
- Espero que não leves a mal o que te vou dizer…
Olho para ele e não sinto nada. Nada. Levou-me ao ‘Faz Figura’. Deve ter sido por causa da vista, ou para compensar a sua fraca figura. Quando me foi buscar a casa e saiu do Uber, olhei para ele como quem olha para a montra e uma loja de 'bibelots'. E eu detesto 'bibelots'.
Não o via há dez dias, durante os quais falámos pouco. Foi o suficiente para o apagar do meu sistema. Quis convidar-me para jantar, é educado e palaciano, vai começar com a "conversa impecável". A conversa impecável consiste em despachar uma relação com leveza e educação, minimizando ao máximo os danos causados.
Do meu lado não houve danos, mas o Nuno não sabe. Coitado, leva-se muito a sério. Pensa que me apaixonei por ele. Nada disso. Tentei interessar-me, o que não é a mesma coisa. O meu silêncio deixa-o sem chão.
- Não olhes para mim com essa frieza.
- Então como queres que olhe?
Estou quase a disparar, mas contenho-me. Já vi este filme tantas vezes! Um tipo interessa-se, entusiasma-se, avança, tu não estás nem aí, andas de coração amolgado há mais tempo do que era suposto por causa de um caso mal resolvido e gostavas de encontrar alguém que te trouxesse conforto e te fizesse companhia. Antes dele apareceram vários, mas não tinham nada que te interessasse, nenhum conseguiu tirar-te do lugar onde estás. Vives numa redoma de vidro tão espessa que se torna quase visível. Não consegues ligar-te a ninguém. Não há fios nem energia.
Um dia aparece alguém que desperta a tua atenção. Alguém ligeiramente diferente, que, por uma razão desconhecida, consegue destacar-se da chusma anónima que te deixa indiferente. Começas a sair com o aquele tipo simpático, coisas simples, um chá numa esplanada, um passeio junto ao rio. Sentes-te bem na sua companhia, elaboras uma lista mental do que ele tem de bom para "tentares" interessar-te. E quando finalmente pensas que vale a pena investir, ele recua, começa com dúvidas, vai ficando mais ausente.
O tédio começa a invadir-me como uma onda imensa e silenciosa. Pondero levantar-me da mesa e ir embora sem uma palavra, não porque esteja chateada ou triste, mas porque estou aborrecida.
- Então diz lá o que tinhas de tão importante para me dizer que não podia ser por telefone.
- Tu és uma mulher excecional, gosto de ti e tenho saudades de estar contigo. És uma companhia ótima, divertida e interessante, és muito bonita, sinto uma grande atração por ti.
Eu não disse? E agora vem a tirada dramática do género, "mas não sei bem se é isto que quero, ou então, não estou apaixonado".
- Mas não estou apaixonado.
Bingo. Eu devia jogar na lotaria. A sério. Nem disfarço um sorriso neutro.
- Nem eu.
- Não estás?
"Claro que não, estúpido. Tu foste só mais um da lista. És um erro à espera de vaga e saíste-me um palerma em férias".
Ainda bem que o Nuno não tem poderes paranormais para ler os meus pensamentos. Opto por articular um discurso politicamente correto.
- Nunca estive. Achei-te graça, mas isso não tem nada demais. Estou sozinha há muito tempo e tu fizeste bem o teu papel, pelo menos até metade do filme. Mas depois desististe, ou então o filme mudou e eu não reparei.
- Preciso de tempo para mim.
- Está bem. Não há problema nenhum. Tens mais alguma coisa a acrescentar?
- Olha, eu gostava muito ficar teu amigo.
Os homens são tão previsíveis que até chega a ser surpreendente.
- Ainda é muito cedo para sabermos se isso vai ou não acontecer – respondo.
É sempre bom ser vaga nestes momentos. Pego no iphone e chamo um Uber. Não me apetece perder mais tempo.