Onde é que eles estavam no 25 de Abril? Seis artistas portugueses recordam o dia da Revolução. O que faziam, onde estavam e como reagiram…
Luís Represas, Marco Paulo, Vitorino, Paulo de Carvalho, Herman José e António Manuel Ribeiro falam da experiência do 25 de abril, do despertar à festa. Para muitos, desligados da política, foi apenas um dia sem aulas. “Lisboa foi invadida por tropas? De que país?”
LUÍS REPRESAS
Ainda Luís Represas era um jovem de 17 anos estudante do liceu Pedro Nunes quando a revolução de Abril aconteceu. Fazia alguns anos que tinha comprado a sua primeira guitarra e a música dominava as suas áreas de interesse (estávamos ainda a mais de um ano do nascimento dos Trovante). Muito poucos saberão, mas Represas foi "muito provavelmente das primeiras pessoas a saber da revolução" naquela manhã de 25 de Abril. Tudo porque o pai era à data o diretor de programas da Emissora Nacional, um dos mais importantes meios de propaganda do Estado Novo e, por isso, dos primeiros espaços a ter sido ocupado pelos golpistas. "Quando a Emissora foi ocupada ele recebeu um telefonema e a minha mãe acordou-me a mim e ao meu irmão (João Luís Represas) para nos dizer que Lisboa estava ocupada por tropas. E eu, que era um profundo ignorante politico, perguntei: "de que país?". Luís Represas ainda se recorda do pai ter sido pressionado para ordenar a quem estivesse de serviço na Emissora Nacional para ir aos microfones dizer que o governo tinha tudo controlado. "Mas ele recusou-se a fazê-lo. A prioridade dele foi defender os funcionários que tinham metralhadoras apontadas". A consciência política de Represas veio depois do 25 de Abril que o levou, inclusive, a ligar-se ao PCP.
VITORINO
Se é verdade que os principais cantores e autores de intervenção já não estão entre nós (especialmente José Afonso, Adriano Correio de Oliveira ou José Mário Branco), o facto é que Vitorino ainda privou com o maior deles todos: Zeca Afonso. Com ele chegou a tocar e por causa dele sentiu de perto a censura antes do 25 de Abril. "Quando não se cantava clandestinamente havia polícia à porta, com cães e cavalos. Fui muitas vezes proibido de cantar com ele" diz. Ainda bem recordado do tempo em que a PIDE (a polícia política do Regime) "não deixava sequer os miúdos usar cabelo à Beatles ("em Évora, nos anos 60, por exemplo, quem tivesse o cabelo muito comprido, era levado para a sede da PIDE para ser rapado" lembra), Vitorino vinha de uma noitada, em Lisboa, quando se apercebeu do início da revolução. "Fazer vida boémia também era uma forma de contestar o regime" justifica. "Começámos a ver no Terreiro do Paço, um movimento muito grande. Começámos a ouvir música militar nas rádios, o que era uma coisa estranha. Então não passavam Tony de Matos? O nacional cançonetismo tinha desaparecido e foi quando começámos a desconfiar. Os primeiros comunicados ainda muito tímidos aconselhavam a ir para casa. Ora nós fizemos precisamente o contrário. Ninguém foi para casa durante oito dias."
PAULO DE CARVALHO
Se há músico que ficou com o seu nome ligado para sempre ao 25 de Abril, ainda que de forma quase acidental, foi Paulo de Carvalho. Foi a sua voz que se ouviu como senha para a revolução. O cantor tinha ganho, uns meses antes o Festival RTP da Canção, com o tema ‘E Depois do Adeus’ e foi precisamente essa canção, por não ter conteúdo político e não levantar suspeitas, que os golpistas escolherem para funcionar como primeira ordem para as tropas para se prepararem para a ocupação. Foi ouvida às 22h55 do dia 24 de Abril nos Emissores Associados de Lisboa. "Foi uma coisa completamente inesperada para mim. Por isso costumo dizer que se hoje estou na história foi por acaso", diz. Nessa noite, o cantor tinha estado à porta do Café VaVa, em Lisboa, com um amigo na conversa até às duas da manhã e não se apercebeu de nada. No dia seguinte, no 25 de Abril, Paulo de Carvalho foi acordado às 13h00 por um outro amigo a bater-lhe à porta ("os telefones não funcionavam", recorda) a informa-lo que estava a decorrer um golpe de Estado. "Como uns dias antes tinha acontecido um outro golpe, considerado de direita, quando vieram dizer-me que estava a acontecer uma revolução, agora efetiva, eu só perguntei: para melhor ou para pior? E o meu amigo respondeu-me "ainda não se sabe!!" Ora eu, naturalmente, respondi-lhe: "Epá então deixa-me dormir". A verdade é que pouco depois, Paulo de Carvalho estava na rua, a comemorar, com muitos outros, aquela que se adivinhava ser a queda do regime.
