"Se há pancada é porque estou a incomodar alguém". As respostas que faltavam e as acusações sem medo de José Rodrigues dos Santos
No momento em que vê um dos seus livros mais vendidos ser transformado numa série para a Globo e RTP e se prepara para entrar no mercado chinês, o pivô e autor esclarece dúvidas e questiona líderes e políticas.
Tem o seu livro 'O Cisne Branco' pela primeira vez editado na China. Mas não é por estar a chegar a esse mercado que muda a sua opinião ou deixa de questionar a política daquele país e as dúvidas que ficam com a sua aproximação à Rússia e as dúvidas que ainda ficam com a origem da pandemia de coronavírus. Em entrevista à The Mag, José Rodrigues dos Santos fala no seu tom habitual: sem medos, pragmático, chamando as coisas pelos seus nomes. Não teme ser "saco de pancada" - diz, aliás, que incomodar é a função de um escritor. E está feliz por ver uma das suas obras adaptadas a série pela Globo e SP, para a RTP. Uma nova fase que começa na sua vida mas que não interrompe o percurso de ator best-seller, recordista de vendas e traduções pelo mundo.
Este é um verão cheio de novidades. A mais badalada é a adaptação do seu best seller, ‘Codex 632’, a série. Teve algum papel (além de ser autor da obra original) nesta adaptação? Falaram consigo, ajudou o argumentista?
Este é um verão cheio de novidades. A mais badalada é a adaptação do seu best seller, ‘Codex 632’, a série. Teve algum papel (além de ser autor da obra original) nesta adaptação? Falaram consigo, ajudou o argumentista?
Ser adaptada para a RTP (claro que também é para a Globo, mas neste caso para a RTP) é algo que lhe agrade por ser essa a sua casa? Ou no que toca a obra literária, nada a ver?A minha vida enquanto romancista é separada da minha vida enquanto jornalista. De qualquer modo, não me é evidentemente indiferente que seja a RTP a fazer a adaptação. Houve interesse de várias televisões, mas acho que foi destino.
O que é que o 'Codex 632' tem de particular para ser um sucesso em TV, tal como foi (e é) em romance?É um mistério em torno dos Descobrimentos portugueses... e muito mais do que isso. A série tem excelentes atores. Tem também produtores muito bons, como a Globo e a SP. O argumento tem confronto, mistério, tensão emocional. Vamos ver como reagirá o público em Portugal e no Brasil. O livro vendeu muitíssimo bem nos dois países, pelo que o potencial existe.
"Não me é evidentemente indiferente que seja a RTP a fazer a adaptação. Houve interesse de várias televisões, mas acho que foi destino."
Ao mesmo tempo editou pela primeira vez na China. Isso é curioso. Recordo-me que quando editou 'Imortal' deu entrevistas nas quais se pronunciou sobre os "perigos" que podiam vir daquele país… e alguns dessas opiniões tornaram-se cruéis realidades. Como olha tudo isso hoje? A evolução dos acontecimentos na China não deixa muita margem ao otimismo, sobretudo à luz dos acontecimentos na Ucrânia e ao apoio que o Partido Comunista Chinês está a dar à Rússia. Isso reflete uma realidade que nos deve deixar muito preocupados. Começa a desenhar-se um confronto mais vasto entre o Ocidente democrático e um mundo autocrático e ditatorial.
Quando surgiram os primeiros casos de covid pensou nesse romance? E o que pensou?A forma como a China lidou inicialmente com a covil-19, prendendo os corajosos médicos e jornalistas chineses que tentaram avisar para o que se estava a passar, foi muito grave. Tal como é muito grave que a China mantenha uma política de obstrução à investigação da OMS sobre as origens da pandemia e se mantenha opaca sobre o que realmente aconteceu. Isto reflete um 'modus operandis' típico de uma ditadura mais preocupada em proteger a sua imagem do que em resolver efetivamente os problemas e aprender com eles para que não se repitam.
"É muito grave que a China mantenha uma política de obstrução à investigação da OMS sobre as origens da pandemia e se mantenha opaca sobre o que realmente aconteceu"
Voltando ao Brasil e agora à Globo – que é parceira na adaptação de ‘Codez 632’. Tem novos títulos ali editados. É um mercado apetecível para um autor, ou no seu caso já só pensa à escala global?O global começa com o local. Estar no Brasil não significa que se seja global, mas para se ser global é preciso também estar no Brasil. Sendo que a minha ideia não é simplesmente ser publicado em muitos países, mas ser publicado com muita visibilidade. De nada serve dizer que estou no país A ou B se, nesse país, ninguém me ler à exceção de 500 ou 600 pessoas. Temos de ir muito para além disso.
Quanto tempo passa em pesquisa, antes de começar a escrever?
Quanto tempo passa em pesquisa, antes de começar a escrever?
Já foi acusado de "saber demais"? Ou melhor, já teve receio de "saber demais" e que isso fosse demonstrado nos seus livros, mesmo sem ser real?Não percebo bem a pergunta. Tudo o que sei resulta das minhas pesquisas. O que procuro fazer é passar ao leitor o resultado do que descobri, só que em forma de um romance. A ideia é aprender e refletir sobre coisas verdadeiras com base numa narrativa agradável de ler. Procuro também ser honesto, no sentido em que não me inibo de dizer uma coisa, mesmo que politicamente incorreta, se perceber que ela é verdadeira. A literatura é sobre a verdade, não uma acomodação às ideologias do momento.
"Procuro ser honesto, no sentido em que não me inibo de dizer uma coisa, mesmo que politicamente incorreta, se perceber que ela é verdadeira. A literatura é sobre a verdade, não uma acomodação às ideologias do momento"
Sobre o que lhe apetece escrever neste momento?
Apetece-me escrever justamente sobre o que estou a escrever. A escrita para mim é puro prazer, pelo que espero que o leitor sinta prazer na leitura.
Mudou de editora. O que podemos esperar do próximo livro?Algo que nos vai deixar a todos surpreendidos. E mais não posso dizer.
"O meu compromisso é com os leitores e só eles valorizo. Quantos escritores não se tornaram sacos de pancada por se atreverem a dizer o que não podia ser dito? Mas é esse o trabalho de um escritor"
Uma colega de profissão, Judite Sousa, disse há pouco tempo que o José é um "saco de pancada". Concorda?Não frequento as redes sociais, pois são espaços pouco sãos e campos de batalha de campanhas negras de partidos políticos, mas dizem-me que há aí permanentes tentativas de descredibilização. Não dou grande importância. O que me interessa não são os partidos políticos que usam perfis falsos para fazer campanhas contra pessoas que os incomodam por se recusarem a alinhar e ir ao beija-mão, mas os leitores. O meu compromisso é com os leitores e só eles valorizo. A literatura não é um compromisso com a política e as ideologias, é justamente uma rotura com elas, é um permanente questionar dos valores, dos mitos e dos tabus do seu tempo. Fazer isso não agrada ao poder instituído, como é evidente. Quantos escritores não se tornaram sacos de pancada por se atreverem a dizer o que não podia ser dito? Mas é esse o trabalho de um escritor. Se há pancada é porque estou a incomodar alguém. É isso o que os escritores fazem. Incomodam.