
Faltam poucos mais de dez dias para Luís Costa terminar um novo ciclo de quimioterapia. Está no início da segunda semana de tratamentos, estão previstas três quando trocamos mensagem. Os tratamentos são fortes e por isso o DJ Magazino tem ficar internado. Se tudo correr, como se espera, Luís poderá voltar a casa, a uma vida minimamente normal no final deste novo ciclo de quimioterapia. Aliás, Outubro tem sido um mês intenso para o DJ que desde dezembro de 2019 luta contra uma leucemia aguda.
Começou o mês a recuperar de uma operação, a terceira nos últimos dois meses. A 14 apresentou ‘Magazino Ao Vivo’, um livro escrito por si, com a ajuda da jornalista Ana Ventura, e que está dividido em três capítulos que representam as diferentes etapas da sua vida. "O Luís, o Magazino e a Luta", refere o autor que escolheu a discoteca Lux para a apresentação. Dois dias depois, a 16, voltou a atuar na piscina do Belenenses, depois de quase dois anos sem meter música. "Foi uma catarse geral de celebração à vida", escreveu o DJ nas redes sociais, juntamente com imagens e vídeos dessa tarde, noite de festa.
"Não há maior desafio que lutar pela própria vida"
"Pode parecer um contrassenso mas, quanto mais más notícias eu tenho, mais me consigo focar, ter energia e motivação para lidar com esta merda e dar a volta por cima. Tenho mesmo sentido isso: cada vez me sinto mais forte, é a isso que me agarro e é com isso que vou conseguir vencer esta doença", escreve Luís Costa no seu livro onde fala de tudo. Dos seus 44 anos de vida. "Desde as viagens, a família, mulheres, os amigos, colegas, cabines, hotéis, palcos, drogas, tours, camas de hospitais e por aí fora", diz, sobre o livro cujas vendas revertem para a Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL) e a Heal Me. Esta última tem-lhe dado ferramentas "para acordar todos os dias feliz e motivado para enfrentar um dia de cada vez". Mas nem sempre foi assim. Quando descobriu em finais de 2019 que a razão do seu cansaço era uma leucemia, Magazino demorou meses a aceitar. Mais precisamente três. "Fiquei muito revoltado, não conseguia aceitar", já disse por várias vezes lembrando o que sentiu face ao diagnóstico clínico.
"Lembro-me que senti o mesmo que senti quando me ligaram da GNR – quer dizer, do telefone da minha mãe mas com um GNR a ligar – a dizer que a minha mãe tinha morrido. Senti o mesmo, só não me mijei. Quando me ligaram a dizer que a minha mãe tinha morrido, mijei-me um bocado. Desta vez, não me mijei mas tive a mesma sensação: foi terrível, foi sentir o chão a desabar, mesmo; foi sentir medo e foi um frio na barriga – só que não é um frio bom. Foi terrível.", confessa o DJ e um dos sócios da editora Bloop.
A MORTE PREMATURA DA MÃE
Luís, filho de açorianos, pai advogado, mãe professora, nasceu e cresceu em Setúbal. Tem um irmão mais velho, também advogado. Tinha dez anos quando os pais se separaram, o que aconteceu por o pai se ter apaixonado por outra mulher. Demorou anos até voltar a ter uma relação normal com o pai. "Agora não os culpa, até porque já lhe aconteceu", conta no livro. O pai não aceitou de imediato a profissão de DJ, ao contrário da mãe, que morreu num acidente de viação com 58 anos, que sempre o apoiou. Foi a 22 de dezembro de 2008 no quilómetro 22 da A2. Desde essa altura deixou de celebrar o Natal. Seguiram-se dois anos de terapia.
Mas recuando no tempo. A primeira coisa que quis ser na vida foi jogador de futebol. Aos dez anos entrou para o Vitória de Setúbal, para os infantis. Tinha o sonho de ser jogador de futebol escreve no seu livro. Um sonho que durou até aos 17 anos. Altura em que começou a "meter discos" e a ai tornou-se incompatível. "Nem era bem visto na equipa. Na altura, decidi por aquilo que me dava mais frio na barriga: e isso era a música", conta. Tinha 23 anos quando saíu de casa da mãe. Aos 27 anos foi viver para Barcelona e viveu lá durante dois anos e meio. Foi para estudar engenharia- áudio e acabou a estudar a engenharia da noite, diz. Depois viveu no Porto seis meses mas depois a mãe morreu. Voltou a Setúbal, mas a cidade já era pequena demais e mudou-se para Lisboa, onde ainda vive.
