
Passaram-se quase dois anos desde a morte de único filho, Eduardo, mais conhecido por Eddie Ferrer, mas para Zulmira Garrido o tempo parece ter congelado naqueles fatídicos dias de novembro de 2022. O processo de luto, assume, é um massacre, interminável, e em nada ajuda o facto de, tanto tempo depois, haver perguntas que continuam sem respostas sobre o que a levou a perder o grande amor da sua vida. E, principalmente, a consciência de ter negligência grave na morte do filho, que esteve quase uma semana sem ser tratado, num hospital da Turquia, depois de se ter sentido mal no aeroporto, enquanto fazia uma escala em Istambul.
Zulmira, que esteve vários dias sem saber do paradeiro de Eddie, acabaria por tomar conhecimento da situação e viajar até à Turquia, e só nessa altura, quando já no hospital pagou os 26 mil euros da operação, o filho seria sujeito a uma cirurgia, numa espera que se revelaria fatal.
Hoje, praticamente dois anos depois, um escândalo que rebenta agora na Turquia envolvendo o mesmo hospital onde Eddie faleceu, aos 42 anos, reforça a convicção de que o filho terá sido mesmo vítima de uma negligência médica e hospitalar grosseira.
Nos últimos dias, essa unidade de saúde e outras oito viram as suas licenças revogadas, depois de ter sido desmantelado um grupo conhecido como o 'gang dos recém-nascidos', que utilizava um esquema idêntico para todos os casos e o perpetuou durante anos: aquando do nascimento de um bebé, os médicos responsáveis, também envolvidos na fraude, alertavam os pais que os recém-nascidos tinham uma condição grave de saúde e aconselhavam a mudança para um destes hospitais privados, onde o internamento nos cuidados intensivos custava mais de 200 euros por dia. Os bebés eram mantidos internados o máximo tempo para que fosse extorquida a maior quantidade de dinheiro possível aos pais ou à segurança social, uma vez que os médicos assinavam relatórios em como os recém-nascidos precisavam de tratamentos não disponíveis na rede pública, mas apenas nestes hospitais privados. Com tudo isso, houve mais de dez recém-nascidos que acabaram por perder a vida vítima de negligência enquanto estavam internados nestes hospitais privados.
Ao saber das notícias dramáticas que ecoavam na Turquia, Zulmira estabeleceu um paralelismo imediato com aquilo que aconteceu ao filho, pelo facto de o modus operandi ser praticamente o mesmo, gerando tudo à volta do tema dinheiro, além do óbvio: passou-se no mesmo hospital. "Isto traz à tona muitas questões. O facto de o meu filho ter estado uma semana à espera, sedado, sem que fosse tratado, quando tinha sofrido um aneurisma. Só quando eu consegui chegar ao hospital e paguei a cirurgia é que o trataram e já tinham passado uma série de dias", diz à 'The Mag by Flash!', acrescentando que, mediante o que agora está a acontecer, equaciona finalmente mover um processo contra o hospital por homicídio por negligência. "Não traz o meu filho de volta, mas pode dar-me alguma sensação de justiça, porque desde o primeiro dia que sei que o que se passou ali foi muito grave, e agora há a confirmação."
Mesmo perante o quadro de perda trágico, Zulmira admite ter sido sempre tratada com frieza por parte das pessoas ligadas ao hospital e que nunca lhe deram explicações detalhadas, ou relatórios médicos, que pudessem responder às muitas perguntas que fazia, ainda que na altura estivesse num estado de grande revolta e confusão que não lhe permitissem ir mais a fundo em certas questões. Ainda assim, garante estar na posse do material necessário para mover um processo judicial contra aqueles que não salvaram o filho. "Tenho o nome dos médicos, sei quem são, tenho gravações de conversas que mantive. O que se passou, tudo... Foi uma absoluta vergonha. Sempre deram respostas evasivas, fugiam de mim", conta para descrever a falta de profissionalismo que encontrou num hospital onde é suposto os médicos estarem dispostos a despir a camisola para salvar uma vida. Em Istambul, para a maior dor de Zulmira, o que aconteceu foi precisamente o contrário.
O LUTO, AS SAUDADES E A DOR QUE NÃO PASSA
Quem já teve oportunidade de privar com Zulmira Garrido sabe da devoção ao seu único filho. Os olhos sempre se encheram de brilho quando falava de Eduardo, conhecido no meio artístico como DJ Eddie Ferrer, e o orgulho pelas suas conquistas, tanto profissionais quanto como ser humano, não lhe cabiam no peito.
Perder o filho, ainda mais nas circunstâncias em que tal aconteceu, foi, por isso, o maior golpe que a vida lhe podia ter dado. E como os males muitas vezes vêm aos pares, a vida como a comentadora a conhecida desmoronou-se num abrir e fechar de olhos.
