'
FLASH!
Verão 2025
Compre aqui em Epaper
Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

Notícia

Conversa impecável

Um dia aparece alguém que desperta a tua atenção. Alguém ligeiramente diferente, que, por uma razão desconhecida, consegue destacar-se da chusma anónima que te deixa indiferente. Começas a sair com o aquele tipo simpático, coisas simples, um chá numa esplanada, um passeio junto ao rio. Sentes-te bem na sua companhia, elaboras uma lista mental do que ele tem de bom para tentares interessar-te. E quando finalmente pensas que vale a pena investir, ele recua.
06 de outubro de 2017 às 09:19
Parque das Nações, ponte vasco da gama, rio tejo, lisboa
Parque das Nações, ponte vasco da gama, rio tejo, lisboa

- Espero que não leves a mal o que te vou dizer…

Olho para ele e não sinto nada. Nada. Levou-me ao ‘Faz Figura’. Deve ter sido por causa da vista, ou para compensar a sua fraca figura. Quando me foi buscar a casa e saiu do Uber, olhei para ele como quem olha para a montra e uma loja de 'bibelots'. E eu detesto 'bibelots'.

Não o via há dez dias, durante os quais falámos pouco. Foi o suficiente para o apagar do meu sistema. Quis convidar-me para jantar, é educado e palaciano, vai começar com a "conversa impecável". A conversa impecável consiste em despachar uma relação com leveza e educação, minimizando ao máximo os danos causados.

Do meu lado não houve danos, mas o Nuno não sabe. Coitado, leva-se muito a sério. Pensa que me apaixonei por ele. Nada disso. Tentei interessar-me, o que não é a mesma coisa. O meu silêncio deixa-o sem chão.

- Não olhes para mim com essa frieza.

- Então como queres que olhe?

Estou quase a disparar, mas contenho-me. Já vi este filme tantas vezes! Um tipo interessa-se, entusiasma-se, avança, tu não estás nem aí, andas de coração amolgado há mais tempo do que era suposto por causa de um caso mal resolvido e gostavas de encontrar alguém que te trouxesse conforto e te fizesse companhia. Antes dele apareceram vários, mas não tinham nada que te interessasse, nenhum conseguiu tirar-te do lugar onde estás. Vives numa redoma de vidro tão espessa que se torna quase visível. Não consegues ligar-te a ninguém. Não há fios nem energia.

Um dia aparece alguém que desperta a tua atenção. Alguém ligeiramente diferente, que, por uma razão desconhecida, consegue destacar-se da chusma anónima que te deixa indiferente. Começas a sair com o aquele tipo simpático, coisas simples, um chá numa esplanada, um passeio junto ao rio. Sentes-te bem na sua companhia, elaboras uma lista mental do que ele tem de bom para "tentares" interessar-te. E quando finalmente pensas que vale a pena investir, ele recua, começa com dúvidas, vai ficando mais ausente.

O tédio começa a invadir-me como uma onda imensa e silenciosa. Pondero levantar-me da mesa e ir embora sem uma palavra, não porque esteja chateada ou triste, mas porque estou aborrecida.

- Então diz lá o que tinhas de tão importante para me dizer que não podia ser por telefone.

- Tu és uma mulher excecional, gosto de ti e tenho saudades de estar contigo. És uma companhia ótima, divertida e interessante, és muito bonita, sinto uma grande atração por ti.

Eu não disse? E agora vem a tirada dramática do género, "mas não sei bem se é isto que quero, ou então, não estou apaixonado".

- Mas não estou apaixonado.

Bingo. Eu devia jogar na lotaria. A sério. Nem disfarço um sorriso neutro.

- Nem eu.

- Não estás?

"Claro que não, estúpido. Tu foste só mais um da lista. És um erro à espera de vaga e saíste-me um palerma em férias".

Ainda bem que o Nuno não tem poderes paranormais para ler os meus pensamentos. Opto por articular um discurso politicamente correto.

- Nunca estive. Achei-te graça, mas isso não tem nada demais. Estou sozinha há muito tempo e tu fizeste bem o teu papel, pelo menos até metade do filme. Mas depois desististe, ou então o filme mudou e eu não reparei.

- Preciso de tempo para mim.

- Está bem. Não há problema nenhum. Tens mais alguma coisa a acrescentar?

- Olha, eu gostava muito ficar teu amigo.

Os homens são tão previsíveis que até chega a ser surpreendente.

- Ainda é muito cedo para sabermos se isso vai ou não acontecer – respondo.

É sempre bom ser vaga nestes momentos. Pego no iphone e chamo um Uber. Não me apetece perder mais tempo.

Leia também
Leia também
Leia também
Leia também
Leia também

você vai gostar de...

Mais notícias de Pessoas Como Nós

A menina Clarinha e eu

A menina Clarinha e eu

Não sei quantas vezes tentei esquecer-te, talvez menos do que tu e mais do que o meu coração aguenta, a única que sinto é que, cada vez que a dou espaço à razão, o meu coração começa a encolher-se como um bolo sem fermento, a vida fica sem açúcar e os dias sem sabor.
Mergulhar no futuro

Mergulhar no futuro

Agora, enquanto a ameaça da pandemia pairar sobre Portugal e o mundo, espero pacientemente por aquele momento mágico em que vou poder voltar a mergulhar no mar. A vida ensinou-me a mergulhar no futuro, mesmo quando o futuro é um lugar vago e incerto.
Com cinco letras apenas

Com cinco letras apenas

É engraçado como as palavras mais belas e mais importantes têm três, quatro ou cinco letras. Mãe, pai, avô, avó, tio, tia, filho, paz, saúde, sonho, amor, fado. Beijo, abraço, toque, sim, não, já, agora, calma, vem, fica.
Claras em Castelo

Claras em Castelo

Estar fechada em casa não me custa, o que me custa é não ver o meu filho e os meus pais, as minhas sobrinhas e os meus irmãos, as minha amigas e amigos. Na verdade, o que me custa ainda mais, é não acreditar que, quando a pandemia passar, as pessoas não vão mudar. Agora acreditam que sim, estão paralisadas pelo medo, mas são apenas boas intenções, porque as pessoas não mudam.

Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável