— O que tens?
— Nada.
— Porquê?
— Por nada.
— E tu?
— Estou bem.
— Mesmo?
— Mesmo.
— ...
— Porquê?
— Por nada.
Ele e ela. Fechados numa espécie de mundo a dois. Uma anulação da solidão. Ou: uma solidão a dobrar?
— Correu tudo bem no escritório?
— Sim, normal.
— OK.
— E lá na empresa?
— Também.
— Óptimo.
— ...
— ...
O tamanho de uma relação é o tamanho dos silêncios que consegue suportar: quando o silêncio começa a doer é toda a relação que começa a ceder.
— Este arroz daqui é bom, não é?
— Sim.
— ...
— Amanhã não te esqueças de levar o Henrique à escola mais cedo.
— Sim, eu sei.
— Como está ele?
— Bem. A professora diz que tem andado mais atento.
— Óptimo, óptimo.
— ...
— ...
— Já pensaste como vai ser o Natal este ano?
— Como o costume, não?
— OK.
— ...
— ...
— Já pagaste o condomínio?
— Acho que sim.
— ...
— Porquê?
— O senhor Gouveia passou por mim na entrada do prédio e eu lembrei-me.
— Mas já paguei, sim.
— OK.
— ...
— ...
À volta há mais pessoas, mais relações assim, espalhadas pelas mesas de um restaurante em hora de ponta. Por todo o lado há pessoas sozinhas espalhadas pelas mesas que partilham com outras pessoas sozinhas em restaurantes em hora de ponta.
— E esta chuva não pára.
— É.
— ...
— Também é a altura dela, não é?
— Pois.
— ...
— Há coisas piores.
— Pois há.
— ...
— ...
— Queres sobremesa?
— Acho que não.
— OK.
— ...
— Café?
— É melhor não. Não tenho dormido muito bem.
— Pois. É melhor não, então.
— Pois.
— ...
— ...
O casal levanta-se e todo um peso liberta-se. Cada um sabe que está a poucos minutos de fugir para um espaço em que não tem de suportar o que nenhum dos dois parece aguentar. Por todo o lado há pessoas que já não suportam o que têm de aguentar. E aguentam.
— Vamos?
— Vamos.
E vão. E aguentam.