Quem matou Rosalina Ribeiro? Duarte Lima foi caçado pelos "pardais" e tramado por uma "fatura". Polícia que investigou o caso conta tudo
Excessos de velocidade apanhados por alguns dos 34 radares entre o antigo Hotel Sofitel, no Rio de Janeiro, e a estância turística de Maricá, a 70 quilómetros de distância, colocam o ex-advogado e ex-dirigente do PSD no local do crime, na véspera e no dia do assassinato de Rosalina com dois tiros. Depois de andarem meses e meses a investigar pistas falsas dadas pelo suspeito, como a da ficcionada Gisele, eis que o ex-político se trai e pede uma faturinha do carro alugado. Tramou-se. Os contornos de uma história que dava um "policial".
Foram os excessos que tramaram o ex-advogado de negócios e ex-líder parlamentar do PSD Domingos Duarte Lima, de 67 anos, no caso da morte com dois tiros à queima-roupa de Rosalina Ribeiro, na noite de 7 de dezembro de 2009 numa berma de estrada em Maricá, no Brasil. O excesso de zelo. O excesso de poupança. Os excessos de velocidade. Os excessos de incongruências.
Mas para compreender o que se passou é preciso recuar mais de uma década, voltar ao Brasil, e reconstituir o que aconteceu. Foi o que a FLASH! fez... há 11 anos, dois após a morte de Rosalina.
Em 2011, a FLASH! esteve em Maricá, Saquarema, e falou também com o agente especial da polícia do Rio de Janeiro que investigou no terreno a morte à queima-roupa com dois tiros da herdeira Rosalina Ribeiro, de 74 anos, a antiga secretária e última companheira do multimilionário Tomé Feteira, e descobriu quais os indícios que levaram as autoridade policiais a suspeitar do envolvimento e culpa do ex-político português.
Os 70 quilómetros de auto-estradas e vias rápidas que separam o Rio de Janeiro de Maricá estão minados de radares de controlo de velocidade. Em 2009, quando se deu o homicídio, existiam 34 destes aparelhos, a maior parte deles escondidos e colados a postes de eletricidade ou mesmo colocados nas costas dos sinais de aviso de limite de velocidade. Os brasileiros que viajam por aquelas vias já se habituaram à sua presença, desde que, em 2001, as autoridades rodoviárias do Estado do Rio de Janeiro ali as instalaram e até lhes chamam carinhosamente "pardais".
Ora foram precisamente os "pardais" quem colocam o Ford Focus prateado com a matrícula HCF-1967 que Domingos Duarte Lima tinha alugado na cidade de Belo Horizonte à empresa Locacar - pertencente a Rogério Birchal, mas que estava registado em nome da mãe do empresário brasileiro, uma senhora que à data dos factos estava acamada e tinha 84 anos - na mira das autoridades.
O investigador da polícia do Rio com quem a FLASH! conversou telefonicamente à época revela que a referida viatura, conduzida por Domingos Duarte Lima, foi "caçada" a circular em excesso de velocidade por vários destes radares, não só na data e nas horas do crime como também na véspera do assassinato, no dia 6 de dezembro de 2009.
TRAÍDO POR UMA FATURA... E NÃO SÓ
Para se compreender as certezas da polícia brasileira em relação ao envolvimento de Domingos Duarte Lima na morte de Rosalina Ribeiro, convém recordar o que o investigador revelou em 2011 à revista portuguesa. "O 'flash' que mudou o rumo da investigação ocorreu em dois momentos distintos. Três meses depois de ter falado connosco, Duarte Lima pediu à empresa de aluguer do carro, em Belo Horizonte, uma fatura de 1.500 reais (na altura cerca de 604 euros) para meter no imposto de renda em Portugal", revela.
