
- Deixei o meu coração em Istambul e agora já não ir lá buscá-lo – disse-me a Inês, enquanto bebíamos um batido no bar do ginásio, fruta e legumes misturados com pós mágicos e uma cor verde florescente que fazia lembrar um campo de golfe.
Conheço-a desde a adolescência. Foi casada durante 20 anos com um publicitário que enriqueceu no tempo das vacas gordas e quando se separaram, nem dinheiro para arranjar as unhas lhe dava. A Inês teve durante mais de dez anos uma loja de roupa e ía com frequência a Istambul comprar imitações de carteira de marca.
Com a crise de 2011 e o divórcio, viu-se obrigada a fechar a loja, mas continuou a ir buscar mercadoria à cidade mais cosmopolita e europeia da Turquia. Numa das viagens conheceu Ricardo, um manequim 12 anos mais novo que se meteu com ela.
Quis o acaso que ficassem sentados lado a lado no avião, o Don Juan de Santa Maria da Feira não perdeu tempo e avançou em manobras de sedução, também ele seduzido pelo charme de uma lisboeta enxuta e bonita e com a sofisticação que lhe faltava.
- Vamos sentar-nos, gostava que me contasses isso melhor – pedi-lhe, sempre sedenta de histórias de amor. Às vezes penso que nunca houve tanta solidão como agora, as pessoas precisam mais do que nunca de conversar a quatro olhos, de ver que o outro reage em direto em vez de ficarem a olhar para um ecrã à espera de algumas linhas escritas.
- Eu estava desorientada com a separação. Não te escondo que sempre tive problemas com o Francisco, falhas de caráter, infidelidades, discussões. Mas adorava-o e às tantas habituas-te a tudo. Quando saíu de casa senti-me perdida. O Ricardo era para ser uma distração, mal não me vai fazer, pensei eu, ingenuamente.
Achei que o facto de ser mais novo e nem sequer pertencer ao meu meio social me iria proteger de um envolvimento mais profundo, mas enganei-me. Era muito atencioso e educado, tinha boa cabeça, deu-me a volta em dois tempos. E tão bom na cama que perdi a cabeça.
A sua sinceridade tocou-me. Sempre gostei de mulheres que não têm medo de dizer o que pensam e sentem. Sorri com solidariedade e ela continuou a falar.
- Sabes o que é estar casada com o mesmo homem vinte anos a quem és fiel, primeiro por princípio, depois por teimosia, mesmo sabendo que ele tem outras e pouco tempo depois de te separares, cai-te uma 'sex-bomb' ao colo que te faz voar como nunca?
- E o que é que correu mal?
- O problema destes gajos muito giros que viajam muito é que não se conseguem fixar. Mesmo que se apaixonem não são 'husband material', percebes? Habituam-se àquela vida de nómada, tudo o que precisam cabe numa mala de cabine, e com as relações são iguais. Dão tudo desde que não existam planos para o futuro. Ele foi o melhor namorado que tive e o pior, porque deu-me tudo e tirou-me tudo.
À minha terceira estadia, depois de já termos feito a périplo das mesquitas e dos mercados que conheço melhor do que ele, atravessámos o Bósforo para a margem oriental onde começa a verdadeira Turquia. Isto foi tudo antes da vaga dos atentados, há três anos. Estava tão feliz que comecei a falar em planos: viagens no verão, essas coisas que as pessoas habituadas a relações estáveis gostam.
O Ricardo agarrou-me na mão e disse, "querida, eu não quero fazer planos. Sou muito novo para me prender". Tu ouves isto e sentes que te está a chamar velha, percebes? Ele não fez de propósito, mas caiu-me tudo. Estava tanto frio, nem imaginas.
Quando saímos, as lágrimas quase congelaram na cara. Voltei para Lisboa no dia seguinte com o ultimo carregamento de malas. Percebi que a nossa relação era espetacular, mas não ia a lado nenhum. Nunca mais voltei a Istambul.
- E voltaste a apaixonar-te?
- Consegues vestir uma camisola de lã depois de experimentar cachemira? Nunca mais. Ainda tenho saudades dele. Ou então é o meu corpo que tem, sei lá. Mas nunca mais me saiu debaixo da pele.
Ela tinha razão. Há homens que esquecemos para sempre e outro que lembramos durante muito tempo.