Viagem pelas memórias e o mundo secreto de Lili Caneças em Cascais: "Quero chegar a velha nova"
Aos 77 anos, Lili Caneças vive feliz em Cascais, a vila que a acolheu quando tinha apenas dez anos e onde diz ter aprendido a viver “o aqui e o agora”. A socialite aceitou o desafio da FLASH! e mostrou alguns dos pequenos prazeres que a fazem gostar tanto desta terra, Veja o vídeo e leia a entrevista.
Vive há 67 anos em Cascais. Lili Caneças tinha apenas dez quando deixou Peniche com os pais e foi viver para aquela vila. Natural da Guarda, Maria Alice Monteiro, filha de pai comandante da Marinha de Guerra e de mãe pianista, apaixonou-se, separou-se, foi mãe e avó em Cascais, o lugar que escolheu como casa e onde se sente "muito feliz".
Tem dois filhos, Rita e João, e três netos, João, de 22 anos, Pedro, de 19 e Inês de 14. Em Cascais, Lili diz ter tudo o que é preciso e por isso foi com prazer que aceitou falar das suas vivências e dos locais de que mais gosta e recomenda a todos que visitam a vila.
Era uma criança quando veio viver para Cascais.
Era um bebé! Muito convencida de mim própria, porque vinha de Peniche onde o meu pai era comandante do Porto de Peniche numa altura em que ser comandante da Marinha de Guerra era um prestígio. Só uma elite é que ia para a Marinha de Guerra e ser filha do senhor comandante numa terra de pescadores era quase como se fosse a Cleópatra no Egipto. O meu pai às vezes mandava prender os pescadores, porque estavam um bocadinho embriagados e depois vinham as mulheres pedir-me para "pedir ao paizinho" para os libertar. O meu pai tinha duas paixões, o mar e o Sporting. Se o Sporting ganhasse então eu dizia: "ó papá aquele senhor, coitadinho, bebeu um bocadinho demais para festejar". E eu, aos seis anos, tinha assim o poder de libertar prisioneiros sem perceber que de facto era poder e era realizado por mim. E toda a vida consegui coisas que depois pensei caramba, são coisas extraordinárias que de facto fizeram aquilo que hoje sou, que é uma pessoa com uma vivência enorme, em que realizei quase todos os meus sonhos e em que me tornei na Lili Caneças conhecida por toda a gente. Às vezes amada, outras vezes odiada, e outras vezes só pelo facto de respirar já acham que me deviam pôr uma almofada na cara para ver se deixava de respirar (risos). Mas devo dizer a essas pessoas que continuo a beber sumo de laranja, faço exercício físico, tenho muito cuidado com a alimentação, durmo imenso, durmo pelo menos oito horas, o que é super importante porque, como diz o meu querido Manuel Pinto Coelho, quero chegar a velha nova.
Como era Cascais nessa época?
Quando vim para Cascais era a terra mais glamourosa de Portugal porque estavam cá as famílias reais no exílio, o rei de Itália, o rei de Espanha, a rainha da Albânia, o rei Carol da Roménia, a rainha da Bulgária. Nessa época Cascais era uma vila de reis e de pescadores mas cheia de glamour. Aliás, vinha gente do Mundo inteiro para os visitar. Conheci aqui no Casino [do Estoril] a Grace Kelly, a Jacqueline Kennedy, personalidades da aristocracia, da alta sociedade, do jet set mundial que vinham para Cascais visitar as famílias reais, o que de facto dava um glamour a Cascais porque era gente bonita, gente bem vestida. E eu ia para a praia do Tamariz, mesmo pequenina, porque nas outras praias tínhamos de usar fato de banho completo e na praia do Tamariz como estavam as princesas todas, os cabos do mar não tinham coragem para lhes dizer que tinham que ir vestir o fato de banho completo, e então eu podia usar biquíni e sentia-me feliz. Só pelo fato de poder apanhar sol com biquíni já me dava felicidade. E tive a sorte também de nascer de bem com a vida. A minha mãe disse-me sempre que o primeiro som que ouviu quando eu nasci foi uma gargalhada e não um choro normal de uma criança. A minha mãe era pianista clássica portanto os primeiros sons que ouvi foi Mozart, Chopin, Beethoven, sons lindíssimos que condicionaram a minha vida por este encanto que tenho pela arte. A arte para mim é um caminho para a felicidade e acho que todos nós nascemos para sermos felizes.
E Cascais tem tudo para a Lili ser feliz?