Um mês depois de se ter despedido de Eddie, e ainda com a ferida completamente aberta, Zulmira era surpreendida com um pedido de divórcio do marido, o treinador Jesualdo Ferreira. Por essa altura, claro, pouca coisa já teria capacidade para a magoar, mas não deixa de ser considerado infeliz o momento que o técnico escolheu para colocar fim a uma união tão longa.
"Eu acho que o timing para o Jesualdo pedir o divórcio, não foi o mais correto", já disse Zulmira sobre o divórcio, que é, no entanto, apenas uma gota no oceano que perder o filho representou na sua vida.
Desde então, o processo tem sido lento, moroso, com avanços e recuos, muitas lágrimas e a consciência de que a vida passou a ser outra coisa, mas ainda assim Zulmira agarrou-se à réstia de força que sempre fez dela uma batalhadora, aos amigos, que nunca a abandonaram, e entregou-se ao trabalho, como comentadora do programa 'Passadeira Vermelha', para conseguir encontrar um sentido para os seus dias, a sua resiliência a não a deixar desistir.
"O mais importante foi-se embora da minha vida. Agora é viver um dia de cada vez, sem objetivos, sem sonhos. (…) Posso correr atrás da felicidade, mas não a vou encontrar nunca mais", já fez saber, nunca escondendo que o caminho é sinuoso, com muitos momentos de introspeção, solidão e as saudades, com que vai sempre viver.
"Sozinha vou levando o mundo às costas... Difícil, mas tento. Choro muito, grito muito... Sempre sozinha",
O filho de Zulmira, recorde-se, ia a caminho do Mundial de Futebol, que decorria no Qatar, para uma atuação como DJ quando se sentiu mal, numa escala no Qatar. Sentiu-se mal no aeroporto e foi posteriormente encaminhado para o hospital onde permaneceu vários dias sem ser tratado, até que finalmente Zulmira conseguir saber do paradeiro do filho.
"Só me disseram que tinha tido um aneurisma, mas que estava estável. Não foi tratado. Eles esperaram que eu chegasse para pagar a cirurgia que ele precisava de fazer. O hospital tinha a informação toda, documentos, tudo. Nem é negligência, é uma coisa bizarra mesmo. Cruel", já contou sobre o momento, acrescentando que o cenário que encontrou foi aterrador.
"Vou para o hospital já com um tradutor contratado. Levou-nos para o hospital e quando cheguei nem queria acreditar. Era uma clínica pequenina, um ambulatório, um centro de saúde. O meu filho estava sedado. Não era o sítio certo. Tentei transferi-lo para um hospital americano e eles não deixaram, que o Eduardo corria risco de vida e não podia sair dali".
Mesmo depois de ter pago os 26 mil euros que lhe exigiram pela operação, Eddie continuou por várias horas sem ser tratado.
"A cirurgia seria às 14h depois de ter pago, passou para as 16h, depois para as 17h, depois para as 18h. Qual não é o meu espanto quando vejo o meu filho a sair para uma ambulância para outro hospital do mesmo grupo. Foi 1h30 no trânsito. Não foi médico nenhum na ambulância. Acaba a cirurgia e vem novamente quase 2 horas para a outra clínica. Por isso é que digo e não tenho medo nenhum de dizer. O meu filho foi assassinado. São palavras duras mas acho que são essas as palavras".
Depois da cirurgia, os médicos garantiram que tudo tinha corrido pelo melhor, mas aquilo que a comentadora via era um cenário completamente diferente.
"Disseram que a cirurgia tinha corrido bem, que provavelmente não teria sequelas, poderia ficar apenas com um problema na vista. Na manhã seguinte fomos visitá-lo aos cuidados intensivos e estavam a tirá-lo da sedação. Foi um acordar muito agitado. Percebi que alguma coisa estava ali mal, mas ele sentiu-nos, porque ele chorou quando nós falámos. Na madrugada ligaram-nos para irmos urgentemente para o hospital, percebi que algo de grave se passou e foi. O meu filho partiu".
Zulmira nunca teve dúvidas de que o hospital, médicos e enfermeiros que acompanharam Eddie Ferrer agiram com negligência, o que ganha força à luz dos acontecimentos mais recentes."A maneira como trataram o meu filho… É indescritível. A maneira como vi o meu filho… Acho que não se faz isso em país nenhum. Vi o meu filho no chão da morgue, é uma coisa que não tem explicação. Foi a última vez que eu o vi", concluiu e explicou: "Não quis autópsia. Só queria trazê-lo… Ele ainda estava lá agora de certeza se quisesse ter feito a autópsia".