
Esta crónica chega com uma semana de atraso, por circunstâncias que não vêm agora ao caso. Mas chega. E é para a Fátima [Campos Ferreira] e para o Manuel [Rocha]. Uma semana antes da partida do Manuel Rocha acontecer, da forma mais improvável, mais estúpida – sim, porque há mortes mais estúpidas do que outras –, Fátima partilhou um vídeo/teaser da entrevista a Miguel Sousa Tavares. Iria acontecer naquela segunda-feira em que acabaria por estar a velar o marido, na altura sem imaginar ainda a hecatombe que havia de cair sobre si própria.
Naquele momento, uma semana antes, Fátima estava mesmo feliz. Estivera com Miguel no Algarve, na sua casa escondida para as bandas de Tavira. Convencera-o a falar, a mostrar os seus sítios, ao seu ritmo, a reaparecer no ecrã. Logo ele e tanto ele, que estava saturado, enfadado, desgostoso com a superficialidade da televisão (e não só). Estava mesmo feliz com o resultado do seu 'Primeira Pessoa'.
E no entanto, aquele dia, o da emissão, havia de ser de má memória. Ou se calhar não. Manuel Rocha, jornalista de mão cheia, atento, sábio, uma espécie de diplomata do mundo televisivo que, ao longo de anos, soube jogar no tabuleiro de xadrez da estação de serviço público, com os perigos, as dores de cabeça e os malabarismos que um papel de direção ali acarreta, já aqui não estava. Uma tristeza esta morte prematura. Uma perda. E, no entanto, para quem estava de fora como eu, aquela segunda-feira, com a entrevista ao Miguel a ser emitida, no meio daquele cenário de tristeza, fazia sentido, quase como uma metáfora.
"Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder", cantava Cazuza. Há um jornalismo que está a morrer lentamente, não de overdose, mas de morte lenta. Porque sim, há uma geração que se cansou, que desistiu, que partiu para outra. Fátima é das raras que tenta resistir e tem a sorte de a RTP lhe dar essa possibilidade – à qual ela responde com cuidado na produção, na escolha dos convidados, na edição do seu 'Primeira Pessoa'.
Para a Fátima, um beijo de coragem, por tudo. E força para continuar. Por todas as razões. Resistir é preciso. Em nome da verdade.