
Os juízes e os tribunais andam implacáveis com as medidas de coação a arguidos famosos. Os que colocaram em prisão domiciliária com pulseira eletrónica por lá continuam, como é o caso do ex-ministro da Economia de José Sócrates, Manuel Pinho, tal como acontece com Maria de Jesus Rendeiro, a mulher do ex-banqueiro João Rendeiro, que tem o marido a viver numa prisão sobrelotada na África do Sul, enquanto ela está presa num apartamento de luxo em Cascais.
E coisa que não falta em Portugal são grandes figuras a braços com a justiça e a viver em verdadeiras "gaiolas douradas". Vamos relembrar quem eles são. O que reclamam e como perderam alguns benefícios com o evoluir dos processos judiciais onde estão entalados.
Esta semana, o advogado Ricardo Sá Fernandes tentou, com a abertura de um processo no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), reverter, com um 'habeas corpus', a medida de coação da prisão domiciliária com pulseira eletrónica que tinha sido decretada ao ex-ministro socialista em meados de dezembro último.
A decisão de reter Manuel Pinho em casa com dispositivo de vigilância eletrónica tinha sido do super-juiz Carlos Alexandre, depois de o ex-ministro ter reconhecido em fase de inquérito ao tribunal que não tinha seis milhões de euros para pagar uma mega-fiança.
Os advogados de Pinho ainda tentaram que o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) alterasse a medida de coação, mas em vão, ficou tudo na mesma. Carlos Alexandre nem pestanejou. Manuel Pinho não tinha como pagar seis milhões pela sua liberdade, teve que se sujeitar a ficar em casa fechado.
O economista, que foi professor em Boston depois de sair do Governo e que está indiciado por vários crimes de corrupção e branqueamento de capitais no processo das "rendas excessivas da EDP", começou por ficar detido em Albufeira, no Algarve, em casa de uns familiares, mas, no início de fevereiro, mudou-se para a Quinta da Assenta, em Gondizalves, nos arredores da cidade de Braga, que lhe pertence e cuja moradia estava em fase final de obras.
O tribunal deixa-o residir na habitação bracarense, mas nada do que a justiça conseguiu identificar como sendo propriedade Manuel Pinho e da mulher, Alexandra Fonseca Pinho, a ex-curadora da coleção de arte do extinto BES, ficou na posse do casal. Todos os bens imobiliários, num total de 13, contas bancárias e parte da pensão mensal de reforma de Pinho, que passou de 15 mil para 2115 euros, foram arrestados. Ambos tiveram que entregar os seus passaportes à justiça, em especial para evitar a fuga dela.
Enquanto a mulher de Pinho, também acusada em processos-crime onde consta o nome do marido, está obrigada a apresentações quinzenais na GNR local, o marido tem mais azar e não pode admirar as verdejantes paisagens minhotas. Os advogados de Pinho entregaram no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de "habeas corpus" para pôr fim à medida de coação de prisão domiciliária, mas este bateu na trave. E a decisão foi da juíza conselheira Ana Maria Barata de Brito, que indeferiu "o pedido de por falta de fundamento".
A defesa de Pinho diz que permanece clamorosa ilegalidade da prisão domiciliária. O advogado do arguido, Ricardo Sá Fernandes, reitera a ilegalidade da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE) como alternativa a caução e jura haver um "erro grosseiro" na apreciação do perigo de fuga. "Havendo erro grosseiro, há lugar a 'habeas corpus'. Existe uma situação de abuso de poder e por isso está preenchido o requisito de erro grosseiro. Manuel Pinho está em prisão domiciliária e a Relação reconheceu que a prisão é ilegal, não há dúvida nenhuma. Não estamos a discutir se é culpado ou inocente, isso será visto no momento próprio. O que está em causa é que está a ser privado da sua liberdade de forma ilegal", defendeu o advogado de um cliente de quem também já explicou que "não tem seis milhões de euros" para pagar caução.
2. O CASO DE "SOLIDARIEDADE' DE MARIA DE JESUS
Quem também viu o tribunal decretar mais três de permanência em casa com pulseira eletrónica foi Maria de Jesus Rendeiro, a a agora viúva do ex-banqueiro João Rendeiro, que, só por curiosidade, é amiga do peito há 40 anos, do casal Manuel e Alexandra Pinho. Coincidências da vida...
Maria de Jesus foi detida e colocada em prisão domiciliária no início de novembro último, com a suspeita às costas da prática dos crimes de descaminho de obras de arte de que era fiel depositária, desobediência, branqueamento de capitais e de crimes de falsificação de documento. A antiga secretária administrativa do Grupo CUF, no Barreiro, esteve assim seis meses retida num apartamento de luxo na Quinta Patiño, em Cascais, mas agora o juiz prolongou por mais três meses a medida de limitação da liberdade.
