
Aquela sexta-feira teria sido diferente se eu não tivesse disparado. Disparar é pegar no iphone, abrir a aplicação do Whatsapp, ver se o Miguel está on line e meter conversa, como quem não quer a coisa, querendo muito.
"Olá estás aí? Já tens programa para hoje? Passei o dia a pensar em ti, estou a morrer de saudades."
Simples assim com smiles a enfeitar o fim das frases, abro o coração que se desenha em forma de desejo e espero a resposta. O Miguel tem dois 'modus operandi', ou responde sem pensar, ou não responde. Nem minutos depois, nem nas horas seguintes, às vezes nem mesmo nessa semana. Reage ou bloqueia. Comunica ou isola. Abre o coração ou atira-o para dentro de uma gaveta que fecha à chave e em seguida deita a chave fora. Até um de nós reatar o contacto, mais uma vez.
Esta história não é minha, é da minha amiga Alice, da minha prima Luísa, da minha colega de trabalho Sofia, de milhões de mulheres espalhadas pelo mundo que estão solteiras e vivem sozinhas ou com uma amiga e que, entre duas relações, recorrem à reanimação de um namoro antigo ou de um caso mal resolvido para se sentirem vivas e desejadas.
No meu caso é o Miguel, porque era o Miguel que me puxava o tapete sempre que estávamos juntos, foi dele que gostei até à última estrela do céu, foi com ele que me imaginei a ir ao supermercado aos domingos à tarde e a passar férias na casa do Algarve. O Miguel chegava e o mundo parava, os beijos eram os melhores do mundo e sempre que me abraçava, eu cabia toda naquele abraço, e não há nada que se compare à sensação de pertencer inteira a alguém.
O Miguel é o Miguel e os outros são os outros. Para a Alice é o Filipe, já foram casados, depois divorciaram-se, depois voltaram a viver juntos e agora está cada um na sua casa, mas nunca passam mais de dois dias sem se falarem. Para a Luísa é o Manel, que a deixou para se casar com outra miúda que engravidou e de quem, entretanto, já se separou. Para a Sofia é o João, um executivo quarentão bem parecido que trabalha na sede de um banco mesmo ao lado da sociedade de advogados onde somos colegas. Nenhuma delas gosta de admitir, mas a verdade é que há sempre um tipo qualquer que nos chega mais fundo ao coração, que nos toca onde os outros não alcançam. É o que é, perante tal inevitabilidade, uma pessoa só tem dois caminhos possíveis; ou a fuga ou a capitulação.
Eu prefiro abraçar o caos depois de vários dias de contenção amorosa. Se na quarta-feira penso no Miguel, na quinta também e na sexta a sua imagem não me sai da cabeça, ao fim de três dias, disparo e entrego a Deus. Naquela sexta-feira fazia um calor de morte, eu via a lua cheia da minha varanda – moro num 8º andar na Expo virado a Sul, por isso tenho a sensação de que a Lua é sempre minha – tinha acabado de chegar do ginásio, fiz um batido de proteínas e disparei. Afinal, não tinha nada a perder.
O Miguel mora em Alvalade, passa todo o tempo que pode com a filha, tem quatro bicicletas em casa, um frigorifico na sala cheio de cervejas e usa sempre o cabelo demasiado comprido, mas eu não me importo de mergulhar naquele caos, talvez por ser o oposto. No meu apartamento tudo é milimetricamente arrumado, sofro de OCD, o caos alheio traz-me uma paz paradoxal, mesmo quando por lá permaneço durante o fim-de-semana, até o Miguel me dizer que tem de ir buscar a filha.
A vida é feita destes momentos, já quis namorar com ele e já lho disse, o Miguel olhou para mim com cara de Golden Retriever e respondeu, sabes que noa era boa ideia, não me vou fixar em ti e não te quero partir o coração, eu respondo está bem, damos aquele abraço onde me sinto inteira e regresso a casa no domingo a encolher os ombros à vida, porque a vida é mesmo assim, ou isto, ou nada.
Somos a Geração Impulse, à conta de fazermos tudo o que nos passa pela cabeça, não conseguimos construir nada, que o digam a Alice, a Luísa e a Sofia, cada uma perdida no seu labirinto. E nenhum destes tipos nos oferece flores, isso é que é uma pena, porque ao menos no anúncio dos anos 80 o rapaz ainda se dava ao trabalho de entregar à miúda um raminho qualquer, ainda que pobre a piroso. No fundo o que conta é a intenção.