
Profundamente católico, homem de afetos e de família, provavelmente Marcelo Rebelo de Sousa nunca pensou chegar a uma altura da vida em que um dos dias mais simbólicos para a religião que professa o confrontasse com um sentimento de tristeza profunda e que o afastasse de muitos dos valores em que actredita. Mas a verdade é que o Natal dificilmente será o que era para o Presidente da República.
De costas voltadas com o filho Nuno desde que estoirou a polémica em torno do caso das gémeas luso-brasileiras - com o filho acusado de ter usado o nome do pai para que as meninas tivessem acesso ao medicamento mais caro do mundo, em Portugal, para tratar a doença de que padecem - no ano passado o Natal já foi vivido com a família espartilhada.
Nuno, que reside com a mulher e a filha mais velha no Brasil, esteve no nosso país na Consoada de 2023, mas o Presidente da República acabaria por saber da sua estadia por terceiros. De lá para cá, não é expectável que a situação se tenha alterado. Não é um assunto sobre o qual Marcelo goste de falar publicamente e também é certo que mesmo na sua esfera privada lhe custará abordar tema, pela dor que provoca ter sentido necessidade de riscar da sua vida alguém com quem sempre manteve a tal relação estreita e umbilical, partilhada por muitos pais e filhos.
Por tudo isto, para Marcelo este será apenas mais um Natal, a data que deixou de ser o símbolo da reunião familiar e passou a ser uma coisa diferente. Para memória futura, o presidente da República assegurou que a mesa continuará a ser cheia, ainda que os planos sejam outros.
"Este ano, no Natal tenho de ir ver as Forças Armadas na Eslováquia - vou dia 20 e voto dia 21 - ainda tenho compromissos a 22, por isso vai ser com a família mais ampla dia 23 à noite", explicou na inauguração da Feira Solidária da Associação Novo Futuro, em Lisboa, assegurando que serão muitos os familiares à mesa, ainda que não especificasse exatamente quem.
"Dia 24 estou só com um ramo específico da família, porque os meus irmãos, como já têm tantos descendentes e afins, cada um deles comemora com a sua parte nesse dia. Temos de nos separar. Eu vou dividir-me entre dois dias."
Dias necessariamente mais solitários para os quais a distância física já foi preparando Marcelo. Há muito que o filho vive no Brasil e a mudança provocou o primeiro grande choque na vida do político português. É que quando se mudou para São Paulo, Nuno Rebelo de Sousa ainda era casado com Rita Sousa Coutinha, com a alteração de vida a deixar, de repente, o presidente da República distante daqueles que se tornaram numa grande paixão: os netos.
O cenário ainda ficaria mais complicado quando o casal se separou e Rita assumiu um novo desafio na China. Data dessa altura, aliás, o primeiro grande 'desaguisado' de Marcelo com o filho. Conta-se que o Chefe de Estado sempre foi um fã incondicional da nora e que não aplaudiu de pé a rutura e muito menos o facto de o filho ter assumido uma nova paixão, Juliana Viela Drumond, precisamente a mulher que, anos mais tarde, viria a estar no centro da polémica, por ser, alegadamente, o elo de ligação com Daniela, a mãe das gémeas luso-brasileiras.
O ADEUS À PRESIDÊNCIA
Ao longo dos últimos anos, Marcelo Rebelo de Sousa enfrentou crises políticas, catástrofes ambientais, situações que levaram o país ao extremo, mas conta quem está próximo do presidente da República que nada o desgastaria tanto como o caso das gémeas luso-brasileiras, por ter colocado em causa a sua idoneidade e também pelo desgosto que lhe traria em relação ao filho.
"Temos falado, ele não está com a vida facilitada", afirma, acrescentando que o 'caso gémeas' tocou no ponto mais frágil de Marcelo, e por isso o magoou tanto. "É muito complicado, é a dimensão família", disse o padre Vítor Melícias ao 'Expresso', o que, na verdade, retrata bem aquilo por que o presidente passou e que abalou o seu mundo tanto na dimensão política como pessoal.
Ele próprio falaria sobre o assunto para confirmar que a polémica assumiu uma dimensão maior do que tudo aquilo que já tinha vivido na Presidência da República.
"As gémeas foram um fenómeno adicional, mas não me desgastou politicamente, desgastou-me pessoalmente. É imperdoável, porque sabe que tenho um cargo público e político e pago por isso", revelou Marcelo Rebelo de Sousa, tentando desvalorizar o assunto. "Ele tem 51 anos. Se fosse o meu neto mais velho preferido, com 20 anos, eu iria sentir-me corresponsável. Mas, com 51 anos, é maior e vacinado".
O caso das gémeas luso-brasileiras acabaria por se colar à reta final do seu mandato, que termina no início de março de 2026, o que quer dizer que, aos 75 anos, Marcelo prepara o seu último ano em Belém e a 'reforma', ainda que dificilmente tenha feitio para estar parado.