"Não sinto medo de morrer (...) estou a dar o melhor de mim"
"De nada me valerá o esforço que tenho feito se não conseguir chegar à meta que tracei. Não me conformo com o que já fiz e só terei sucesso se sobreviver", diz Luís no seu livro. "Antes, tinha medo de morrer – tipo, nas viagens de avião, apanhei sustos do caraças e ficava muitas vezes siderado. Mas, agora, sinto-me tão em paz comigo, com o trabalho que estou a fazer, espiritual, dentro de mim, que já não tenho esse medo. Apesar de ter a certeza que vou sobreviver, tenho essa forte convicção! Não sinto medo de morrer porque sei que estou a dar o melhor de mim. Se for, pelo menos, dei o melhor de mim. Não sinto medo de morrer. É isso que digo ao meu pai e ao meu irmão – falo com eles várias vezes e foi isso que lhes disse quando contei que a medicina convencional já não podia fazer muito mais por mim. Disse-lhes, por exemplo, a quem é que queria destinar as coisas que tenho: o meu pai não quis ouvir e o meu irmão também não mas eles são advogados, têm que estar a par. Não tenho nada escrito mas já lhes transmiti, por alto, aquilo que gostava. Aquilo pelo qual eu tenho mais amor é pelos meus discos. Não fiz testamento porque não tenho posses: o que tenho é pouco, o meu bem mais precioso são mesmo os discos.
DE DJ DEL COSTA PARA MAGAZINO
"A primeira vez que toquei foi no dia 5 de Março de 1995. Foi na primeira sexta-feira de Março de 1995 e foi no Clubíssimo", recorda. Começou por ser o DJ Del Costa, nunca tocou como Luís. Foi assim durante dez, 11 anos. "Hoje em dia, a maior parte do pessoal chama-me Magas ou Magazino. Costa já muito pouca gente chama, só se for um amigo mais próximo e Magazino quem escolheu fui eu – porque estava farto do nome Del Costa, que ficou muito associado aos after-hours", recorda, explicando: "Achei que Magazino era um nome fixe porque estava em constante novidade.
É daí que vem o nome. Revista – magazine – Magazino. Del Costa não tinha mal nenhum mas eu queria começar uma nova vida: estava estagnado, estava a viver em Barcelona, comecei a descobrir novas sonoridades e queria tocar música diferente daquela que tinha tocado até então. Queria novidade, queria arrumar o Del Costa numa gaveta, bem arrumada, e queria começar uma coisa nova.", adianta o músico que em 2008 passou a ser também sócio da editora Bloop. Os sócios: "o Cruz, o Gil, o Mota e o Paulo Grade" foram os primeiros a ir ter com ele ao hospital quando soube que tinha uma leucemia.
AS FESTAS E AS DROGAS
"A primeira vez que tomei ecstasy foi no Climacz – uma pomba – tinham o desenho de uma pomba cravado na pastilha. As melhores eram as pombas. Tinha 17 anos. Dividiu ao meio com um amigo. "É uma sensação indescritivel: de euforia, de amor, de partilha". Iniciei-me no ecstasy em 1995 e, durante dois anos, fiz várias vezes, tanto ecstasy quanto LSD – que eram uns selos que também dividíamos, em quartos. O LSD eu fazia à tarde, quando íamos para uma espécie de serra, ao lado de Setúbal, que se chamava São Paulo. Íamos para lá explorar a natureza – quer dizer, íamos alucinar com LSD! Juntava-me com um grupo de amigos e íamos várias tardes. Andávamos, corríamos, ríamos – porque o LSD dá para rir e rir durante horas sem fim. Até ficava com dores abdominais, de tanto rir – o problema é quando a pessoa começa mesmo a alucinar. Foi por isso que, uma vez, eu disse que nunca mais ia tomar: e nunca mais tomei. Assustei-me bastante", confessa no seu livro.
"Com os ataques de ansiedade, fui parar ao hospital algumas vezes e houve duas mais graves. Isso tudo fez com que decidisse parar de tomar qualquer tipo de droga – incluindo café e tabaco. Nada. Parei com tudo de uma vez. Fiz isso tudo até aos 19 anos, quando tive uma depressão grande, e estive 18 anos sem consumir qualquer tipo de droga: nem um charro. Nada. Durante um ano e meio, também parei de beber porque estive a tomar Prozac, que é uma cena fortíssima. Deixei de ter picos de humor, fiquei muito mais estável e dormia muito bem. Não me sentia amorfo, por exemplo – mas tirou-me a líbido.", explicando que esteve um ano e meio a tomar antidepressivos.