Sinto-me muito feliz aqui. Agora que tive muito tempo para pensar [durante o confinamento] tenho muitas saudades de quando os meus filhos eram pequeninos, mas tudo isso passou. Fomos uma família muito feliz. Chegando a esta etapa da minha vida tenho pena mas construí a minha casa na Quinta da Marinha ao estilo do Frank Lloyd Wright, que era o meu arquiteto favorito. O meu irmão era arquiteto e teve a pachorra de me fazer tudo como eu queria e levei quatro anos a construí-la. Foi a casa onde vivi com a minha família até a minha separação. Depois não me apeteceu ficar lá, apeteceu-me começar a viver a vida. A minha vida começou aos 37 anos quando me separei, porque até lá o que é que eu fazia? Ia buscar os meus filhos ao colégio, ia ao mercado, recebia pessoas em casa, era digamos uma daquelas housewifes de Beverly Hills mas da Quinta da Marinha que era, na altura, a Beverly Hills cá do sítio.
"A minha vida começou aos 37 anos quando me separei"
OS FAMOSOS QUE CONHECEU
Tem saudades desses tempos?
O passado fez de mim a pessoa que hoje sou evidentemente, os contactos que tive, a vida privilegiada, as pessoas fantásticas que conheci. Desde o Omar Sharif, do Roman Polanski ao Jack Nicholson, aos Beattles conheci-os todos, vi a Renata Tebaldi no Met Opera em Nova Iorque. Vi os maiores atores de teatro no palco, todos os melhores consegui ir ver, vi a Evita em Nova Iorque, o último que vi foi o Jude Law no Hamlet em Nova Iorque, na primeira fila. Tive a sorte também de ver Marcello Mastroianni. Quando fiz 18 anos estava em Roma e consegui também uma primeira fila para o ver, ele que era bailarino e cantor no musical Ciao Rudy onde interpretava a vida de Rudolph Valentino. Portanto todas essas vivências com pessoas extraordinárias fazem de mim uma pessoa rica em conhecimentos e em valores, e depois da minha mãe adquiri a parte artística, do meu pai adquiri a parte do carácter e responsabilidade e dignidade. O meu pai dava a vida pela Pátria se fosse preciso portanto era herói do mar nobre Povo. Hoje em dia, chegámos a um ponto, não me querendo meter em política, mas uma coisa que me faz um bocadinho de impressão é sempre ver o nosso povo de mão estendida à espera do dinheiro que vem da Comunidade Europeia. Faz-me muita impressão e de política ficamos tratados.
Foi difícil estar sozinha nos confinamentos?
Com a pandemia estive 16 meses completamente sozinha. Passei o Natal pela primeira vez na minha vida sozinha e não tive problema nenhum. Percebi que o isolamento serve para nós provarmos a nós próprios que não somos escravos. Fernando Pessoa dizia que no isolamento deixamos de ser escravos, porque quando provei a mim própria que era auto suficiente em coisas mínimas como lavar o cabelo, fazer um brushing, tirar o gélinho das unhas… Coisas que as pessoas acham que é muito fácil, mas não é, contudo ficava muito satisfeita com as minhas pequenas vitórias. Depois quando comecei a dar os passeios na minha área de residência, e a minha área de residência é a marina de Cascais, e lá ia eu para o Gordini tomar o meu cappuccino. Estou num sítio tão bonito, tão bonito e vivo, onde aprendi a viver o aqui e o agora.
LOCAIS A VISITAR EM CASCAIS Para quem não conhece quais são os locais obrigatórios para visitar e conhecer em Cascais?
O Centro Cultural de Cascais, que é no jardim da minha casa que é o Parque da Gandarinha, o Museu Condes Castro de Guimarães que é lindíssimo e era uma casa de veraneio de uma família aristocrata, a Casa das Histórias da Paula Rego que além de ter obras extraordinárias foi desenhado pelo Souto Moura que é prémio Pritzker, portanto só a casa em si, mesmo para quem passe por fora, já é uma mais valia para ver uma obra de arquitetura, que para mim também é arte. Temos também o Palácio da Presidência que é lindo. Aliás, se eu fosse o nosso querido presidente estava lá viver porque é acima do mar. O príncipe Alberto do Mónaco vem muitas vezes para aqui e diz que gosta muito mais da baía de Cascais do que da do Mónaco, e de facto o Palácio da Presidência, que foi mandado construir pelo rei D. Luís, é maravilhoso. Depois temos o melhor peixe do Mundo, temos o melhor marisco do Mundo e temos um povo super simpático, acolhedor e que tem sempre um sorriso.
