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Sim, Chef! por Nikita Polido

Nikita cresceu entre os tachos e panelas do restaurante dos pais. Dias intensos que acabaram em "aversão". Formou-se em "Engenharia Geológica" mas percebeu que esse não seria o seu futuro. A cozinha estava-lhe, afinal no sangue. Viveu quatro anos em Barcelona onde trabalhou com o chef Carles Abellan. Regressou ao Meco para agarrar o negócio de família que transformou seu, sem nunca perder de vista o mar e os seus melhores produtos.
Hélder Ramalho
Hélder Ramalho
07 de outubro de 2021 às 22:35
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Aos 33 anos de idade, Nikita Polido é a chef e proprietária do Celmar, no Meco, o restaurante de família inaugurado pelos pais em 1982. Os dias de infância e adolescência foram passados aqui, tantos que houve tempo em que sentia mais aversão do que encanto. Afinal, o restaurante era o grande culpado por não ter os pais tão presentes como gostaria.

Quando abriu o restaurante, Celina Polido, mãe de Nikita, tinha apenas 18 anos. Há quase 30 anos, Celina e Mário Rui Polido começaram pela pesca. O peixe que apanhavam durante a madrugada vendiam-no durante o dia, muitas vezes "ainda na praia". "As pessoas que estavam na praia escolhiam o peixe que vinham comer à noite. A influência começa aí, com a história dos meus pais", refere Nikita.

Chef Nikita, Mecomar, Meco, Celmar
Chef Nikita, Mecomar, Meco, Celmar Foto: D.R.

A oferta foi crescendo. Ao peixe foram acrescentando outras coisas e assim nasceu o Celmar. O caminho era inevitável. No Meco, junto ao mar, bastou aproveitar o que de melhor têm as águas frias do Atlântico. "Não fui eu que escolhi termos um restaurante de peixe. Temos muita facilidade em ter produtos bons: temos o mar, temos areia, temos rocha, temos lagoa, temos a ria, temos muitos ecossistemas diferentes e os melhores produtos nacionais, e isso reflete-se na nossa cozinha", defende a chef.

DUAS FAMÍLIAS, DOIS DESTINOS QUE SE CRUZAM

Alguns desses produtos vêm da Mecomar, uma empresa familiar, cuja história se cruza e confunde com a do Celmar. Começou há 20 anos na Lagoa de Albufeira, com os viveiros de mexilhão. O pai de André Marques – que atualmente divide os destinos da empresa com os irmãos – começou a atividade como mergulhador, na apanha de algas na costa do Meco, na praia das Bicas, para a indústria de cosmética. Entretanto, as algas desapareceram desta região. Era tempo de encontrar outro caminho, com os mariscos, com a apanha da santola, que vendia aos restaurantes. Mais tarde, já com a ajuda dos filhos, a par dos viveiros de mexilhão, a família dedica-se à atividade de "mariscadores de ameijoa, lapas, percebes e ouriços do mar". Com a restauração a exigir mais qualidade nos produtos, nasce a Mecomar. Inicialmente a comercializar apenas na região de Sesimbra, rapidamente chegou ao País inteiro.

"Significa que é uma coisa importante para mim. Posso passar horas a cozinhar para as pessoas que gosto. É o que posso tirar de melhor de mim para oferecer a alguém."

Duas famílias naturais da aldeia do Meco, dois percursos que caminham paralelos. Muito do marisco servido por Nikita vem da empresa de André Marques. É daqui o lingueirão para o arroz que a chef haverá de preparar umas horas mais tarde para a FLASH!. Atualmente, Nikita sente-se feliz e realizada a cozinhar. "Significa que é uma coisa importante para mim. Posso passar horas a cozinhar para as pessoas que gosto. É o que posso tirar de melhor de mim para oferecer a alguém."

DE GEÓLOGA ÀS ESTRELAS MICHELIN

Mas nem sempre foi assim. A "aversão" que tinha criado ao restaurante fê-la querer traçar um caminho diverso e afastar-se de uma vida que conhecia demasiado bem. Nikita formou-se em Engenharia Geológica mas depresa percebeu que não era esse o seu destino. "Apesar de ter sido um período muito agradecido porque aprendi muitas coisas e não me arrependi de ter estudado ciências." O fim da licenciatura apanhou a crise no imobiliário e na construção. As saídas profissionais estavam nas plataformas petrolíferas. Definitivamente, não era esse futuro que queria para a vida. "Decidi estudar cozinha mais pelo 'food styling', uma área que gostava muito. Fui estudar cozinha para aprender as técnicas mas depois gostei tanto… ou seja, mesmo tendo crescido dentro de um restaurante nunca pensei que iria gostar tanto", assume.