IRMÃ QUERIDA
O que vale a Maria de Jesus, para não morrer à fome e ao abandono, é que uma irmã foi viver com ela no apartamento, de 1,1 milhões de euros, comprado pelo motorista do casal, Florêncio de Almeida Jr., filho do "rei dos táxis", com o mesmo nome. Apesar de um arresto surpresa de quase todo o recheio da casa a 1 de fevereiro, a Polícia Judiciária e o tribunal ainda lhes deixaram uns tarecos para as duas se manterem na casa. Por lá ficaram um sofá, duas camas, meia dúzia de pratos, copos, tachos e talheres e eletrodomésticos. É assim que Maria de Jesus e a mana se têm organizado, nesta triste vida de rica presa e companhia em gaiola de milhões.
3. A CARTADA DO HÁBIL BERARDO
Quem também quis ser notícia esta semana (e conseguiu), foi o empresário de origem madeirense Joe Berardo, que, num escaparate de jornal, veio afirmar que exige da banca uma indemnização pelos 900 milhões que lhe emprestaram e que nunca pagou de volta. Complicado e estranho? Não! É uma cartada "à la Berardo": diz que foi enganado e que a banca sabia que ele ia perder o dinheiro ao investi-lo em ações de risco e por isso quer ser ressarcido do dinheiro do engodo...
É por isso que o astuto Joe vai processar o BCP, a Caixa Geral de Depósitos, o BES e o Novo Banco. Berardo acusando-os de terem lesado a Fundação Berardo e a gestora 'metalgest', exigindo 900 milhões de euros de indemnização, que se esperam que seja para pagar o mesmo montante, embora acrescido de juros, que deve... a esses mesmos bancos. Pelos vistos um truque de matemática para zerar dívidas e salvar a face. Chapeau!
Joe Berardo tem conseguido manter-se à tona no meio de todo o escândalo financeiro em que se meteu e até conseguiu escapar à prisão domiciliária (que no seu caso é uma cobertura com vista frontal do rio Tejo, num prédio de luxo à avenida Infante Santo, Lisboa, registada em nome de uma 'offshore' a quem ele paga uma renda, cujo valor desconhece e a um senhorio que não sabe quem é...) e à obrigatoriedade de ter que andar em casa com uma pulseira eletrónica.
Há um ano, quando foi detido, foi exigida a Joe Berardo uma fiança de 5 milhões de euros para escapar à prisão. Este, depois de ter jurado publicamente que era remediado e só tinha como propriedade sua uma garagem no Funchal, conseguiu convencer familiares a darem imóveis em seu nome como garantia dos 5 milhões. Os familiares de Berardo foram tão "solidários" que ainda deram ao Estado como garantia imóveis avaliados em mais de 8 milhões de euros.
O comendador, que fez fortuna na África do Sul a vender legumes e a explorar minas de ouro desativadas, consegue assim andar à solta pelo território português, visitar as suas empresas, exceto a Quinta da Bacalhôa e a Fundação Berardo, mas está impedido de comunicar com o restantes 19 arguidos no processo em que é arguido e também está proibido de se ausentar de Portugal. O tribunal ficou-lhe com o passaporte e por isso Berardo, um cidadão do mundo livre, passou a ser apenas um cidadão deste retângulo fechado e soalheiro à beira mar plantado.
4. O BANQUEIRO DA CASA ALEGADAMENTE À VENDA
No início de março de 2022, o ex-banqueiro Ricardo Salgado, de 77 anos, foi condenado a seis anos de prisão efetiva no âmbito de um processo extraído da Operação Marquês. Em causa está a transferência de mais de 10 milhões de euros e para o coletivo de juízes ficou provada "a quase totalidade dos factos constantes da acusação", que lhe imputava três crimes de abuso de confiança. O ex-banqueiro recorreu da sentença e por isso a primeira instância terá de esperar que o tribunal da Relação se pronuncie antes de enviar Salgado para a prisão. Porém, face a um perigo de fuga, no sentido de o ex-banqueiro se poder furtar à justiça, o tribunal decidiu mudar as medidas de coação e acrescentaram-lhes a proibição de se ausentar para o estrangeiro.
Os advogados de Ricardo Salgado estavam contra, mas o juiz Francisco Henriques afirmou que, perante "a decisão condenatória em prisão efetiva, encontram-se ligeiramente alteradas as exigências cautelares" deste caso, pelo que impôs a entrega do passaporte e a proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização.
Com 77 anos de idade, a sofrer da doença de Alzheimer e perante a condenação pública de que é constantemente alvo, Ricardo Salgado mal sai da sua mansão milionária em frente ao mar em Cascais. Mansão que, segundo notícias recentes, teria colocado de novo à venda, depois de uma primeira tentativa frustrada de transação.