Marcelo Rebelo de Sousa conta os dias para deixar Belém. A nova vida longe da política, o regresso às aulas e o espaço para o perdão ao filho
Falta um ano para o Presidente da República terminar o seu mandato e de uma coisa tem a certeza: não vai ter saudades de Belém. Ansioso por fechar este ciclo da sua vida, Marcelo já sabe o que vai fazer quando fechar a porta de Belém e nada terá a ver com política.
Quando Marcelo Rebelo de Sousa chegou à presidência da República, algo mudaria para sempre em Belém. Trouxe consigo um novo estilo político, de proximidade, mais leve, prático e desempoeirado do que os seus antecessores, de um presidente que fala de tudo e com toda a gente, que não tem Primeira Dama, que tira selfies, que está confortável no palco, e o adora, e que soube criar empatia com os portugueses, posicionando-se ao seu lado.
O primeiro mandato foi assim, mas quando se esperava que, à segunda, a receita do sucesso se repetisse, tudo começou a vir por aí abaixo. Na altura, Marcelo estava longe de imaginar que a cadeira do poder ia causar um desgaste profundo na sua vida e, mais do que abalar convicções políticas, pôr em causa aquilo que sempre defendeu na intimidade, as suas mais profundas certezas transmitidas pelos valores católicos. O caso das gémeas luso-brasileiras custou-lhe, mais do que a popularidade e credibilidade, a relação com o filho, Nuno, a quem virou costas, e é provavelmente desta forma que terminará o ano que lhe falta para acabar o mandato como Presidente, naquele que será provavelmente o ano mais longo de que Marcelo tem memória.
O ADEUS A BELÉM
Falta pouco mais de um ano para o Presidente da República fechar de vez a porta de Belém, e uma coisa é certa: nada lhe deixará saudades. Mais, conta os dias, horas e minutos como uma criança ansiosa pela chegada do Natal. Aos dias de hoje, Marcelo já sonha com uma vida anónima (tanto quanto possível, dada a sua popularidade e natureza) e, depois de uma visita aos Países Baixos, deu algumas luzes aos jornalistas de como será a sua vida longe dos gabinetes oficiais, sendo que uma coisa é certa: não o irão ouvir a falar de política.
Quando questionado se iria ter saudades da Presidência, Marcelo nem pestanejou. "Nenhuma, nenhuma. Nenhuma, neste sentido, a minha vida foi sempre assim: tenho uma vida enquanto tenho essa vida, terminada essa fase começa uma outra fase completamente diferente."
Sobre como vão ser os seus dias longe de Belém, Marcelo já tem um plano bem traçado. Quer continuar a trabalhar, sim, mas sem a exposição pública dos dias de hoje e, acima de tudo, a fazer coisas de que goste e o apaixonem. "Primeiro, não falar mais de política, é logo uma coisa importante, é uma opção que um ex-Presidente tem que fazer. Uns fazem de uma maneira, outros fazem de outra. Eu tenciono fazer da maneira que é não intervir, não falar, não me pronunciar. O que é que eu vou fazer? Vou dedicar-me, sim, às escolas, mas básico e secundário. Aprendi, por exemplo, com o Plano Nacional de Leitura, que há imensa coisa a fazer em que eu posso ser útil, em que há atividades culturais que eu posso desenvolver, formativas, conhecendo a rede de escolas como conheço, e com o ritmo que a minha idade me permitirá quando deixar de ter este ritmo", conta Marcelo, que terá 77 anos quando fechar este ciclo da sua vida.
A VIDA DEDICADA A QUEM PRECISA
Uma vida por que Marcelo anseia e que será também um regresso aos seus dias antes da política, dos quais tem muitas saudades, com os seus mergulhos diários em Cascais, e em que as poucas horas de sono são, efetivamente, reparadoras e não com os problemas de um país a impedirem um descanso pleno. Será também, certamente, tempo de estar mais próximo da família e, quem sabe, de um perdão ao filho.
Marcelo, é sabido, é católico convicto, nas horas vagas dá conforto aos que já não têm muito tempo pela frente, visita unidades de cuidados paliativos, senta-se ao lado de quem recebe duros diagnósticos, tem sempre uma palavra de generosidade, afeto e de esperança, dentro da dor, por isso ninguém acredita que no seu próprio caso pessoal o amor entre pai e filho não fale mais alto e que ultrapassado o 'furacão político' e os dois possam fazer finalmente as pazes.