Chef Nikita, Celmar, Meco
Chef Nikita, Celmar, Meco Foto: D.R.

A história já estaria escrita há muito, mas Nikita só então percebeu qual era o caminho. "Comecei o meu percurso na cozinha na Escola de Hoteleira e Turismo de Setúbal. Quando terminei o curso fui para Barcelona." Estagiou no Hotel W e começou como ajudante de cozinha no antigo Bravo 24, do chef Carles Abellan, de onde saiu três anos depois como sub chef. No seu quarto ano na capital catalã fez a abertura de outro restaurante do mesmo chef, o La barra de Carles Abellan, que um ano após a abertura conseguiria 1 estrela Michelin.

"Prefiro a cozinha mais tradicional, mais divertida. Ir trabalhar contente e passar bem, sem aquela pressão de fazer tudo perfeito, cortado ao milímetro. Não me identifico com isso."

Foram anos duros. "Foi a primeira vez que fui empregada de alguém. Ou seja, vivia com os meus pais que eram os patrões e eu a filha deles. Era a primeira vez que eu vivia a outra pele. Aqui, no meu restaurante, faço mais horas do que fazia lá mas, quando montámos o último restaurante que ganhou a Estrela [Michelin], sentia muito mais a pressão. Prefiro a cozinha mais tradicional, mais divertida. Ir trabalhar contente e passar bem, sem aquela pressão de fazer tudo perfeito, cortado ao milímetro. Não me identifico com isso." Ainda assim, não há arrependimentos. "Foi uma escola maravilhosa. Conheci todo o tipo de pessoas que passaram pelo meu caminho e me ajudaram a aprender."

Chef Nikita, Celmar, Meco
Chef Nikita, Celmar, Meco Foto: D.R.

O REGRESSO A CASA E O DESEJO DE TER FILHOS

Em 2018 deixou a cosmpolita e agitada Barcelona - que tanto gostava de percorrer a pé sozinha e onde experimentava um novo restaurante todos os dias – e regressou a Portugal. Voltou à Escola de Hoteleira e Turismo de Setúbal, desta vez como professora, e fez trabalhos de food stylist no Raw Studio, até que decidiu pegar no restaurante de família e adaptá-lo à sua imagem e à bagagem que trazia dos anos a trabalhar em outras cozinhas. Inevitavelmente, há influências catalãs – "gosto dos refugados muito mais escuros do que é habitual em Portugal". A readaptação ao Meco demorou um ano. "Em Barcelona é uma loucura diária. Foi uma fase que passou. Ao fim de um ano, dei graças a Deus de estar num meio tão pequeno, de ter tanta tranquilidade, de conseguir aproveitar e desfrutar de um meio assim, rural, onde tenho espaço, lar, tempo e silêncio quando quero."

"Às vezes custa, temos dias loucos, em que perdemos a cabeça, perdemos a paciência, estamos exaustos, é preciso ir ao osteopata mas, depois, no dia a dia, é compensatório. Estamos felizes no trabalho."

A carta do Celmar é agora mais pequena. "Essa foi a primeira luta: diminuir a carta, manter os pratos mais característicos e colocar alguns que eu queria." Nikita viveu um percurso sinuoso, de algumas indecisões mas, no final, contas feitas, tudo valeu a pena. "Às vezes custa, temos dias loucos, em que perdemos a cabeça, perdemos a paciência, estamos exaustos, é preciso ir ao osteopata mas, depois, no dia a dia, é compensatório. Estamos felizes no trabalho."

Chef Nikita, Celmar, Meco
Chef Nikita, Celmar, Meco Foto: D.R.

Depois de ter conquistado o lado profissional, Nikita ambiciona um outro, mais íntimo: "Gostava de ter um filho. Gostava de continuar a trabalhar no restaurante e que o projeto continuasse. Talvez não de uma forma tão louca como é hoje em dia, porque quero ter esse lado familiar. Vejo-me a continuar a dar aulas e a desenvolver projetos junto das crianças nas escolas com alimentação saudável, desde a primária."

Chef Nikita, Celmar, Meco, arroz de lingueirão
Chef Nikita, Celmar, Meco, arroz de lingueirão Foto: D.R.

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