"Em certa parte, a depressão ajudou-me a não me perder. A não entrar num caminho de perdição. De certa forma, foi como se a depressão fizesse com que eu ajuizasse e não continuasse a consumir drogas ou a apanhar grandes bebedeiras ou a fazer grandes noitadas. Por um certo lado, até foi positivo e o que é certo é que, ao fim de 25 anos, ainda estou cá e tenho a carreira bem sedimentada e estabilizada – e isso deve-se ao facto de ter conseguido levar uma vida minimamente regrada. Porque não é fácil: neste meio, não é nada fácil", confessa o DJ, salientando: "A explosão da coca, por exemplo, passou-me ao lado. Tanto que, no máximo, se eu dei cinco cheiros de coca, na minha vida inteira, é muito. Nunca foi uma droga que me despertasse interesse e ainda bem."
"Iniciei-me no ecstasy em 1995 e, durante dois anos, fiz várias vezes"
Passaram-se anos até voltar a consumir qualquer tipo de droga."Um dia, no Boom, estou com os meus amigos, eles estão todos animados e eu pensei "pá, OK, passaram 18 anos, quero mandar uma pastilha". E tomei: agora, de vez em quando, quando o rei faz anos, sempre fora de Lisboa e nunca a tocar, posso voltar a fazer. É raro mas sabe muito bem. Sinto que o relógio pára e eu viajo para uma galáxia à parte. É giro – desfoco, fico numa moderada euforia, o peito enche-se de emoção, o coração sobe à boca e lá fico horas a viajar, de um lado para o outro.", adianta.
AS NAMORADASConta no livro que perdeu a virgindade aos 17 anos com uma mulher de 22, que depois de ter tido conhecimento da sua doença o contatou pelas redes sociais. Diz manter uma boa relação com a maioria das ex namoradas. "Curiosamente, as minhas duas melhores amigas e as duas pessoas com quem eu mais desabafo são as minhas duas ex-namoradas. Não acho que tenha sido um mau namorado porque dei sempre aquilo que achava que era o melhor para as relações e que pensava que era o máximo que podia dar. Não me sinto arrependido mas sei que fui egoísta. Hoje em dia, fazendo uma análise fria sobre as relações que tive, podia ter dado mais. Na verdade, podia ter dado muito mais.", confessa em 'Magazino Ao Vivo'. "A qualidade que eu mais aprecio numa mulher: a atitude!", garante o DJ que na sua lista de namoradas conta com a manequim Telma Santos.
A LUTA DIÁRIA
"Eu finto a dor: se tenho uma dor no polegar esquerdo, abro a embalagem do shampoo com o polegar direito – é assim que faço. Mas há muitos outros efeitos secundários que a quimioterapia tem provocado no meu dia-a-dia: as dores nas articulações (sobretudo, nas mãos, nos joelhos, nos tornozelos... então, à noite...), as extremidades ficarem completamente brancas porque o sangue não chega (tenho que pôr as mãos debaixo de água a ferver para voltar a ter sensibilidade – porque o coração não bombeia com força suficiente) e a disfunção eréctil (continuo a ter desejo mas, como me explicaram as minhas médicas, a quimioterapia afecta a capacidade de se ter uma erecção). Falo abertamente disso, é assim que estou a lidar com esta consequência: para um homem, é sentir que a sua virilidade está a ser afectada mas é o que é. É das consequências mais complicadas de lidar– como é a queda de cabelo.", revela o DJ, certo de que "só a felicidade" o pode ajudar a vencer esta luta pela vida.
No livro fala também dos mais de 30 dias em coma, na sequência de ter ficado infetado com covid-19 no IPO e isso ter atrasado meses de quimioterapia e ter permitido o avanço da doença.
"A quimioterapia tem provocado no meu dia-a-dia dores nas articulações e disfunção eréctil. Falo abertamente disso, é assim que estou a lidar com esta consequência: para um homem, é sentir que a sua virilidade está a ser afectada mas é o que é"
O DIA DE AMANHÃ
Apesar de já lhe terem dito que as hipóteses são reduzidas, Luís Costa, não desiste de viver. "Vivo o presente. O passado é dor e o futuro vejo-o com muito receio", diz o DJ que quer deixar uma mensagem de esperança a todos os que, como ele, passam por problemas de saúde tão graves. "É preciso acreditar que se vão curar", diz o músico. No seu livro deixa claro que se vê a tocar pelo menos até aos 55 anos. "Acho que tenho, no mínimo, mais 10/12 anos pela frente, a tocar discos. É isto que eu sinto", escreve. Que assim seja para que possamos continuar a fazer reportagens com cada uma das suas conquistas.