Depois temos a Praia do Guincho que acho que é a melhor praia do mundo. É lindíssima quando não está vento. Infelizmente o problema de Cascais é o vento e o vento enlouquece. Às vezes não saio de casa porque não aguento apanhar vento ou então vou ao Cascais Shopping, porque o nosso shopping também é muito agradável, porque tem espaço, tem lojas bonitas, é civilizado, é grande, agora até nos dias de muita ventania vou para lá andar. E têm de ir á Marina porque está um estrondo, está toda nova, está uma marina de categoria para qualquer lado do Mundo e eu lutei muito pela Marina porque haviam aqui uns ‘Velhos do Restelo’ que achavam que Cascais ia ficar destruída com uma marina, e eu perguntava o que seria de Palm Beach sem a marina? O que seria de Monte Carlo sem a marina? O que seria de Saint Tropez sem a marina?
Cascais tem tudo?
Tem tudo e de fato tenho que agradecer ao Carlos Carreiras, porque ele conseguiu devolver o glamour que Cascais tinha nos anos 60 porque os jardins estão lindos. Basta comparar com Lisboa e vesse a diferença – os jardins em frente da Chanel, Cartier, tudo cheio de ervas, é um horror. Aqui não. A paisagem de Cascais é lindíssima e depois temos a parte da moda e aí temos de falar evidentemente da Loja das Meias, porque tem tudo. Têm sapatos, têm carteiras, têm joias, têm vestidos de noite e de dia, tailleurs, tem tudo para sairmos de lá cheias de auto estima e isso também contribui para a nossa felicidade.
"Falta-me crescer em espiritualidade para me preparar para a minha grande viagem para a eternidade"
Nunca quis sair de Cascais?
Não! Houve uma altura em que Cascais estava muito mal e estava tudo muito porco, muito sujo e desgraçado. Logo a seguir ao 25 de abril ficou uma bandalheira completa, porque achavam que só viviam aqui fascistas e depois as pessoas fugiram para o Brasil. Fugiram sem ter razão absolutamente nenhuma. Eu vivia numa casa com 1200m2 e andava num jaguar cabriolet e nunca ninguém me chamou fascista. Portanto sinto tão feliz e tão bem aqui que não quis viver noutro lugar. E há uma coisa muito gira, é que eu hoje contento-me com coisas pequenas como andar a pé até á marina, tomar um cappuccino, viver o aqui, o agora, o presente, não pensar no amanhã. Uma vez fui operada no hospital de St Louis no Bairro Alto e vi uma estátua do Fernando Pessoa na porta e eu quis ficar nesse quarto, apesar da diretora ter insistido para mudar para o do lado. Já agora queria ficar no quarto onde o Fernando Pessoa esteve lá uma noite, e esteve lá porqué? Porque morreu lá mas só me disseram no fim da operação, no dia seguinte. E nessa noite Pessoa escreveu no quarto, com uma letra muito nítida ‘I know not what tomorrow will bring’. Ele teve a noção de que ia morrer e escreveu: 'eu não sei o que é que o amanhã me trará’.
SONHOS POR REALIZAR
Tem medo de morrer?
Não tenho mas tenho pena, porque gosto tanto da vida e acho que a vida é um privilégio. É um banquete do qual realmente temos que usufruir e viver em pleno cada dia como se fosse o último.
"A vida é um banquete do qual temos de usufruir e viver em pleno cada dia como se fosse o último"
Que sonhos ainda estão por realizar?
Já viajei muito mas gostava de fazer uma volta ao Mundo. Antes da pandemia pensava nisso, em viajar dois ou três meses de avião para dar a volta ao Mundo. De barco não porque demora muito e já não tenho paciência. Tudo o que quis fazer eu fiz, os bens materiais também já tive tudo, tive filhos, netos, vivo num sítio lindíssimo. Também já não ambiciono viver um grande amor, se chegar será bem vindo, mas se não aconteceu antes não parece que vá acontecer agora. Por isso aquilo que me falta penso que seja crescer em espiritualidade para me preparar para a minha grande viagem para a eternidade. Estou certa de que Deus me dará algum sinal como me deu sempre, nas minhas maiores decisões contei sempre com ele. Quero crescer em espiritualidade e que o meu crescimento e que essa evolução me ajudem a ser um melhor ser humano.
Imagem vídeo: Diogo Athouguia
Edição: Statement/Nuno Santos, para a FLASH!
Produção: Statement
Maquilhagem: Magali Santana
Styling: Lili Caneças
Agradecimentos: Centro Cultural de Cascais; Museu Condes de Castro Guimarães; Fundação D. Luís I; Loja das Meias de Cascais, Restaurante Beira Mar, Conversas da Gandarinha, Jean Louis David Cascais