
São 18:06 desde domingo em Londres. A mesma hora em Portugal continental. Termina o último ponto da Laver Cup - competição que coloca os melhores tenistas da Europa contra os melhores do resto do mundo - e com o fim do torneio encerra oficialmente a carreira de Roger Federer. O suiço, com 41 anos, disputou o seu último jogo na sexta-feira, em pares, ao lado de Rafael Nadal, o seu grande rival desde que se defrontaram pela primeira vez (em 2004, em Miami). E o jogo na capital inglesa fica para história.
Roger e Nadal, rivais e amigos, choraram de mãos dadas no final do encontro (que até perderam), com o espanhol a dizer entre soluços que uma parte dele também "foi embora" com este adeus. Mais de 17 mil pessoas nas bancadas bateram palmas emocionadas durante intermináveis minutos. A intensa emoção viajou até nossas casas onde também, acredito, terá sido difícil segurar a lágrima. Eu não resisti. Como não chorar quando vemos um génio que nos maravilhou com centenas de jogadas impossíveis desaparecer para sempre? Só podemos dizer obrigado, obrigado Federer por tudo o que nos deste!
Depois das cerimónias fúnebres da rainha Isabel II, o mundo voltou a colocar os olhos em Londres, na O2 Arena, para dizer adeus ao rei do ténis - os bilhetes chegaram a ser negociados no mercado negro por 50 mil euros. Mesmo que não detenha todos os recordes (venceu 20 Grand Slams contra 21 de Novak Djokovic e 22 de Nadal), Federer é o maior símbolo do ténis moderno, mas mais do que isso. Ele transcendeu o próprio ténis. Conseguiu elevar-se à categoria dos maiores desportistas de sempre, ombreando com gigantes como Michael Jordan, Tiger Woods, Tom Brady, Cristiano Ronaldo, Michael Phelps, Michael Schumacher, Usain Bolt, Kobe Bryant e Valentino Rossi, entre outros.
Parado há 14 meses por causa de um joelho que já foi operado três vezes - a principal razão do seu abandono - Federer mostrou na Laver Cup muita da classe que o tornou num ícone e ídolo para milhões em todo o mundo. A sua pancada backhand a uma mão é como uma pincelada de Botticelli, poesia em movimento, um deslumbre para o olhar. Ver Federer jogar é assistir a um bailado conjugado de movimento e força, uma quase perfeição alicerçada numa inteligência rara para ler o court e os adversários. Ver Federer jogar é ficar perplexo a perguntar como é que aquela bola chegou ao outro lado do court. Foi magia?
É o fim de uma era. Há um momento antes e depois de Roger Federer. O enfant-terrible que partia raquetes no início da sua carreira tornou-se num gentleman respeitado por todos e desejado por todos os grandes patrocinadores que lhe engordaram a conta bancária em muitas centenas de milhões de euros. É isto que acontece aos melhores. Federer podia escolhido uma outra qualquer forma de se despedir, num jogo fácil de vencer, mas optou por dar ainda um pouco mais ao ténis, aumentando o prestígio da Laver Cup (que vai na apenas na quarta edição e é organizada pela sua empresa) e pendurando as raquetes em competição ao mais alto nível.
Roger nunca será esquecido. Não seria possível. Não é possível. Vê-lo mais uma vez e logo ao lado de Nadal foi um bónus extraordinário para todos nós, os poucos que em Portugal viram o encontro na televisão. Há uns dias, o secretário de Estado da Juventude e Desporto disse, a propósito da intolerância nos estádios de futebol, que era preciso mudar mentalidades. O titular da pasta pode ter boas intenções mas sabe que nada vai mudar. A generalidade dos portugueses não gosta de desporto. Nem tão pouco gosta de futebol. Gosta dos seus clubes e o que importa é ganhar, nem que seja com um golo com a mão. Neste Portugal onde "só existe" Benfica, FC Porto e Sporting não há espaço para o 'fair-play'.
Por isso lamento por aqueles que nunca viram Federer jogar, nem neste jogo de despedida, que não entrou nos 50 programas mais vistos de sexta-feira, ficando atrás até de repetições de telenovelas. O mundo para estes "desportistas" continua igual. Para os outros, mudou.
Vida longa ao antigo rei!