
Nem a Justiça é equitativa para com ex-banqueiros ricos que levam os bancos à falência. E a prova disso foi o que se passou nas festas de Natal e Ano Novo. Uma alegria familiar para Ricardo Salgado. Uma escuridão e tristeza para João Rendeiro.
Juntas, as duas instituições financeiras dos ex-banqueiros que andam na berra, já deram um rombo superior a 3 mil milhões de euros ao erário público. Coisa pouco, portanto.
O universo Espírito Santo (BES) terá custado aos contribuintes portugueses mais de 2,5 mil milhões de euros e o pequeno banco privado para ricos de João Rendeiro, o BPP, foi resgatado com 450 milhões dos cofres do Estado, mas nem mesmo com esta discrepância de valores em falta os dois ex-banqueiros têm tratamento equiparado ao prejuízo.
É claro que o facto de um deles (João Rendeiro, de 69 anos) ter fugido à justiça, ao viajar de Londres num jatinho privado rumo à África do Sul, não ajudou muito a que tenha passado um quadra natalícia feliz e vá ter umas entradas de ano mais… digamos, desconfortáveis.
Vamos então a factos: Ricardo Salgado, o ex-banqueiro de 77 anos que conduziu o gigante banco da família Espírito Santo, e o grupo de empresas que gravitava à sua volta, à falência, deixando a economia portuguesa à beira de um ataque de nervos no verão de 2014, anda a passear-se pela Europa, em classe executiva, como se nada lhe tivesse acontecido.
Este Natal, Salgado e a mulher, Maria João, meteram-se num avião e rumaram à Suíça, onde vive uma dos três filhos de ambos, Catarina, que o pai Salgado disse em tribunal ser quem sustenta a família e paga as contas dele da mãe, delapidando, segundo argumentou um dos advogados de Ricardo Salgado, "as poupanças pessoais de 28 anos" de trabalho.
Mesmo acreditando que o ex-banqueiro viaja graças da filha, Catarina e o marido têm proporcionado ao ex-banqueiro, que já foi o Dono Disto Tudo, como lhe chamavam os empregados do BES, uma vida luxuosa. Depois das férias num resort de luxo na Sardenha o ano passado, mesmo em plena pandemia de Covid-19, eis que o ex-banqueiro foi arejar à Suíça.
CRIMES À ESPERA
A viagem para a Suíça para aí passar este Natal e Ano Novo, que certamente ficará na memória do ex-banqueiro como um momento bonito junto da filha, do genro e dos netinhos, foi comunicado ao mesmo tribunal onde os juízes e os procuradores tentam, a muito custo, sentar o ex-banqueiro e começar a julgá-lo por uma longa lista de crimes económicos que terá cometido ao longo de décadas, estilo burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado, ou confirmar, junto de instâncias, superiores os crimes pelos quais já o condenaram no passado.
Se Ricardo Salgado se empanturra na Suíça com filhós e bolo rei, o ex-colega do falecido BPP teve um Natal mais triste e negro, longe da sua Maria de Jesus, a sua fiel esposa há 49 anos, e das três cadelinhas do casal, lideradas pela pequena Yorkshire Boneca, sozinhas na mansão de 14 assoalhadas na Quinta Patiño, em Cascais.
E, neste momento, Maria de Jesus nem sequer pode matar saudades do marido só de o ver na televisão, no tribunal em Durban, na África do Sul, para onde este fugiu deixando-a para trás, sentadinho no banco dos réus à espera que se lhe faça justiça. Não já sessões de julgamento, logo, nem o pode mirar na TV, nervoso e a abanar as perninhas.
João Rendeiro só voltará a ser notícia no próximo dia 10 de janeiro, a data em que regressará à presença de um juiz, que irá confirmar se esperará extradição para Portugal na prisão, num 'resort' com pulseira eletrónica ou em liberdade, hipótese esta última muito remota, mas não de todo impossível.
De qualquer forma, os tribunais portugueses têm 40 dias para enviar o pedido formal de extradição do ex-banqueiro foragido e, antes de dia 20 de janeiro, a data limite para Portugal entregar a papelada, o caso não terá desfecho favorável ao ex-banqueiro que nasceu pobre, mas era amigo dos ricos.
NATAL PARA ESQUECER
Rendeiro passou o Natal e o Ano Novo bem pior do que Ricardo Salgado e nunca mais esquecerá o que viu e sentiu, nas longas noites na cela sobrelotada que partilha com dezenas de meliantes perigosos sul-africanos.
Além da ração, Rendeiro não terá tido um afago estomacal de uma filhós, de uma azevia ou de uma rabanada. O ex-banqueiro sentiu este Natal e Ano Novo, longe dos fofos sofás da sua mansão e do seu colchão de luxo, que desceu aos infernos e que a sua vida se transformou num buraco negro, sem luz ao fundo do túnel.
Aos jornalistas, à porta do tribunal de Durban quando esperava para ser ouvido, João Rendeiro disparou que não regressa a Portugal. Resta saber se, tal como disse, com dramatismo, a sua última cartada será "resistir ou morrer".