Esta atitude estranha do conhecido advogado português foi a gota de água que fez mudar todo o foco da investigação policial e abriu a porta para a alegada descoberta da autoria do crime. "Com isto Duarte Lima traiu-se completamente e, a partir daqui, começámos a investigar o trajeto do Ford Focus. Chegámos às várias multas que apanhou, registadas pelos radares à entrada e saída de Maricá; encontrámos os registos do sinal do seu celular e foi assim que concluímos que ele esteve no local do crime na véspera (dia 6 de dezembro de 2009) e na noite do crime (7 de dezembro) entre as 21h38 e as 22h37, dando exatamente meia hora para cada lado até ao local onde o corpo de Rosalina foi encontrado. A hora registada do óbito foi às 22h00", revela o delegado à FLASH!
Só que o rasto de Duarte Lima e os seus "comportamentos estranhos" quando da sua passagem pelo Rio de Janeiro, antes e depois do óbito, despertaram a atenção da polícia. "A primeira atitude suspeita foi a de ter dito às autoridades que se encontrou com Rosalina numa lanchonete perto da casa dela. [N.R.: na marginal de Botafogo, bairro do Rio de Janeiro onde vivem muitos portugueses]. Ora a única lanchonete próxima só tem cara beberão bebendo cachaça e caindo grosso. Como é? Marca encontros com uma cliente destas numa lanchonete destas?", deixa no ar a questão.
Deixa no ar, mas revela um novo facto e coloca de seguida outra pergunta mais pertinente: "Quando regressou ao Rio, vindo de Maricá, pouco depois das 23 horas, o carro foi de novo apanhado pelos radares do túnel que liga a zona norte à zona sul e, no hotel Sofitel [N.R.: hoje, Fairmont Rio de Janeiro Copacabana], onde dormiu, nem sequer meteu o carro na garagem. Para quê? Para economizar? Para não pagar 20 euros de estacionamento? Ele que até fatura de café cobrava à cliente quando vinha ao Rio de Janeiro para se reunir com ela? Será que era porque sabia que já não tinha cliente a quem cobrar o parqueamento?", remata.
O investigador garantiu em 2011 à FLASH! que as pistas falsas dadas por Duarte Lima no Brasil fizeram as autoridades policiais perder imenso tempo. "A mais impressionante de todas foi a criação da Gisele, a alegada mulher com quem Rosalina se teria encontrado no hotel Jangada em Maricá. Com base nisso investigámos mais de 200 Giseles com as características que ele tinha apontado e foi tudo inconclusivo", revela.
Numa busca considerada desnecessária, o mesmo agente policial avança que Giseles próximas de Duarte Lima apenas existia uma, que era irmã de Bruno São Vicente, à data dos factos seu sócio na Vicente Internacional, uma empresa de moda, mas mesmo essa não encaixava no perfil por ser morena e não loira, como o suspeito tinha referido. "Havia uma outra Gisele, a que Duarte Lima chama na sua página na internet de Anjo do Horizonte, mas que é uma mera ficção. Essa história da Gisele só vai colar como fundamento se a criatura for uma extraterrestre", avançou o delegado.
ASSINATURAS FALSAS E 28 MILHÕES A VOAR
No início de 2011, os investigadores cariocas tinham apurado que a antiga secretária e amante do multimilionário português Tomé Feteira tinha descoberto quem falsificou, e como teriam sido forjadas as suas assinaturas, e ainda como 28 milhões de euros foram transferidos das suas contas pessoais para as do advogado Domingos Duarte Lima abertas em bancos em vários países. "Rosalina Ribeiro já tinha descoberto e continha na pasta que levou para o encontro com o advogado as provas de quem falsificou a sua assinatura em inúmeras transferências bancárias intercontinentais no valor de 28 milhões", avança o delegado brasileiro.
Depois de três adiamentos do julgamento, o processo em que Domingos Duarte Lima é acusado do homicídio de Rosalina Ribeiro viu na quarta-feira da passada semana, no tribunal de Sintra, um novo volte face processual - logo no arranque da sessão, o advogado de Duarte Lima apresentou um incidente de recusa da juíza.