
Em abril de 2022, a Reitoria da Universidade de Lisboa era palco de um protesto estudantil contra o assédio sexual. Entre as centenas de jovem, um rosto na casa dos 40 anos destacava-se, explicando as razões da sua presença. “Vim em solidariedade para com as minhas colegas arquitetas de há 22 anos”, disse, referindo-se, ainda que sem o nomear, ao caso que ficaria conhecido no final da década de 80 como o escândalo das cassetes e que colocaria Tomás Taveira no centro de uma das maiores polémicas em Portugal, depois da divulgação das imagens em que o famoso arquiteto filmava, sem consentimento, as relações sexuais que mantinha com alunas e as mais diversas mulheres no seu escritório.
Taveira vivia, então, os seus tempos de glória, depois de ter fintado uma vida de dificuldades, que o levou a crescer numa casa com as mínimas condições, no seio de uma família pobre, de Alcântara, em Lisboa, da qual se esforçaria por não seguir as pisadas, contrariando um destino quase certo. Quatro anos antes de o escândalo rebentar, assinava um dos projetos que marcaria uma mudança na arquitetura lisboeta, com a edificação das Amoreiras. Além das torres – começaram por ser três – o novo centro comercial fervilhava de vida e elevava a capital a um outro nível de cosmopolitismo, em que o arquiteto marcou pela diferença por apostar em cores fortes, num estilo disruptivo com inspiração dos anos em que estudou nos Estados Unidos, com uma bolsa.
Claro que à época das Amoreiras, houve também as críticas, mas isso era apenas uma pequena mácula numa notoriedade que atirava Tomás Taveira para um patamar de excelência, entre os grandes da arquitetura nacional. Porém, imerso nessa bolha de poderio, o arquiteto estava longe de imaginar que em breve tudo se desmoronaria, e que a imagem de um homem de talento, de família, dedicado à mulher, Amarílis Cristina, e aos dois filhos, cairia por terra da forma mais escabrosa possível. Volta e meia, o tema volta a estar na ordem do dia, como aconteceu esta semana, com a estreia da polémica minissérie da TVI 'O Arquiteto' que, à primeira vista, parece ser inspirada no escândalo, despertando novamente a atenção sobre Tomás Taveira.
O ESCÂNDALO DAS CASSETES
Estávamos em 1989 e se perguntarmos a várias pessoas ao dia de hoje, as versões podem divergir na forma como tudo começou. Mas o que se conta é que a famosa cassete de 30 minutos e um segundo, gravada no seu escritório – há a dúvida sobre se terá sido na Avenida da República ou nas Amoreiras – que Taveira usaria para mostrar a um círculo íntimo de amigos, a dada altura saiu do controle do mesmo. Nas imagens, de sexo explícito e que continuam disponíveis da dark web ou à venda em sites como o OLX num viralismo que começou quando essa ainda nem era sequer um termo usado, podia ver-se o profissional de arquitetura a ter sexo com diversas mulheres (a maioria penetração anal), sem o consentimento destas, ouvindo-se expressões que, mais tarde, seriam usadas em tom de piada, já não se sabendo ao certo a sua proveniência: “ai, dói? Estudasses", foi uma das mais famosas.
Certo é que a 8 de agosto desse ano, um homem chegaria à redação do jornal 'Tal&Qual' com a dita cassete, pedindo à época 20 mil contos pela mesma. Como a publicação recusou, o mesmo homem acabaria por entrar em contacto com André Gamboa Neves, empresário ligado à Comunicação Social, que resolveu publicar, mais tarde, frames das imagens do vídeo numa nova revista, a 'Semana Ilustrada'. Pelo meio, o empresário teria dois encontros com Taveira, nos quais este garantiu ter sido vítima de chantagem e extorsão.
As imagens, que constavam do vídeo, acabariam mesmo por ver a luz do dia na revista sob o título 'As Loucuras Sexuais de Tomás Taveira', com uma tiragem de 150 mil exemplares que esgotou em pouco tempo. Paralelamente, as cassetes passavam também a circular de mão em mão em Lisboa, sendo que o caso é dado oficialmente como descontrolado. O mediatismo foi tanto que passou as fronteiras nacionais com a segunda publicação a ser feita pela revista 'Interviú', que elevaria a polémica a um outro nível, dando conta de que o escândalo envolveria protagonistas da vida política e económica" portuguesa e "a atual Administração Política (e Pública) de Portugal", o que obrigou Cavaco Silva a reagir publicamente.
Depois de vários processos judiciais, a 'Semana Ilustrada' teve de retirar o número de circulação e acabaria por fechar, a vida familiar de Taveira desmoronou-se com o divórcio da mulher, ao mesmo tempo que se apartaria da vida pública, mas as imagens nunca foram extintas e ainda hoje é possível encontrá-las num pesadelo para as intervenientes, que nunca foram voz ativa no processo.
Sobre a forma como as cassetes saíram do confinamento do escritório de Taveira, há várias versões. A menos verosímil foi a que ele próprio contou a um amigo e que dava conta de que uma das mulheres visadas teria pedido o vídeo emprestado e que teria sido o marido desta a tentar vendê-lo ao 'Tal&Qual'. Outras garantem que foi um dos funcionários do atelier a descobrir a cassete e a sorropiá-la. Ainda há a que dá conta de que terá sido próprio arquiteto a mostrá-la aos amigos, para se vangloriar, e a perder o controlo das mesmas.
Da ideia inicial que muitas das mulheres seriam figuras ilustres do jet set ou esposas de membros ligados ao governo ou à alta sociedade, chegou-se, mais tarde, à realidade de que grande parte eram alunas de arquitetura de Tomás Taveira, que as coagiria a ter sexo a troco de benesses nos exames. Estas nunca seriam identificadas ou foi conhecido algum processo que tivessem movido ao arquiteto que, apesar do maior recato, continuou a sua vida mais ou menos impunemente: desenharia mais projetos nacionais, como a estação de metro das Olaias, ou estádios de futebol e continuaria a lecionar arquitetura, com o escândalo a destruir a vida de dezenas de mulheres, mas certamente não a sua.
Hoje, nas entrevistas que dá, Tomás Taveira contorna o assunto, de ar ofendido, como se fosse apenas algo passageiro e de má memória. "Isso é uma página branca na minha vida", disse, há uns anos ao 'Sol', e quando confrontado se seria branca ou negra, o arquiteto responderia de forma peremptória. "Branca, branca, branca, branca. Não está lá nada. Seria uma página negra se eu tivesse morrido." Ao 'Expresso' chegaria mesmo a afirmar ser "psicologicamente indestrutível", pese embora os 'esqueletos' no armário.