
Discreto, low profile e quase sempre numa espécie de sombra política, há um ano Luís Montenegro passou a ter os holofotes direcionados para si, mas a par do brilho veio o inevitável escrutínio, que agora o coloca numa posição de exposição e vulnerabilidade, com a sua idoneidade a ser questionada devido à empresa familiar Spinumviva e ao conflito de interesses gerado entre os negócios e o cargo que desempenhava. A polémica fez com que a sua vida fosse passada a pente fino e as contas dissecadas, especialmente na área em causa, o imobiliário, com as duas casas que Luís Montenegro comprou, em 2024, na zona da Lapa, em Lisboa, a receberam redobrada atenção, como parte importante do vasto património imobiliário do clã do qual fazem parte cinco prédios urbanos e 49 rústicos.
Os apartamentos terão custado mais de 700 mil euros, e após a compra, foram para obras de remodelação totais, sendo que a ideia era uni-los para a criação de um duplex, que funcionaria como uma espécie de quartel general da família em Lisboa, depois de a mulher ter deixado a vida em Espinho para acompanhar o marido no cargo de primeiro-ministro. Enquanto a remodelação se encontrava a decorrer, e uma vez que o político já tinha feito saber que não iria reivindicar a residência oficial em São Bento, instalou-se no Hotel Epic Sana, em Lisboa, onde a diária ronda os 400 euros – disse na entrevista à TVI que chegou a acordo com o hotel e pagava apenas 250 euros por noite. Entretanto, e depois da notícia vir a público, Luís Montenegro trocou o conforto do hotel pela residência oficial do primeiro-ministro, no Palácio de São Bento.
Uma vida ao alcance de poucos mas à qual, no fundo, Luís Montenegro sempre esteve habituado. A mãe é oriunda de uma família aristocrática do Douro – da qual herdaria uma quinta, palco de tantas férias e momentos de lazer do clã – e o pai, de origens mais humildes, estabeleceu-se como jurista e advogado, sendo que o primeiro-ministro agora destituído já cresceu numa espécie de berço dourado, que lhe permitiu tirar o curso de Direito na Universidade Católica do Porto. Aconteceu depois de uma juventude tranquila em Espinho, onde viria a conhecer aquela que foi a sua primeira namorada e mulher até aos dias de hoje, Carla, que se formaria como Educadora de Infância e, enquanto Montenegro andava com a 'casas às costas' como deputado, se manteria firme na terra natal a cuidar dos dois filhos bebés que cresciam com o pai distante, na Assembleia da República. Uma questão que Montenegro sempre assumiu ter sido extremamente pesada para a companheira, que durante a maior parte da sua vida, teve de ser mãe e pai dos dois rapazes.
"Foi muito duro. A minha mulher fez um esforço enorme nos primeiros anos de vida dos nossos filhos porque eu passava metade da semana fora de casa, mas era preciso conciliar o emprego dela com todas as tarefas subjacentes ao período em que os meus filhos estavam fora da escola, portanto tinham de fazer os trabalhos", explicou Luís Montenegro, acrescentando que, a par da ausência, os filhos mais tarde sofreriam também com respingos da sua atividade política, num bullying que obrigou, inclusivamente, o mais velho, Hugo, a ter de mudar de escola.
Num meio como Espinho, a fama da família tanto conseguiu refletir-se nesses efeitos mais desagradáveis como ser aliada e uma fonte conta-nos que, apesar de tudo, o clã Montenegro sempre gozou de um estatuto especial, que levava a uma espécie de "vassalagem" dentro de alguns meios. "Havia uma passadeira estendida para a Carla e para os filhos muito antes de Montenegro ser primeiro-ministro. Gozavam de uma certa deferência, mas também são pessoas estimadas pela maioria."
AS FÉRIAS ENTRE A ELITE NO ALGARVE E NO BRASIL
Apesar de discrição, Luís Montenegro, a mulher e os filhos sempre gostaram de se movimentar entre uma determinada elite e qual a melhor maneira de isso acontecer do que ver e ser-se visto em alguns dos circuitos frequentados por essa franja da sociedade? Se os campos de golfe são normalmente palco desses encontros mais abastados – e Montenegro está lá – há um outro local que, apesar de ter vindo a perder, nos últimos anos, algum gás para a Comporta, ainda é sinónimo de um certo status quo: aqueles quilómetros dourados entre Vale do Lobo e a Quinta do Lago.
No último mês de agosto, Montenegro não dispensou, por isso, a habitual visita ao Ancão, onde, na prática, se pode ver os rostos da Assembleia de uma outra perspetiva e com mais pele à mostra, de calções de banho. Se Marcelo Rebelo de Sousa, que em tempos popularizou a Praia do Gigi, há muito já fez as malas para a outra ponta do Algarve para dar vida a um outro tipo de férias, longe das conversas de circunstância nos areais, para muitos, como o antigo primeiro-ministro, pisar aquele reduto do Algarve ainda é quase um obrigatório do verão.
Mas, além do Algarve, no último verão a presença de Montenegro foi notada ainda num outro ponto do Globo também conhecido por merecer a preferência de uma determinada elite. Na altura, o 'Correio da Manhã' mostrava o político bronzeado e com roupa de férias a passear de buggy nas praias de Perobas, Natal, no Nordeste brasileiro. Além dos filhos, da mulher e de alguns amigos, Montenegro esteve sempre acompanhado por seguranças. Nas fotografias, todos eles eram sorrisos: estava tudo a começar e havia a perspetiva de quatro anos de desafios mas também de um início que é prenúncio de coisas boas e vida a acontecer. Muito diferentes daquelas que mostram agora Luís Montenegro de rosto crispado, na fase mais desafiante da sua vida profissional.