar uma coisa que não era verdade e que nós sabíamos que não era verdade, com total desenvoltura. Isso aconteceu quando operaram o rei ao pulmão, em Barcelona, e quem o acompanhava era Corinna. Julgo que Sofia nem sequer chegou a entrar no quarto do marido. Esteve duas horas no hospital, mas esteve numa sala a fazer tempo. E quando desceu falou com os jornalistas e disse-nos com absoluta frieza que o rei tinha falado com ela, que lhe disse que estava melhor, que já brincava com todos. Eu estava muito próxima da rainha e dei-me conta do mal que fala o espanhol. Depois houve um jornalista que quis saber quais as primeiras palavras do rei ao acordar. E como não estava à espera desta pergunta e ninguém a tinha instruído sobre este facto, ficou calada… sabe aqueles bonecos que param quando lhe tiram a pilha? Assim ficou ela. Foi o assessor de imprensa que respondeu: ‘Sua Majestade perguntou pelos filhos’. E ela anuiu: ‘Sim, sim… foi isso’. Apercebi-me que a rainha estava a fazer um papel e, acredito que o fazia porque gostava de ser rainha. É ambiciosa.

"Consequências? Fui despedida dos meus empregos, enfrentei auditorias económicas e Sofia ameaçou-me de todo o tipo…"

É também verdade que a família está dividida? Por um lado, Felipe e Letizia e, no outro, os restantes elementos?

Totalmente. É uma família desestruturada. Letizia e Felipe não têm relações com as cunhadas/irmãs, com os primos, nem pensar, e nem sequer com Sofia. A emérita não está com as netas, conforme se queixou a um primo. Mas a mãe de Letizia já tem um contacto mais estreito com as meninas. As infantas Elena e Cristina estão com Juan Carlos e Sofia está com a sua irmã. É uma família pequena, mas está dividida em três grupos.

É também verdade que a família está dividida? Por um lado, Felipe e Letizia e, no outro, os restantes elementos?

O casamento de Letizia e Felipe vai bem ou também é só fachada?

Está muito bem. Formam uma boa equipa. Claro, que já passaram algumas crises, mas apesar de Letizia ter um carácter muito forte, Felipe, que é uma pessoa muito tranquila, sabe muito resolver manter tudo muito bem.

O casamento de Letizia e Felipe vai bem ou também é só fachada?

"O casamento de Letizia e Felipe está muito bem. Formam uma boa equipa"

Acha que Juan Carlos leu o seu livro?

Se não leu, terá lido algumas partes. Por exemplo, no livro que escrevi sobre Sofia, sei que achou particular graça ao facto de eu ter revelado que se tinha deitado com mais 1500 mulheres. Estava sempre a perguntar aos amigos: ‘Com quantas mulheres diz Pilar que me deitei?’. Como macho espanhol, ficava encantado. Algo terá lido, certamente.

Acha que Juan Carlos leu o seu livro?

Por fim, a Pilar não tem medo?

Deveria tê-lo? Agora, já não. Mas houve alturas em que, de facto, deveria ter. Houve uma ocasião, na altura em que comecei a publicar coisas mais delicadas da família real, em que me sentei em frente ao meu filho e tive de lhe dizer que poderíamos vir a ter problemas. Perguntei-lhe se prosseguia ou se ficava por ali. E ele disse-me sempre para seguir em frente, para não me preocupar por ele. Não tenho medo… ando tranquila na rua.