"O pior de tudo é eu estar a ficar careca",
dizia-lhe ele, ao olhar para o espelho para ver a idade a passar,
"Sem espelhos nunca envelheceríamos",
respondeu ela,
o olhar perdido pela janela perdida,
"Mas se não envelhecêssemos como envelheceríamos juntos",
perguntou ele,
o mundo inteiro naquela pergunta, se o amor não for o mundo inteiro não é nada de nada, na verdade,
"A beleza de ficarmos velhos é a beleza de um amor mais velho, de uma amor com mais vida dentro, nos amores é ao contrário, quando mais envelhece mais vida tem, mais forte fica, devíamos todos ser amor, seria a única maneira de sermos imortais",
ela e as suas teorias mirabolantes,
"Não sei se te amo mais na realidade se na teoria",
não sabia ele nem sabia ela, sabiam que era a hora de as palavras começarem a escassear naquele diálogo, os diálogos melhores são os que menos palavras têm, que ninguém coloque isso em dúvida,
"Preciso dos teus lábios",
ela,
"Preciso dos teus braços",
ele,
as novas correntes de pseudo-amor iriam criticar estas palavras, ai que horror esta dependência, ai que horror este apego, ai que horror esta falta de amor próprio,
"Egoístas do caralho",
diria ela,
"Sabem lá eles o que é amar",
acrescentaria ele,
e acabariam embrulhados no chão da sala, o do quarto,
em qualquer chão, na verdade, desde que fosse um chão com espaço para os dois corpos,
"Vem",
uma só palavra,
está fácil de perceber que o diálogo está a acabar,
"Mmm",
ou a começar, como é bom de ver,
e mais ainda de sentir.
Saber: s.m. Aquilo a que só ascende quem ama; quem não ama não sabe coisa nenhuma.
