
Conhecido pelo seu feitio irascível e explosivo, Sérgio Conceição tem também um outro lado, que quem priva com ele conhece, e que se prende com uma profunda sensibilidade e coração de ouro. São muitos os gestos solidários que o treinador faz questão de protagonizar, até porque ele próprio sabe bem o que é passar por uma vida de dificuldades.
Antes de ser futebolista, Conceição viveu uma infância dura marcada pela falta de condições económicas e que acabaria por culminar com a morte prematura de ambos os pais, com o futebolista a ficar, então, a cargo dos irmãos, numa família numerosa que foi ombro e essencial para que juntos superassem as adversidades.
Entre os gestos solidários de Sérgio Conceição, há uma história que o tocou particularmente, ao ponto de, dê as voltas que a vida der, a continuar a acompanhar. Trata-se da luta de Mariana, uma menina, adepta do FC Porto, que sofre de uma doença rara, a neurofibromatose, que provoca a degradação dos tecidos moles e ósseos e que a impede de andar. Atualmente com 17 anos, a condição obrigada a jovem a passar a maior parte do tempo internada, numa batalha em que conta com o apoio do seu grande ídolo.
Conheceu Sérgio Conceição há mais de três anos, quando este apareceu de surpresa no hospital, e desde então o técnico nunca mais esqueceu Mariana. Visita-a a regularmente e envolve também a mulher e os filhos nestes encontros, que gosta de partilhar nas redes sociais. Mesmo agora que se encontra em Itália, o técnico mantém o contacto e faz questão de visitar Mariana sempre que vai ao Porto, como aconteceu nos últimos dias, com o treinador e Mariana a divulgarem o momento do reencontro.
Um lado mais doce com que Sérgio Conceição contraria o seu passado, marcado pela falta de afetos, e que volta e meia, é notícia. Em 2023, por exemplo, o treinador fez questão de ajudar uma família com mercearias e presentes de Natal, depois de a mãe ter iniciado tratamentos de quimioterapia.
VIDA MARCADA PELA DOR
A personalidade mais dura de Conceição é vista como uma consequência da vida de adversidades que teve e que ficaria para sempre marcada pela morte dos pais.
"O meu pai morreu num acidente de moto. Eu estava num dos cafés da aldeia e foram-me chamar: quando cheguei, vi-o no chão, tiraram-me dali para fora. Mais tarde, soube que não tinha resistido ao acidente. O mais incrível é que eu e a minha família tínhamos estado a tentar dar-lhe a volta durante meses para me deixar ir para o FC Porto, porque ele não queria. Até que se deixou convencer e foi comigo assinar o contrato – no dia seguinte morreu. Foi terrível, para mim e para todos. A minha mãe estava numa cadeira de rodas paralisada de um dos lados, e faleceu dois anos depois", contou o treinador ao 'Expresso'.
A partir daí, a vida complicou-se, ainda que nunca tivesse sido propriamente fácil. Oriundo de uma família com oito irmãos, o treinador cresceu na humildade de quem sabe o valor do trabalho, das conquistas e de viver com os mínimos.
"Eu vi o sofrimento que eles passaram, a forma como trabalhavam para nos dar o mínimo. Eles não viviam, sobreviviam com muito sacrifício. A minha mãe estava em casa, o meu pai trabalhava nas obras, dia e noite, e eu ajudava-o nas férias", contou, adiantando que a realidade era muito diferente da que vive hoje, a todos os níveis, até nos afetos. "Não havia mimo. Os meus pais... principalmente o meu pai, era duro, rígido, dificilmente dizia a uma filho que gostava dele. Hoje digo muito aos meus filhos que os amo, mas era difícil o meu pai dizer isso a um dos oito filhos."
Ainda assim, o que faltava de afeto dos pais, Sérgio tinha a dobrar dos irmãos, quase todos mais velhos, que lhe deram sobrinhos desde tenra idade. Um deles, Bruno Conceição, recordaria recentemente ao jornal 'A Bola' esses tempos marcados pelas dificuldades, mas também por um espírito de união acima da média.
"Vivíamos todos na casa dos meus avós (pais de Sérgio Conceição). Foi assim desde que me lembro e até o Sérgio ir para o FC Porto, quando tinha 15 anos. Fazíamos tudo juntos, dormíamos no mesmo quarto e na mesma cama, uns com pés para um lado, outros com as cabeças para o outro. Era a nossa realidade. Eram tempos muito difíceis. Mas todos seguimos um rumo certo na vida, com valores e princípios de que nunca abdicámos. O Sérgio, por ser o mais velho, era o nosso chefe. E nós acatávamos sempre as ordens dele."
Há quem diga que a 'casca grossa' de Conceição vem precisamente das adversidades que teve na vida, de tudo aquilo que foi obrigado a enfrentar, numa realidade que nunca fez com que perdesse a fé que o faz acreditar que, mesmo depois dos dias mais duros, haverá sempre uma 'remontada'.
"Todos os dias me agarro a Deus. Ao domingo vou à missa, sou praticante com muito orgulho. A religião faz parte da minha vida e da dos meus filhos. Incuto-lhes esse meu estado de espírito. Sentimo-nos preenchidos com aquilo que é a nossa fé. Respeito toda a gente que não tem a mesma opinião e que acham que há outro caminho a percorrer. Para mim é essencial."