
O documentário começa em março de 2020. Meghan Markle filma-se a ela própria de toalha turca na cabeça e semblante carregado. "Quero muito ultrapassar isto tudo", diz para a câmara do telemóvel. Dias antes, a atriz e o marido, o príncipe Harry, tinham acabado de anunciar o corte com a realeza britânica numa decisão que surpreendeu o mundo. E a verdade é que pareciam ter já tudo planeado. Desde então, começaram a fazer uma espécie de diário de bordo da sua vida, naquilo que seria um esboço do contrato milionário que assinaram com a Netflix para contar a sua vida no documentário 'Harry e Meghan', que estreou na última quinta-feira.
A minissérie é, por isso, um misto entre filmagens amadoras, feitas pelos próprios através do telemóvel, e uma mega produção em que o casal recebe a equipa da Netflix na sua sumptuosa mansão dos Estados Unidos para contar aquilo que define como a sua verdade. Até ontem, estavam disponíveis três episódios, que começam com a história de amor entre um príncipe inglês e uma atriz americana e que terminam com acusações de racismo, críticas ao pai de Meghan e umas alfinetadas a William e a Kate. Mas primeiro vem o amor!
ROMANCE NASCE NO INSTAGRAM
Harry e Meghan contaram que se conheceram através do Instagram, depois de o príncipe ter visto uma fotografia em que a atriz aparecia ao lado de uma amiga em comum. Escreveu-lhe a perguntar se podia conhecer Meghan e a amiga fez de intermediária ao romance. Algumas semanas depois, a atriz apanhava um avião para Inglaterra para beber um copo com o príncipe no Soho. Um mês depois, estavam a acampar juntos no Botswana, sem rede de telemóvel e a apaixonarem-se perdidamente um pelo outro. Nem um ano depois, anunciavam publicamente um noivado que viria a fazer correr muita tinta.
Meghan, que em conversa com Oprah Winfrey tinha dito não fazer a mínima ideia de quem era o príncipe Harry quando o conheceu, transparece uma ideia diferente no documentário. E quando são as amigas e a mãe a falar, essa convicção fica ainda mais vincada. "Um dia, ela ligou-me e disse-me que se ia encontrar com o príncipe Harry", ouve-se a mãe a dizer. "Eu respondi: 'Oh meu Deus'".
Passados os primeiros meses de romance, já Harry tinha a certeza de que Meghan era "a tal". "Havia a pressão que nos casássemos com alguém que encaixasse no molde, mas eu preferi seguir o meu coração", explicou o príncipe que desde o início anteviu que a namorada poderia ter algumas dificuldades em encaixar-se na família.
PERSEGUIDOS PELOS PAPARAZZI
O segundo ponto que o casal quis enfatizar no documentário é a presença constante dos paparazzi no seu romance. Harry recua ao passado para explicar a relação tensa com os media. Diz que em miúdo as suas férias, em locais paradisíacos ou na neve, eram inferno devido à presença constante dos fotógrafos e que viu muitas vezes as lágrimas no rosto da mãe por causa das perseguições.
E explica que voltou a sentir isso tudo quando o namoro com Meghan começou. A americana, que até então era uma atriz de sucesso residual devido à sua participação na série 'Suits', passou a ter fotógrafos a persegui-la a toda a hora e, de acordo com o casal, uma série de fatores fizeram triplicar o interesse mediático no romance: "a questão racial", o facto de a família paterna de Meghan ter vindo a público chamá-la de arrogante e as parecenças entre a atriz e a princesa Diana. "A M. é tão parecida com a minha mae, a personalidade dela... tantas coisas
tem a mesma empatia, compaixão e confiança", refere Harry, que trata Meghan pela sua inicial, assim como o contrário também acontece. "Tinha de proteger a minha família, especialmente de tudo o que aconteceu com a minha mãe".