HERMAN JOSÉ
Andava Herman José a preparar-se para sair de Portugal, para escapar à tropa e a uma mais que previsível chamada para a Guerra do Ultramar, quando se deu o 25 de Abril. "Há uma coisa que pouca gente diz. O grande motor da alegria da revolução, foi o facto das famílias deixarem de enviar os seus filhos para a guerra. Eu conheci jovens que quando se abriam garrafas de champanhe escondiam-se debaixo da cama numa reação típica do traumatizado de guerra. Acordar a meio da noite com suores frios porque sabíamos que podíamos ser enviados para a tropa era uma coisa muito pesada". Herman já tinha escolhido a nacionalidade alemã, por causa do pai, já tinha escolhido casa e já se tinha inscrito numa escola de cinema e televisão em Munique, quando rebentou a revolução. "A PIDE já me tinha dado um prazo para sair de Portugal. Se queria ser alemão, que fosse sê-lo mas longe". Só que entretanto rebentou o 25 de Abril e "a primeira alegria que a revolução me trouxe foi esta: afinal já não precisava de ir para lado nenhum". A segunda foi que não houve aulas. "Foi maravilhoso porque era o dia do meu exame de matemática e eu não tinha estudado nada (risos). Eu já era músico na altura e já andava a tocar por aí. Quando me disseram que não ia haver exame porque estava a haver uma revolução, eu quis lá saber da revolução (risos). Fui de facto para a rua festejar, mas o facto de não ter tido exame de matemática (risos). Só lentamente é que fui perdendo depois a minha burrice e percebendo o que de facto tinha acontecido".
ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO
Foi através de um pequenino rádio a pilhas que António Manuel Ribeiro, músico dos UHF, percebeu, bem cedo, na manhã do 25 de Abril, que algo de estranho se passava no país. "Eu tinha muito o hábito de adormecer com aquele rádio e mesmo quando acordava para ir para as aulas a primeira coisa que eu fazia era voltar a ligá-lo. Mas naquela manhã só se ouviam músicas militares e de paradas e eu achei aquilo muito estranho. Desci ao rês do chão onde estava um aparelho de rádio melhor mas continuava a ouvir-se exatamente a mesma coisa. Entretanto começaram a sair comunicados sobre o que estava a acontecer, mas o meu pai, como bom chefe de família, pegou em mim, como costumava fazer, e foi levar-me à escola, ao liceu de Almada. Claro que às nove da manhã aquilo estava tudo num reboliço", conta. "Passado pouco tempo regressámos a casa e passámos o resto do dia ligados à rádio e a televisão que só tinha dois canais. Depois veio então a leitura do comunicado da MFA que nos pedia para ficarmos em casa. Escusado será dizer que veio tudo para a rua. E só esse facto já era sinal de que algo tinha mudado, uma vez que antes do 25 de Abril os ajuntamentos não permitidos. De repente não havia polícia na rua". António Manuel Ribeiro, à data com 19 anos, tinha acabado de entrar diretamente na faculdade mas o Serviço Militar Obrigatório era um fantasma para todos os jovens da sua geração. "Se chumbássemos éramos logo incorporados e mesmo depois do curso estávamos destinados a cumprir a tropa. Por isso, ainda sem sabermos bem o que ia acontecer, aquela revolução foi primeiramente uma esperança para mim."
MARCO PAULO
Apesar das mudanças políticas e sociais que o 25 de Abril trouxe a Portugal, Marco Paulo não pode dizer que do ponto de vista pessoal e artístico, a revolução lhe tenha trazido boas memórias… pelo menos no início. Na manhã do golpe de Estado, o cantor ainda andava em digressão pelo Canadá a cantar para as comunidades portuguesas. Chegou a Portugal uns dias depois e assim que aterrou em Lisboa foi apanhado de surpresa com um aeroporto repleto de militares. "No início ninguém percebi bem o que estava a acontecer. Estava a confusão instalada", lembra. Marco recolheu as malas, ainda mal podendo adivinhar que aquela revolução histórica iria trazer um enorme tumulto à sua vida. O País rapidamente se desinteressou pela música ligeira ou romântica, muito conotada com o Estado Novo, e o próprio mercado começou logo a procurar outros artistas, sobretudo os cantautores. A caminho dos trinta anos, Marco Paulo ficou quase um ano sem atuar, até decidir "começar a aceitar tudo o que aparecia". Nessa fase cantou em "discotecas e fez várias digressões pelo país com companhias de circo como atração principal". É dessa altura, de resto, que vem um dos momentos mais insólitos da carreira de Marco Paulo quando o artista se viu obrigado a dar "três espetáculos dentro de uma jaula com leões". Ainda assim, ganhava "150 euros por mês e foi assim que conseguiu sobreviver."