Para se perceber melhor a decisão de Harry abandonar a família real tem de se recuar ao passado, ao trauma que continua bem presente na vida do príncipe, com a perda abrupta da mãe, da qual não pôde fazer o luto na hora certa.
"Quando a minha mãe morreu, eu e o meu irmão tivemos de nos dividir em duas pessoas. Por um lado, só queríamos viver a nossa dor e chorar, mas também tínhamos de apertar mãos, seguir o protocolo", recorda, acrescentando que nessa altura se sentiu muito pouco apoiado e perdido.
FAMÍLIA ÀS AVESSAS
Nos três episódios disponíveis do documentário, Meghan Markle explica ainda as polémicas que vieram a público sobre a família paterna, nomeadamente o facto de a meia-irmã, Samantha, a ter acusado de ser arrogante e de colocar de lado a própria família.
"A minha irmã do meio, que não via há uns dez anos, e da qual nem sei o nome do meio, de repente vem-me chamar arrogante e diz que me criou. Não faz sentido", lamenta Meghan, que convida a sobrinha [filha da irmã Samantha] a falar no documentário, uma vez que esta não fala com a mãe desde os seis anos e passa a ideia de uma Samnatha desiquilibrada. Além desta polémica, também a história do pai, Thomas Markle, é detalhada.
Poucos dias antes de se casar com Harry, é notícia que o pai da atriz vendeu fotografias suas aos tablóides britânicos por 100 mil euros. "Eu e o H. ligámos-lhe e perguntámos-lhe se era verdade e ele disse que não, mas não sei, foi muito evasivo. E quando ele desligou eu disse ao H: 'não sei porquê, mas não acredito nele".
Os dois acabariam por cortar relações, Thomas não marcaria presença no casamento da filha e, de alguma maneira, Harry sente-se responsável pelo afastamento. "A Meghan tinha um pai antes disto e agora já não tem".
UMA FAMÍLIA POUCO MODERNA
Parte de um episódio é dedicado à experiência de Meghan à família real. E ela conta tudo: como de repente se sentia num filme do século passado, a ter de fazer vénias, acenar como uma princesa ou a comportar-se como se fosse de cera.
"De repente, eu tinha de fazer uma série de coisas e ao contrário do que se diz, ninguém te prepara para isso. Então, eu ia ao Google, foi assim que aprendi o hino de Inglaterra, por exemplo. Também tinha de saber como acenar, não uma coisa à americana, mas uma coisa... pequena", disse Meghan, enquanto Harry garantia que ao início o choque cultural foi imenso.
"Como é que se explica a uma pessoa, principalmente sendo americana, que eu tenho de fazer uma vénia à minha avó?".
No entanto, Meghan afirma que tentou desvalorizar o assunto e agir com naturalidade perante a família do futuro marido, até que percebeu que esta estava sempre em pose.
Em mais um ataque a William e a Kate Middleton, Meghan explicou que quando os conheceu não estava preparada para o formalismo. "Quando conheci o William e a Kate lembro-me que estava assim descontraída, de calças rotas e descalça. Na altura dava muitos abraços, sempre dei... Não sabia que isso era chocante para muitos britânicos. Mas comecei a pereber muito depressa que a formalidade do exterior não desparecia no interior".
Meghan afirma então ter vivido numa constante luta para não ofuscar, para não sobressair, até que acabou completamente anulada, triste e a ser exatamente o contrário daquilo que sempre defendeu.
O último episódio da primeira parte da minissérie termina com o aproximar da data do casamento, pelo que nos capítulos seguintes, disponíveis na próxima quinta-feira será possível acompanhar assuntos tão palpitantes como a desavença com Kate na véspera da boda, as preocupações raciais com o filho de Meghan e Harry e as polémicas com o pai do príncipe, agora rei de Inglaterra.
A casa real não comenta os ataques, mas desespera perante aquilo que considera mais um lavar de roupa suja desnecessário por parte do casal.